VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

domingo, 23 de novembro de 2014

A CORRUPÇÃO NO ATACADO



ZERO HORA 23 de novembro de 2014 | N° 17992


POR RENATO JANINE RIBEIRO


OPERAÇÃO LAVA-JATO

Ações da Lava-Jato atingem pela primeira vez um personagem atuante mas aparentemente invisível da sociedade brasileira: o corruptor



O Brasil está mudando. Este mês, pela primeira vez em nossa História, foram presos mais corruptores do que corruptos. Vivíamos o paradoxo do efeito sem causa, da destruição sem destruidor, do crime sem autor. Aumentou a visibilidade dos casos de corrupção, a indignação com eles – mas, tudo isso, convivendo com um absurdo: as pessoas eram corrompidas, mas por um sujeito oculto ou mesmo inexistente. Servidores públicos eram comprados para favorecer empresas privadas, mas estas não existiam. Isso agora mudou. Foi preso, sim, um dirigente da Petrobras, acusado de corrupção, mas junto com ele foram também uns 20 empresários poderosos.

Como observou o procurador-geral Rodrigo Janot, as empreiteiras diziam que funcionários da Petrobras exigiam dinheiro delas, que se justificavam alegando que, se não pagassem, morreriam à míngua. “Mas você está sendo extorquido para ganhar dinheiro? Para ter que botar US$ 100 milhões no bolso?”

Uma lei recente prevê a punição de corruptores – e de empresas em cujo nome se pratique a corrupção. Várias delas reforçaram seus sistemas de controle interno, sabendo que agora correm riscos se um seu representante agir de forma antirrepublicana. Explico: “república” quer dizer coisa pública ou, simplesmente, o bem comum. Se você desvia o bem comum para o privado, ataca o cerne da vida em comum. Por isso mesmo, fique claro: o contrário de república não é monarquia. O contrário da república é a corrupção.

Na América Latina, a corrupção tem um irmãozinho, o patrimonialismo. Ele existe quando um servidor público, eleito ou nomeado, incorpora o bem público a seu patrimônio privado. Durante muito tempo isto foi normal. Hoje, é intolerável. Nossos padrões éticos são mais elevados que os do passado. Nossos avós se indignavam com a mulher que desse o corpo a quem quisesse, mas toleravam que um “coronel” usasse o poder como se fosse bem seu. Que os gaúchos se refiram com carinho a uma avenida que chamam de “a Borges” não deve fazer-nos esquecer que “o Borges”, o da história e não a da geografia, tratou o Rio Grande, durante décadas, como se fosse ele o dono do Sul. O patrimonialismo é tenaz, resiste a sucessivas leis contra o nepotismo, mas a corrupção é mais ampla que ele.

No patrimonialismo, o “dono do poder” político dá as cartas. Na corrupção, o poder econômico invade o político. Alguns empresários mandam no Estado. Mas hoje o momento é propício para a necessária limpeza. Depois que foram presos dois ex-presidentes do partido governista no caso do mensalão, como justificar que criminosos da elite de dinheiro escapem à cadeia?

Várias campanhas nos têm dito: não corrompa. Não suborne policiais, não povoe o cotidiano com infrações. Das pequenas corrupções nascem as grandes – dizem. Mas a propina a um guarda rodoviário é da mesma natureza que um empreiteiro dar fortunas a diretores da Petrobras?

O princípio pode ser parecido. Mas não concordo que pequenos delitos tenham a mesma natureza de crimes devastadores. Não posso comparar a corrupção no varejo à formação de “clubes” que manipulam licitações. Não posso culpar uma vaga “cultura brasileira”, leniente com a corrupção, pelos desvios de dinheiro público que deixa de servir a construir escolas e hospitais. Desvios de grande porte, que matam ou mutilam seres humanos. Todas as condutas antirrepublicanas devem ser punidas, mas sobretudo esses casos, que prejudicam muito mais do que os outros. Faz tempo que me pergunto se o grande corrupto não deveria ser condenado também pelas mortes que causou, pelas vidas que floresceriam se tantas pessoas tivessem as oportunidades que megacriminosos lhes tiraram. São apenas ladrões? ou assassinos?

Quando um potentado sequestra a coisa pública, ele fere o coração de nosso viver em comum. Para a corrupção do policial abalar a vida social, precisa haver milhares de pequenos atos de corrupção (e infelizmente há). Mas o grande corruptor faz, sozinho, o trabalho ruim de milhares.

Esta nova percepção é importante. Até há poucos meses, quando muito se punia o corrompido, não o corruptor. Ora, é este quem mais lucra com o malfeito. Na verdade, a corrupção era considerada mais como um crime do gestor ou funcionário, do que como uma agressão do indivíduo privado ao bem público. É como se fosse uma falha administrativa, não um crime contra a essência mesma da sociedade. Em que pese minha decidida oposição à pena de morte, e minha descrença na honestidade do sistema político e econômico da China, entendo que punir a corrupção com a pena máxima (como se faz por lá) traduz a ideia de que o maior mal que se pode fazer à sociedade é, depois da traição à pátria, a destruição da coisa pública.

A grande mudança é esta. De agora em diante, as empresas desonestas estão em risco. Podem ser punidas. O delito deixou de ser atribuído apenas ao elo mais fraco. É um possível passo para que o crime compense cada vez menos. Não basta passivamente esperar para que assim seja. Devemos apoiar esta mudança.


POR RENATO JANINE RIBEIRO | Professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP)

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