VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

domingo, 31 de agosto de 2014

FLAGRANTE DE FISIOLOGISMO

REVISTA VEJA 30/08/2014 - 01:00

Flagrante de fisiologismo: como um ministro do TCU se pôs a serviço de Dilma para emplacar a mulher em um cargo. Mensagens da Casa Civil da Presidência da República revelam como funciona a troca de favores entre autoridades e seus padrinhos políticos. Ministro do TCU conseguiu indicar a esposa para o Superior Tribunal de Justiça e o irmão para o Tribunal Superior do Trabalho com a ajuda de Dilma Rousseff. Antes disso...


Robson Bonin e Hugo Marques




O ministro Walton Alencar: ele dava atenção especial a processos de interesse do governo em troca da nomeação da mulher para uma vaga no STJ (VEJA)

No organograma dos poderes, o Tribunal de Contas da União (TCU) exerce o papel de guardião dos cofres públicos. Do superintendente de uma repartição federal na Amazônia ao presidente da República, ninguém está livre de prestar contas ao órgão. É do TCU a missão de identificar e punir quem rouba e desperdiça dinheiro público, seja um servidor de terceiro escalão, um ministro de Estado ou uma dezena de diretores da Petrobras. Enfrentar interesses poderosos é da natureza do trabalho do tribunal. Por isso, seus ministros gozam de prerrogativas constitucionais, como a vitaliciedade no cargo, destinadas a lhes garantir autonomia no exercício da função. No mundo ideal, o TCU é plenamente independente. Na prática, troca favores com o governo, sujeita-se às ordens do Palácio do Planalto e, assim, contribui para alimentar a roda do fisiologismo, mal que a corte, em teoria, deveria combater. VEJA teve acesso a um conjunto de mensagens que mostram que há ministros dispostos a servir aos poderosos de turno a fim de receber generosas contrapartidas, como a nomeação de parentes para cargos de ponta.

Trocadas durante o segundo mandato do presidente Lula, as mensagens revelam o ministro Walton Alencar, inclusive quando comandava o TCU, no pleno gozo de uma vida dupla. Nos julgamentos em plenário e nas manifestações públicas, Walton era o magistrado discreto, de perfil técnico, que atuava com rigor e independência. Em privado, era o informante, os olhos e os ouvidos no TCU de Dilma Rousseff, à época chefe da Casa Civil, e de Erenice Guerra, então braço-direito da ministra. Walton pôs o cargo e a presidência do tribunal a serviço da dupla. E o fez não por mera simpatia ou simples voluntarismo. Em troca, ele recebeu ajuda para emplacar a própria mulher, Isabel Gallotti, no cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A trama toda ficou registrada em dezenas de mensagens entre Walton e Erenice, apreendidas em uma investigação da Polícia Federal. Com a colaboração das mulheres mais poderosas do Palácio do Planalto no segundo mandato de Lula, Walton conseguiu mobilizar um espantoso generalato de autoridades para defender a indicação da esposa.


O PODER JOVEM NA POLÍTICA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2336 | 29.Ago.14


O que os jovens pensam sobre a política. Pesquisa Data Popular revela que a juventude brasileira é mais informada que seus pais e tem peso decisivo na eleição

Alan Rodrigues 



Nas eleições de 5 de outubro, mais de 140 milhões de brasileiros estarão aptos a votar. Nesse universo, um terço dos eleitores – pouco mais de 45 milhões de pessoas – é formado por jovens entre 16 e 33 anos. Para entender melhor a cabeça política da juventude brasileira, quais suas demandas e de que maneira ela pode influenciar na corrida eleitoral, ISTOÉ destrinchou uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular com 3.500 jovens do País. O levantamento revela, entre outros dados interessantes, que essa turma, por ser mais informada do que seus pais e levar dinheiro para dentro de casa, contribuindo para o aumento da renda, forma opinião, influencia no voto da família e pode até decidir a eleição. A pesquisa não questiona em quem eles votariam. Mas mais de 50% deles se encontram entre os eleitores indecisos ou que pretendem anular o voto. O discurso, porém, carrega um viés de oposição. Como na maioria da população brasileira, o desejo de mudança está impregnado em 63% deles, que acreditam que o Brasil não está no rumo certo. Apesar disso, 72% desses brasileiros que têm entre 16 e 33 anos consideram ter melhorado de vida. Mas a juventude indica querer mais. “Eles querem serviços públicos de mais qualidade, maior conectividade, acessos livres a banda larga e a tecnologia de ponta. E não abrem mão da manutenção do poder de compra”, afirma o autor do estudo, o publicitário Renato Meirelles, presidente do Data Popular.



