VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

LADRÕES DE INSTITUIÇÕES


FOLHA.COM 08/08/2014 02h00


reinaldo azevedolad



Para lembrar uma imagem empregada certa feita por Diogo Mainardi –que tem sofrido tentativas descaradas e infrutíferas de clonagem na crônica tupinambá–, parte da imprensa está se comportando, no caso da fraude da CPI da Petrobras, como a Fada Sininho do PT, batendo as asinhas para ver se a bomba dos piratas estoura longe do Palácio do Planalto. É uma missão suicida, mas vale sacrificar a honra em nome de mais quatro anos na Terra do Nunca! Há um esforço danado para provar que os petistas, os assessores palacianos e o comando da estatal não fizeram nada demais ao transformar uma CPI numa pantomima ridícula.

Não que se esperasse, dadas as personagens, grande coisa dessa comissão. Mas, vá lá, admita-se que a folgada maioria que detêm os governistas em sua composição é regimental: deriva do desequilíbrio de forças no Senado, que traduz, no entanto, a vontade do eleitor. Nada a fazer a respeito. É legítimo, sim, lastimar certos aspectos da democracia. Só não é permitido solapá-la.

Os que se organizaram numa verdadeira gangue não atentaram apenas contra as prerrogativas da comissão em si. Agrediram também a Constituição, o Poder Legislativo, o Estado de Direito e, por óbvio, o regime democrático. Já está evidente que o comando na operação ficou com o Palácio do Planalto, mais exatamente com a Secretaria de Relações Institucionais, cujo titular é Ricardo Berzoini, de tantos serviços prestados ao escândalo dos aloprados. Eu invoco com o nome dessa pasta desde que ela foi criada, no governo Lula. Quem inventa uma estrovenga chamada "Relações Institucionais" está confessando que opera com "relações não institucionais". Bingo!

Os que me acompanham nesta Folha, no blog que mantenho na Veja.com ou na rádio Jovem Pan sabem que atribuo à roubalheira o peso que a coisa tem: comprovadas as culpas, cana para os larápios! Mas eu me ocupo mais dos ladrões de instituições do que dos ladrões de dinheiro público. Eu não poderia integrar, por exemplo, uma associação de jornalistas investigativos, ainda que eles me quisessem como sócio. Investigo escolhas políticas, não contas correntes ou declarações de Imposto de Renda. Não estou a tratar com menoscabo o trabalho de ninguém, muito pelo contrário: eu o aplaudo. Mas estou mais preparado para denunciar uma ideia fraudulenta do que um crime caracterizado no Código Penal. O mal que os ladrões de instituições fazem ao Brasil é muito superior ao que praticam aqueles outros.

Um ladrão de dinheiro público é um caso de polícia; um ladrão de instituições é um caso de política. Um ladrão de dinheiro público faz um rombo no caixa; um ladrão de instituições faz um rombo numa cultura; um ladrão de dinheiro público morrerá um dia; um ladrão de instituições procria. Um ladrão de dinheiro público inviabiliza um projeto; um ladrão de instituições inviabiliza um país. Apelando agora a Padre Vieira: um ladrão de dinheiro público pode até ser enforcado; um ladrão de instituições manda enforcar.

O jornalismo político no Brasil está, sim, preparado –às vezes, atropelando garantias legais que deveriam ser preservadas– para denunciar o larápio que avança contra o caixa, mas, infelizmente, anda muito pouco atento às manobras solertes dos ladrões de instituições. Quando um ministro de Estado, como Gilberto Carvalho, faz uma peregrinação ao Congresso em defesa do decreto 8.243 –aquele dos conselhos populares–, ele não está avançando no erário. Não há como chamar a polícia. Ele quer é assaltar os fundamentos da democracia representativa. Carvalho, nessa ação, não tenta roubar o nosso dinheiro; ele tenta é roubar o nosso futuro. Com aquele seu ar sereno de santarrão de sacristia, mas com alma de Savonarola.

Eu nunca considerei que o aspecto mais deletério do mensalão fosse a roubalheira em si –que também aconteceu. Mais grave foi a tentativa de criar um Congresso paralelo. Lambanças como as ocorridas na Petrobras, que a CPI deveria estar investigando, podem ter cura se o Brasil e a estatal tiverem governanças decentes. Mas não há esperança quando condescendemos com ladrões de instituições. Até porque eles é que escrevem os evangelhos seguidos pelos outros ladrões.


reinaldo azevedo
Reinaldo Azevedo, jornalista, é colunista da Folha e autor de um blog na revista 'Veja'. Escreveu, entre outros livros, 'Contra o Consenso' (ed. Barracuda), 'O País dos Petralhas' (ed. Record) e 'Máximas de um País Mínimo' (ed. Record). Escreve às sextas-feiras.

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