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sábado, 27 de setembro de 2014

UM COLISEU NO SERTÃO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2340 | 26.Set.14



Com verba do governo federal, cidade cearense de pouco mais de 16 mil habitantes e sem time de futebol ergue um estádio inspirado no anfiteatro romano para 20 mil pessoas


Helena Borges



O Coliseu, peça-chave da história humana, uma das sete maravilhas do mundo moderno, palco de batalhas épicas, localizado no coração... do Ceará? Está sendo erguido, no município de Alto Santo, a 246 quilômetros de Fortaleza, um estádio de futebol com fachada inspirada nos arcos romanos do Anfiteatro Flaviano, um dos maiores pontos turísticos de Roma e do mundo. A construção comporta 20 mil pessoas, mas a população da cidade não chega a 17 mil nem tem um time de futebol. O projeto mirabolante não seria tão problemático se sua construção não fosse bancada com dinheiro do erário. A obra custará aos cofres públicos R$ 1.317.500. Os repasses do Ministério do Esporte foram ordenados por emendas à Lei Orçamentária assinadas por um político barrado na lei Ficha Limpa, o ex-deputado federal Marcelo Teixeira, ex-PMDB e hoje sem partido.


CÓPIA
Acima, a fachada em Alto Santo, a 246 quilômetros de Fortaleza,
está 70% concluída. Abaixo, o coliseu de Roma, um dos maiores
pontos turísticos do mundo



Questionado por ISTOÉ sobre os critérios adotados para a autorização da obra e os argumentos apresentados em defesa da construção, o Ministério do Esporte se limitou a emitir nota informando que todos os recursos destinados para a construção são originários de emendas parlamentares referentes aos anos de 2005, 2007 e 2008. Seu autor, Teixeira, teve a candidatura impugnada em 2010 por contas irregulares, segundo o Tribunal de Contas dos Municípios. Antes, foi eleito quatro vezes deputado pelo Ceará, onde também já foi vice-prefeito de Fortaleza. Questionados, os parlamentares atuais do Estado se mostraram contrários à construção. “É um absurdo. Nenhum município do interior do Ceará tem porte para abrigar um estádio nessas proporções”, afirma o deputado estadual cearense João Jaime, do DEM.

Menor do que a arena romana, que acomodava até 50 mil espectadores, o projeto do coliseu cearense terá capacidade para 20 mil pessoas. No entanto, a obra será entregue – segundo as previsões da Federação Cearense de Futebol, em novembro – com cinco mil a seis mil lugares, um número mais proporcional aos 16.359 habitantes do município, de acordo com o último censo. Só falta agora um time de futebol. O clube da cidade, o Alto Santo Esporte Clube, está inativo desde 2009. Mas isso não é problema para a federação. “Outro clube de uma localidade próxima (ou não), pode indicar a praça esportiva para mandar seus jogos”, disse Manuella Vianna, diretora de comunicação da instituição. Visitas técnicas já foram feitas pela entidade, que aguarda, agora, a aprovação dos laudos técnicos e de segurança do Ministério Público.

Segundo a federação cearense, este é um estádio simples, “apenas com uma fachada diferente, lembrando o Coliseu de Roma”. E qual seria o motivo da inspiração? Mero capricho. “O arquiteto não quis colocar apenas um muro branco e optou por algo diferente”, afirmou Manuella. Só esqueceram de avisar que a inovação custará caro – e que o coliseu é redondo, porque as paredes da construção de Alto Santo seguem o formato retangular do campo. Segundo a Caixa Econômica Federal, responsável pelos repasses das verbas do Ministério do Esporte para a construção, apenas a fachada e os muros de contorno somam R$ 730 mil. A Caixa assegura que não está financiando a obra, o município é o responsável pela licitação e execução do projeto. Ela apenas efetua a liberação dos recursos de acordo com a evolução – aliás, a famosa fachada já está 70% concluída.

Para coroar a construção, um açude foi aterrado durante a execução da obra. Coincidência histórica, o coliseu original foi construído sobre o lago da casa de Nero, a Domus Áurea. Mas, para os moradores de Alto Santo, município atingido pela seca do Nordeste, esse pequeno alagado pode fazer mais falta do que o lago do famoso imperador. Segundo dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, os três açudes que abastecem a cidade estão com volume em baixa e o mais afetado deles, Figueiredo, tem, no momento, apenas 3,3% de seu total.



Procurada, a Prefeitura de Alto Santo não atendeu às ligações da reportagem. No entanto, em sua página do Facebook é possível acompanhar as obras em fotos e vídeos. Na legenda das imagens, lê-se que “aos poucos vai tomando forma esse colosso do Vale Jaguaribano” e que está sendo construído um “paredão de três metros de altura”. Os créditos do feito são dados à Secretaria de Obras do município e ao prefeito José Iran (PRB), conhecido como Zé, sob acompanhamento técnico do ex-prefeito Adelmo Aquino, idealizador da obra. Aquino chegou a se candidatar a deputado estadual este ano pelo partido Solidariedade, mas teve a candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ele foi condenado por abuso de poder em 2012, numa ação de investigação judicial que ainda está tramitando no Tribunal Superior Eleitoral, o que o enquadra na lei da Ficha Limpa. O político recorreu, mas renunciou à candidatura alegando motivos pessoais.

Apesar da grandiloquência e inadequação, não há irregularidades com o coliseu de Alto Santo, de acordo com o Ministério Público Federal do Ceará. Uma denúncia recebida em 2012 pela Procuradoria da República em Limoeiro do Norte, município vizinho de Alto Santo, instaurou um inquérito civil público sobre possíveis irregularidades em sua construção. Desde então, o MPF-CE vem apurando o caso, por meio do acompanhamento, junto à Caixa, da execução dos recursos provenientes dos dois contratos firmados com o governo federal para o financiamento da obra. A última movimentação do inquérito foi o envio de um ofício ao Ministério dos Esportes no dia 27 de agosto, requisitando informações sobre os procedimentos de fiscalização dos repasses feitos à Prefeitura de Alto Santo. Um ofício anterior, enviado pelo banco no dia 17 de julho, informa que a obra está paralisada. Em nota oficial, a procuradoria concluiu que “até o presente momento não existem indícios de ilegalidade que justifiquem a instauração de inquérito policial ou ação de improbidade administrativa”.

Foto: Jarbas Oliveira/Folhapress

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