O levantamento embute outros recados importantes à classe política. Ao mesmo tempo que 92% acreditam na própria capacidade de mudar o mundo, 70% botam fé de que o voto possa transformar o País e 80% reconhecem o papel determinante da política no cotidiano brasileiro, fatia expressiva dos jovens do Brasil (59%) acredita que o País estaria melhor se não houvesse partido político. Para os jovens, as agremiações partidárias e os governantes não falam a linguagem deles. “Os políticos são analógicos e a juventude digital”, atesta Renato Meirelles. Observador atento do cenário político e um dos maiores especialistas sobre o comportamento da juventude brasileira, Meirelles foi quem criou o verbete “Geração D” – de digital, numa alusão à juventude conectada.


Bem-estar
Sâmia Vilela (acima), filha de uma cobradora de ônibus, hoje estuda marketing
e é uma empreendedora. Júlio Fernandes (abaixo) faz pós-graduação
para gerir melhor os negócios da família



Nascidos totalmente integrados à tecnologia digital, sob os ventos favoráveis da estabilidade econômica, da democracia e com menos privações que a geração anterior, esses jovens foram os grandes protagonistas das manifestações de junho de 2013, quando milhões de pessoas de todo o País foram às ruas para cobrar mudanças na política brasileira. De lá para cá, a onda de indignação, revolta e envolvimento dos jovens na vida política só cresceu. Chamados a dialogar, eles foram instados a ter opiniões. Não existe aí uma novidade. Os jovens sempre tiveram opiniões. Muitas opiniões, diga-se. A diferença crucial agora é que o que eles dizem tem muito mais peso. Eles são ouvidos e exercem influência sobre a família. “Hoje, as decisões familiares são totalmente compartilhadas. Inclusive as decisões políticas”, afirma a estudante Sâmia Vilela, 27 anos. A história de vida de Sâmia iguala-se à de milhões de jovens brasileiros que na última década deixaram para trás a pobreza, conseguiram estudar e abriram seu próprio negócio.



Filha de uma cobradora de ônibus, que nas horas vagas ainda arrumava tempo para fazer salgados para vender nas ruas de São Paulo, ela foi criada na favela, ficou anos longe do banco escolar, mas hoje estuda marketing e tornou-se uma pequena empreendedora. Criou um blog sobre como organizar festas de casamento com pouco dinheiro, o Casamento sem Grana. “Hoje, minha página soma 3,5 milhões de pageviews e 40 mil usuários únicos no mês”, comemora. O caso bem-sucedido de Sâmia dá vida a números da pesquisa do Data Popular segundo os quais 85% dos jovens acreditam que só é possível progredir na vida com muito trabalho. “A internet ampliou o repertório, as redes de relacionamento e as possibilidades de ascensão social dessa geração”, afirma Meirelles. Não apenas isso. A internet e as redes sociais viraram palco dos novos debates políticos – a maior parte deles travada por jovens. O que rola na rede é disseminado em casa por meio da juventude conectada. Se surge uma informação nova sobre determinado candidato, o assunto logo vira tema de discussão no seio familiar durante cafés da manhã, almoços e jantares, momentos em que normalmente todos estão reunidos em torno da mesa. “Hoje, sou muito mais escutado em casa, ainda mais quando o assunto é política”, diz Júlio Espósito Fernandes, 25 anos. Estudante de pós-graduação, ele trabalha nas empresas da família. “Cresci ouvindo meu pai dizendo: vote nesse candidato. Ele rouba, mas faz. Hoje, não aceito essa história”, conclui. “Não há como discutir o processo eleitoral sem falar dos jovens – que estão olhando para a frente, não para trás”, diz o autor da pesquisa. Numa direção oposta a 59% dos jovens que afirmaram que o Brasil estaria melhor se não tivesse nenhum partido político, a produtora de audiovisual Mary Miloch, 23 anos, acredita que o aperfeiçoamento da democracia passa pelo fortalecimento das organizações partidárias. “Não consigo imaginar a política sem partidos”, diz Mary. O problema, segundo ela, é que “algumas legendas têm dificuldade em dialogar com os jovens”. Primeira da família a fazer um curso de nível superior, Mary é estudante de rádio e televisão e cursa universidade com o auxílio de uma bolsa integral do Prouni. Apaixonada pela política, ela esteve nas ruas durante as jornadas de junho do ano passado e integra o grupo de jovens que acreditam na importância do voto para a mudança dos rumos do País. “Eu não só sei, como tenho certeza da nossa capacidade transformadora”, afirma.


