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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A CIDADE DE PORTO ALEGRE SABE PLANEJAR?




ZERO HORA 28 de setembro de 2015 | N° 18308

ITAMAR MELO

A CIDADE SABE PLANEJAR?


PRAZOS PERDIDOS, OBRAS que nunca ficam prontas, projetos com erros básicos e mudanças de rumo geram críticas à prefeitura


Porto Alegre: uma nova avenida termina em um muro, porque não se previu o que fazer com uma fábrica que estava no caminho. Uma ciclovia recém-construída por um setor da prefeitura é destruída por outro, que faz uma calçada no lugar – e os dois órgãos sustentam que não houve nenhuma falha nos planos. O serviço de parquímetros fica dois meses sem funcionar, já que a licitação que deveria ter sido feita não aconteceu.

Situações como essas, que levantam questões sobre a capacidade de organizar e planejar do município, dão-se em diferentes esferas, desde as mais prosaicas, como a escolha de um guarda- corpo para uma ciclovia, até as de grande ambição – projetos como o BRT e o metrô. Em episódio recente, Porto Alegre sofreu risco de ficar sem o BikePoa, serviço público de aluguel de bicicletas (leia nas páginas a seguir).

Prazos perdidos, obras que nunca ficam prontas, projetos com erros básicos e mudanças repentinas de rumo estão entre os problemas que geram críticas à condução dos projetos na cidade.

– Tem muito amadorismo na prefeitura. No caso das obras da Copa, que eu conheço, os projetos de mobilidade deveriam estar planejados antes, mas a prefeitura saiu a fazer tudo em um período curto. Eles trabalham em cima de verba. Arrumam dinheiro federal e saem atrás do que fazer com o recurso. Planejam na hora de construir, na corrida. Daí, sai bobagem – diz o engenheiro Paulo de Tarso Dutra, que trabalhou em alguns dos projetos que apresentaram problemas.

Para discutir se há falha no planejamento feito pelo município, ZH selecionou um conjunto de projetos recentes e encaminhou questionamentos às secretarias e órgãos municipais responsáveis. Foram enviadas as mesmas cinco perguntas: o que se fez para solucionar o problema, por que o problema aconteceu, qual o prejuízo, quem foi o responsável pela falha e se houve alguma punição pelo erro. Na maioria dos casos, os gestores públicos preferiram ignorar as questões enviadas e remeteram uma resposta genérica. Em geral, não reconheceram erros e não apontaram responsabilidades. Aparentemente, nenhum servidor público sofreu penalização. ZH também pediu, várias vezes ao longo do mês, uma entrevista sobre o tema com o prefeito José Fortunati, mas não foi atendida.

ÂNSIA DE DIVULGAR FUTURAS REALIZAÇÕES GERA EXPECTATIVAS

Os projetos abordados nesta reportagem e as correspondentes respostas da prefeitura foram submetidos ainda a especialistas em planejamento e administração pública. O engenheiro Thiago Regal, presidente no Estado do Project Management Institute (PMI), instituição especializada em gerenciamento de projetos, afirma que é difícil dar um parecer sem enfronhar-se nos detalhes, mas não tem dúvidas de que ocorreram erros:

– Os projetos claramente tiveram problemas graves, ou não chegariam ao desfecho que tiveram. Quando muitos mostram problemas, pode ser um indicativo de que tem algo consistentemente errado. Para mim, o grande problema é que não existe uma cultura de que, para fazer um projeto, tem de usar ferramentas de gestão de projetos.

Melvis Barrios Junior, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RS), identificou deficiências de planejamento, gestão e fiscalização:

– Com certeza, há falhas. Às vezes, um somatório delas. Temos muito político, pessoa sem conhecimento, fazendo gestão de áreas de infraestrutura, quando deveriam existir mais profissionais nessa função. Para minorar os riscos, é preciso um planejamento eficiente.

O professor Diogo Joel Demarco, do curso de Administração Pública e Social da UFRGS, ofereceu um diagnóstico que considera válido, ao menos, para grande parte dos projetos elencados:

– Evidenciam-se problemas que afetam as dimensões básicas da administração pública: planejamento, orçamento, gestão e controle. Agregaria mais uma dimensão: a participação da sociedade organizada na formulação, implementação e controle das ações públicas.

Como antídoto, Demarco apresenta algumas recomendações. Sugere a “recuperação da capacidade estatal da prefeitura”, com o fortalecimento de quadros técnicos, e propõe a criação de mecanismos de diálogo e coordenações entre os diversos órgãos responsáveis pelo planejamento e implementação dos projetos. Além disso, defende um “cuidado maior na divulgação” pelo poder público. Na avaliação dele, os gestores, na ânsia de apresentar futuras realizações, geram “expectativas distantes de serem cumpridas, pois são oriundas de ideias ou desejos que, quando muito, estão alicerçados apenas em projetos básicos, sem os devidos estudos e projetos executivos”.



ENTREVISTA - “Fazer discussão ampliada permite evitar erros”

ALVARO GUEDES - Professor de Administração Pública na Universidade Estadual Paulista (Unesp)



Doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor de uma série de livros sobre o tema, o professor Alvaro Guedes avaliou os problemas ocorridos nos projetos tratados nesta reportagem e as respectivas respostas oferecidas pela prefeitura de Porto Alegre.