Migrante
Vivian Silva, beneficiada pelos programas sociais e pelo aumento
na oferta de empregos e renda, dita o rumo na família

Ao menos em casa, a juventude já ajuda a transformar a vida de seus pais, contribuindo no orçamento doméstico. Hoje, de cada R$ 100 que um pai da classe alta injeta na economia do lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na classe C, também a cada

R$ 100, o filho investe R$ 96. O fato de os jovens participarem ativamente no orçamento familiar deu a eles a condição de ser um dos interlocutores da família. Aos 29 anos, a operadora de telemarketing Vivian Silva mora na cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, com a mãe, os dois filhos e o marido. Migrante nordestina, Vivian desembarcou na capital paulista em busca de trabalho há três anos. Chegou praticamente só com a roupa no corpo. Dependente dos programas sociais do governo como o Bolsa Família, ela conseguiu trabalho, comprou seu imóvel através do programa Minha Casa Minha Vida e hoje cursa universidade. Ela faz parte dos 92% dos jovens brasileiros que acreditam na capacidade da juventude de mudar o mundo. “Como nos consultam para adquirir ou pesquisar sobre um determinado produto, a família também nos procura para saber de política, economia e outras notícias”, garante Vivian.


Eu quero mais
Depois do passado difícil, Verônica Gonçalves faz coro
com os que acham que precisa de mudanças

Esse apoderamento dos jovens é explicado, segundo Meirelles, por diversos fatores. Além de ter mais acesso à informação (93% dos jovens são conectados), a juventude digital é muito mais escolarizada que os pais. Quando o recorte da pesquisa trata da educação nos lares brasileiros, salta aos olhos a evolução educacional dos filhos da classe C (54% dos brasileiros). Nesse estrato da sociedade, sete em cada dez jovens estudaram mais que seus pais. É o caso da garçonete Verônica Gonçalves, 30 anos. A mãe era analfabeta até os 30 anos, quando ficou viúva, e foi obrigada a estudar. Diante das necessidades alimentares dos filhos, ela aprendeu a ler. Agora, trabalha e divide com os três filhos as despesas da casa. “Hoje, lá em casa, somos todos internautas e dividimos tudo. Principalmente, as decisões de compra”, diz ela. Indecisa eleitoralmente, apesar das mudanças na vida na última década, Verônica está atenta aos programas eleitorais para definir seu voto. “Precisamos melhorar um pouco mais”, diz ela, que pretende estudar gastronomia no próximo ano.


Atuação política
Mary Miloch, assim como milhões de brasileiros, participou dos
protestos de junho de 2013 e acredita que seu voto pode fazer
a diferença nas eleições de outubro

Neste mundo de interatividade, a enorme capacidade da juventude de assimilar as transformações tecnológicas interfere em como esses jovens agem, pensam e levam o seu ritmo de vida. Ao contrário do que muita gente possa pensar, o estudo do Data Popular mostra que os jovens querem um Estado forte, com a eficiência do setor privado e que ofereça serviço público gratuito de qualidade. “Essa juventude quebra a lógica política tradicional, ideológica”, explica Meirelles. “Principalmente porque os jovens dessa geração utilizam-se de uma régua muito mais rigorosa para medir a qualidade do serviço público do que os pais”, explica Meirelles.


Estado forte
Líder dos rolezinhos, Vinícius André do Prado acha que, além de médicos,
os jovens precisam de professores e de mais segurança, até no ambiente virtual

Do ponto de vista comportamental, os jovens da geração D são ambiciosos, impulsivos e ousados. Contestadores, eles não querem saber de censura. Impactados pelo sucesso dos programas de distribuição de renda, redução da pobreza e pleno emprego, eles, agora, querem muito mais dos políticos. Na pesquisa do Data Popular, a segurança aparece em primeiro lugar entre os problemas que mais preocupam os jovens, seguido por políticas públicas para a juventude e a inflação do cotidiano. O jovem Vinícius André do Prado, 18 anos, é um dos jovens da periferia que cobram das autoridades uma maior presença do Estado no cotidiano das comunidades, principalmente na questão da segurança. Um dos líderes dos chamados “rolezinhos”, Vinícius diz que a quantidade de brigas nas baladas e em eventos frequentados pelos jovens da periferia está afastando o público jovem do lazer. “A falta de segurança é o nosso principal problema. Rolam muitas brigas nas baladas”, queixa-se. “O pessoal fica falando da ausência de médico na periferia, mas faltam professores, bolsas de estudo e publicidade para informar a gente sobre os projetos”, critica Vinícius. Para ele, os governos utilizam-se de ferramentas comunicacionais atrasadas, como o rádio, para anunciar projetos. “Será que alguém nas zonas urbanas ainda ouve rádio?”, questiona. O governo, segundo o líder dos rolezinhos, pensa o País com a cabeça voltada para o passado. E eles só querem saber do futuro. Os rebeldes de outrora, hoje conectados e formadores de opinião em casa, não deixam de ter muita razão.



“Os políticos não falam a língua dos jovens”





ISTOÉ – Muitos analistas apostam que essas serão as eleições da mudança. O sr. concorda com isso?
Renato Meirelles – As pesquisas mostram que as pessoas querem um Brasil diferente do que está hoje, mas com uma garantia efetiva de que as conquistas dos últimos anos não sejam perdidas. O eleitor está insatisfeito com a situação do País da porta de casa para fora, já que do lado de dentro as pessoas sabem que as coisas melhoraram muito. Essa será uma eleição de futuro e não de passado.

ISTOÉ – Isso explica, por exemplo, o fato de os candidatos defenderem os programas sociais do governo e concentrarem as críticas em economia e gestão pública?
Meirelles – Economistas não entendem de gente de carne e osso. De nada vale discutir o passado. Só um terço dos eleitores tem condições maduras de comparar os governos FHC e Lula. O eleitor não quer mais discutir cesta básica, ele quer banda larga. Ele não quer dentadura, mas o Bolsa Família 2.0.

ISTOÉ –O que é Bolsa Família 2.0?
Meirelles – Essa juventude quer maior conectividade, acessos livres a banda larga e a tecnologia de ponta. Eles representam 33% do eleitorado e 85% deles são internautas.

ISTOÉ – Mas problemas econômicos, como a alta da inflação e a falta de crescimento do PIB, não pautam o voto?
Meirelles – A maior parte dos eleitores é
da classe C e eles não entram e nem querem saber sobre essa conversa de pibinho, taxa Selic e tripé macroeconômico. Eles querem saber sobre o preço do tomate, do emprego e da diminuição dos juros no crediário e nos juros do cheque especial.

ISTOÉ – Quais são os desejos e necessidades desses eleitores?
Meirelles – Eles querem saber quem vai garantir a creche para as mulheres que foram para o mercado de trabalho. Querem serviços públicos de mais qualidade e não abrem mão da manutenção do poder de compra.

ISTOÉ – Quem são os jovens dessa geração digital?
Meirelles – São jovens de 18 a 33 anos, uma mistura das gerações Y e X (nascidos entre 1980 e hoje) e predominantemente de classe C. Gastam R$ 200 bilhões por ano. De cada R$ 100 que um pai da classe alta injeta na economia do lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na classe C, o filho coloca R$ 96. É por isso que os filhos influenciam mais a economia doméstica. Além disso, eles são mais escolarizados que os pais e mais conectados.

ISTOÉ – Qual será a importância deles nas eleições de outubro?
Meirelles – Como os jovens decidem mais sobre as coisas dentro de casa, eles são os novos formadores de opinião. Isso vale tanto para a compra de um produto quanto para a decisão do voto familiar. Não há como discutir o processo eleitoral sem falar da juventude. Os jovens olham para a frente; são eles que vão ajudar a decidir as eleições este ano.