É possível chegar a uma conclusão a partir dos problemas elencados nos projetos?

Mesmo eu, que sou de fora, consigo visualizar bem a questão. Se você desenvolve uma ação pública sem o chamado controle social, essa ação fica vulnerável a esses erros. Quando o processo de decisão sobre como conduzir a gestão pública tem um mínimo de legitimidade, questões como essas são facilmente evitadas. Fazer uma discussão ampliada, em que atores específicos são chamados a opinar, permite evitar problemas simples, como aquele da avenida que termina no muro da Taurus (Avenida Grécia).

Como se faz esse controle social?

Depois de olhar o material, estou seguro no que vou afirmar: você não consegue conduzir a cidade sem um envolvimento maior das forças vivas do local. Todas essas ações listadas são para promover o desenvolvimento urbano. Se você tivesse uma espécie de conselho municipal de desenvolvimento urbano, onde estivesse o Exército, o Crea, a associação dos arquitetos e representantes da população, se esse atores fossem ouvidos, seguramente nenhum desses erros apontados teria sido cometido, porque são erros de viabilidade de projeto.

O que é a legitimidade de que o senhor fala?

É a legitimação das intenções. Quando uma proposta é negociada amplamente, você consegue fazê-la fluir com rapidez. Dou um exemplo. O Banco Mundial, quando está com intenção de fazer um determinado investimento, gasta muito mais tempo na formatação do projeto do que na execução. Porque você antecipa os problemas.

Em alguns casos, houve serviços interrompidos porque a prefeitura não fez a licitação a tempo. Esse não é um problema de solução simples?

É questão de se planejar. Mas vamos ver a coisa mais de fundo. É possível fazer um edital que evite dificuldades. O que é um edital que evite dificuldades? É um edital que esgote bem a intenção do que se pretende fazer. Você sempre tem problemas quando o edital é dúbio, é lacunar. Quando o edital é bem formulado, dificilmente ocorrerá algum problema.

No caso do transporte público de Porto Alegre, primeiro a grande aposta eram os Portais da Cidade. Depois, virou o BRT. Em seguida, tirou-se o BRT da Assis Brasil para dar lugar ao metrô. Agora não se sabe se vai sair o metrô e não há projeto para a Assis Brasil. O que essas idas e vindas revelam?

O que você acabou de descrever mostra que a contingência, o momento, redefine todo o processo. Se você não tem um mínimo de consenso para saber o que vai ser necessário, vira essa função errática. Qualquer uma dessas propostas, em princípio, seria viável. Mas como você tem uma indefinição, no sentido de qual seria melhor, fica pulando de um galho para o outro, conforme a contingência: vai ter a Copa e vão liberar dinheiro? Ah, então para tudo e vamos fazer outro projeto. E acaba não fazendo bem feito. Pior ainda: não faz nenhuma obra.

Falta convicção sobre aquilo que precisa ser feito?

Sim. Porque você está tomando decisão de gabinete, isolada. Quando você toma decisão isolada de gabinete, você muda de ideia com tremenda rapidez. Uma coisa é discutir como faremos e como deixaremos de fazer. Outra coisa é, a cada ano, pensar numa alternativa, todas elas mirabolantes. Por que isso acontece? Porque existe uma decisão isolada. E essa decisão é facilmente influenciável por interesses escusos, inclusive.

Outra questão recorrente é o anúncio de prazos que depois se revelam fantasiosos. O que explica esses erros?

Não se explica o inexplicável. Alguém está te vendendo gato por lebre. Não tem erro, é alguém que está te fraudando mesmo, está tentando te dizer uma coisa que não existe. E aí eu volto àquela história: o que temos no serviço público? Escassez de recurso. Então, não dá para ficar errando. As coisas têm de ser bem elaboradas. A fórmula é simples. Empresa japonesa faz reunião para ratificar uma coisa que já foi amplamente discutida. Documentos circularam na mão de um monte de gente. Quando você entra (na reunião), todo mundo está bem informado, há uma série de opiniões que são quase consensuais. Então é só bater martelo. Agora, quando você tem uma reunião para bater o martelo sem discussão prévia, a chance de erro é maior. O que aconteceu? Você não antecipou certas perspectivas. Como é que você minimiza risco? Ouvindo especialistas, ouvindo opiniões contrárias. Aí, você soma para formar o juízo.

Chama a atenção que, quando questionamos os órgão municipais, eles não reconheceram erros e não apontaram nenhuma punição pela falhas. Isso é ruim?

É um sintoma péssimo. Uma discussão que está muito forte na literatura de administração pública é a chamada accountability, que é a responsabilização. Desde os anos 1980, isso tem sido discutido. Quem foi que errou? Ele tem de ser responsabilizado pelo erro, sim. O Estado não é um ser etéreo. O Estado é composto por agentes públicos. Se ele, em nome do Estado e como agente público, age de forma indevida e causa o erro e o prejuízo, tem de ser responsabilizado. Voltando à tua reportagem: de quem é a responsabilidade pela falha? Aparece o tempo todo: não foi respondido, não foi respondido. Isso é um absurdo! Como que não foi respondido? Isso também é fácil de resolver. Quando você tem um projeto em andamento, você designa um gerente desse projeto. Ele vai responder pela execução do projeto.

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