ISTOÉ – As pesquisas mostram em qual candidatura eles estão apostando as fichas?
Meirelles – É muito cedo para falar em definições, mas certamente a entrada da candidata Marina Silva modificou o quadro eleitoral. A ex-senadora, ao que tudo indica, consegue angariar o voto jovem, que soma boa parte dos descontentes com a política que saíram às ruas em junho do ano passado.

ISTOÉ – O que as manifestações de junho de 2013 deixaram de legado?
Meirelles – Que os jovens não aceitam mais uma classe política que não os representa. Eles querem ser protagonistas da própria história. Essa geração não aceita hierarquias, censura e tampouco tentativas de silenciá-los.

ISTOÉ – Os jovens estão mais insatisfeitos?
Meirelles – Por serem mais escolarizados e conectados que os pais, eles são mais críticos com a real situação do País. Eles não enxergam na classe política a solução para um futuro melhor.

ISTOÉ – Isso explica por que a maioria dos jovens está indecisa ou pretende anular o voto?
Meirelles – Os políticos não sabem levar a pauta política para o cotidiano dos jovens. Eles não falam a linguagem desse eleitorado. Os políticos são analógicos e os jovens são digitais. Eles têm uma mentalidade velha que avalia políticas públicas pela lógica da oferta e não pela demanda. Ou seja, é mais importante o que os estudiosos afirmam que é bom para as pessoas, do que o que o povo sabe que é importante para elas.

18 LEIS POR DIA, E A MAIORIA VAI PARA O LIXO


O GLOBO 18/06/2011 0:00 / ATUALIZADO 03/11/2011 20:08


Brasil faz 18 leis por dia, e a maioria vai para o lixo


POR ALESSANDRA DUARTE E CHICO OTAVIO




RIO - "Dá-me os fatos e te darei as leis", diz a máxima sobre o trabalho de um juiz. Pois os juízes brasileiros tiveram de lidar com muitas na última década: de 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais. Isso dá 6.865 leis por ano - o que significa que foram criadas 18 leis a cada dia, desde 2000.

Mas, em vez de contribuir para a aplicação do Direito, boa parte dessa produção só serviu para agravar os problemas da máquina judiciária. A maioria das leis é considerada inconstitucional e acaba ocupando ainda mais os tribunais com a rotina de descartá-las. Outras, mesmo legítimas, viram letra morta, pois o juiz as desconhece ou prefere simplesmente ignorá-las. E outras têm a relevância de, por exemplo, criar o Dia da Joia Folheada ou a Semana do Bebê.


Embora as mazelas da Justiça sejam, muitas vezes, associadas à falta de leis apropriadas, é justamente o excesso delas um dos fatores que emperram o Judiciário. Outro motivo seria a baixa qualidade da produção legislativa - uma lei que não se liga à realidade social, ou outra que não se baseia em princípios constitucionais. Há ainda os problemas enfrentados pelo Judiciário no seu trabalho, ao lado da própria falta de compreensão da sociedade sobre a Justiça. O GLOBO discute essas questões numa série de reportagens que começa hoje, sobre o seguinte tema: por que uma lei não pega no Brasil?

Das 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, 68.956 são estaduais e 6.561, federais. Minas Gerais foi o maior legislador do período: criou 6.038 leis. Em seguida, Bahia, criadora de 4.467 leis; Rio Grande do Sul, com 4.281; Santa Catarina, com 4.114; e São Paulo, com 4.111. O Rio de Janeiro criou 2.554 leis nesse período.

Esse total de 75 mil leis nem leva em conta as municipais - o que faria subir consideravelmente esse número, já que, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, existem atualmente no país 5.500 Câmaras municipais e 55 mil vereadores. No Rio, 80% de leis inconstitucionais

A inconstitucionalidade é um dos principais problemas na qualidade das leis, sobretudo as estaduais e municipais; uma lei tem sua constitucionalidade questionada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). De 2000 a 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 2.752 Adins, relativas a leis federais e estaduais; de 1988 até agora, 20,5% dessas foram julgadas inconstitucionais. Nos estados, só o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, julgou, em 2010, 338 Adins questionando leis estaduais e municipais.

Da lei que institui o Dia do Motoboy no estado à que exige times femininos jogando nas preliminares das rodadas decisivas do campeonato estadual de futebol, 80% das leis que chegam para a sanção do governador Sérgio Cabral são consideradas inconstitucionais pela Procuradoria Geral do Estado. Especialistas estimam que esse percentual médio se repita em outros estados.

Muitas vezes, porém, o veto do governador à norma não resolve o problema. Se a Assembleia Legislativa cassa o veto, a questão acaba batendo à porta do Tribunal de Justiça do Rio. Algumas leis são folclóricas, como a que proíbe a abertura de lan houses a menos de um quilômetro das escolas. Outras são consideradas inconstitucionais mesmo a contragosto dos pareceristas, que reconhecem as boas intenções do legislador, mas são obrigados a fazer a correta interpretação da lei. Um dos casos é a lei que dispõe sobre a proibição de celulares e aparelhos de transmissão no interior das agências bancárias. O objetivo era o de coibir o crime da "saidinha de banco", mas a procuradoria alertou ao governador que a lei feria o direito fundamental à liberdade de comunicação.

Outro problema é a relevância do que é aprovado. Minas, em 2010, criou 560 leis que declaram a utilidade pública de alguma entidade (ONGs, associações etc.), o que equivale a cerca de 77% do total criado ano passado no estado. Já São Paulo, em 2010, criou pelo menos 145 leis de declaração de utilidade pública, e outras 180 que dão denominação a algum espaço público (rua, escola, viaduto); a soma dessas duas categorias dá cerca de 78% das leis criadas ano passado no estado - e a elas ainda se somam leis que criam datas comemorativas como a 14.153/2010, que institui o "Dia das Estrelas do Oriente" (em 31 de agosto), ou a 14.109/2010, que cria o "Dia da Joia Folheada" (toda última terça de agosto).

O jurista Hélio Bicudo acrescenta outro complicador para a qualidade da produção legislativa brasileira: a baixa autonomia do Legislativo, principalmente o federal:

- Essa tripartição de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), na prática, não vale nada. Quem dá a orientação sobre o que o Congresso vai votar ou não é o Executivo. É uma ditadura do Executivo.

Essa dominância do Executivo sobre o Legislativo, pelo menos na esfera federal, é apontada ainda por dados da cientista política Argelina Figueiredo, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Iesp) e coordenadora da área de política e sociedade do Cebrap:

- Só 15% dos projetos que viram lei no Congresso foram propostos pelos parlamentares; cerca de 85% são leis que vieram de projetos do Executivo. Os deputados dão entrada num número muito maior de proposições do que o Executivo, mas aprovam muito menos propostas próprias do que ele.

Deputado federal no seu décimo mandato, Miro Teixeira (PDT-RJ) acredita que, diante da possibilidade de declarar inconstitucional uma lei aprovada pelos parlamentares, o Judiciário é o único dos três poderes verdadeiramente independente, pois "pode interferir nos efeitos das deliberações do Executivo e do Legislativo". Miro reconhece que, muitas vezes, o Parlamento abre caminho para essa possibilidade ao votar e aprovar leis em conflito com a Constituição:

- Há uma enorme distância entre a organização constitucional e a prática do processo legislativo.



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SOB A REVOLUÇÃO DOS BICHOS


ZH 31 de agosto de 2014 | N° 17908


PERCIVAL PUGGINA*




Boa parte da fábula narrada por George Orwell em A Revolução dos Bichos transcorre durante o governo exercido por Bola de Neve e Napoleão, os dois porcos que comandam a revolução e assumem a direção de uma granja. Junto com eles, ascende um terceiro porco, dotado de extraordinária força de persuasão, o Garganta, encarregado da propaganda.

Nos últimos dias, dois fatos lançaram luzes fortíssimas sobre aspectos da realidade nacional, tornando impossível não extrair deles as devidas conclusões. São fatos que fazem lembrar o livro de Orwell e pensar se não estamos, há bom tempo, diga-se de passagem, sob uma revolução dos bichos, colocando a nação sobre quatro patas.

No sábado, dia 23, à noite, no sempre interessante programa Painel, da Globo News, William Waack recebeu três economistas para uma conversa sobre o sistema tributário nacional. Entre eles, o meu amigo Paulo Rabello de Castro, sempre brilhante, membro do Pensar+ e líder do Movimento Brasil Eficiente, organismo “que trabalha com propostas concretas para a simplificação fiscal e a gestão eficiente das despesas do governo no Brasil”. Lá pelas tantas, Paulo Rabello de Castro disparou: “Sabe por que o programa fiscal denominado ‘Simples’ tem esse nome? Porque o outro sistema é o Complicado”. Ou seja, o governo cria um programa simples porque ele sabe que adota um outro cuja complexidade onera o custo Brasil. E ninguém faz coisa alguma para simplificar o complicado! Bola de Neve resolveria melhor.

No domingo pela manhã, cai no meu Facebook texto do jornalista Alison Maia relatando conversa que manteve, em banco de delegacia, com um jovem de 14 anos detido por porte de arma. O que ouviu é de arrepiar até pelo de porco. Criado sem pai, por mãe problemática, em duas ocasiões procurou e encontrou emprego para poder se sustentar e estudar. Em ambas, seu patrão foi processado por contratar menor e ele teve que ir ganhar a vida nas ruas vendendo droga. O relato do jovem termina assim: “Então, seu Alison, guarde seus conselhos para esses safados em que vocês votam e acham que menor não pode trabalhar, mas pode roubar, matar e traficar”.

Não sei de qual espírito de porco saiu essa ideia de que o trabalho pode fazer mal a um adolescente e, por isso, o impede de usar parte do dia para trabalhar aprendendo algum ofício. Aprender a trabalhar também é se educar. Toda experiência humana, com infindáveis exemplos, ensina que trabalho adequado à idade, por tempo limitado, em condições de segurança, só faz bem a quem o exerce. É preciso diminuir a quota de Gargantas nos poderes da República.

*ESCRITOR

REJEIÇÃO À POLÍTICA


ZERO HORA 31 de agosto de 2014 | N° 17908


EDITORIAL INTERATIVO


Quando os políticos não convencem e os eleitores perdem a confiança em seus representantes, o risco é de que os ganhos fiquem com os oportunistas, pouco ou nada interessados no bem comum e na democracia.


Entre as razões que ajudam a explicar as bruscas mudanças registradas na campanha presidencial nos últimos dias, muitas podem ser atribuídas a uma má vontade acima da habitual por parte dos eleitores em relação aos políticos. O desinteresse, manifestado de forma mais clara a partir dos protestos de junho do ano passado, se mantém mesmo depois de os candidatos com mais chance de vitória na disputa pelo Planalto terem incorporado em seus slogans variações da palavra mudança. E ajuda a explicar o fato de o país ter chegado a meados de agosto de um ano eleitoral com um percentual recorde de indecisos. É importante que essa insatisfação possa levar a um aprimoramento e não a mais desgaste da política e da democracia.

O desinteresse que os brasileiros, de maneira geral, vêm demonstrando no cotidiano, é captado também por estatísticas. O primeiro debate eleitoral entre os presidenciáveis mais citados em pesquisas de opinião pública, por exemplo, alcançou a média de cinco pontos de audiência, bem distante da registrada no período pela emissora líder com sua programação normal, de acordo com o Ibope. No dia a dia, apenas 39% dos brasileiros vêm acompanhando o horário eleitoral obrigatório no rádio e na televisão, conforme a mais recente pesquisa CNT. Esse tipo de comportamento dá uma ideia da dificuldade de os candidatos em campanha transmitirem o seu recado a potenciais eleitores. Mas, acima de tudo, demonstra que os políticos não vêm conseguindo atender às reais demandas da sociedade, interessada principalmente em melhores serviços públicos.

Com poucas exceções, o desfile de candidatos nas ruas, nos meios de comunicação e nas redes sociais ajuda a reforçar essa impressão ao insistir em desgastadas fórmulas de marketing e de comportamento. Em São Paulo, o Estado mais avançado do país, um candidato a deputado federal pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) pede voto de turbante e barba comprida, anunciando: “Pode anotar aí: o Bin Laden vai ser o Tiririca desta eleição”. Entre outros candidatos com inspiração humorística ou bizarra por todo o país, há até quem se apresente como Dengue, Presidente THC, Jesus e Barack Obama, o que não combina com a postura esperada de um político.

Os excessos, somados à insistência de quem não desiste de pedir voto mesmo tendo ficha suja, demonstram a dificuldade de o país atrair o interesse dos cidadãos para a escolha consciente de seus governantes e representantes políticos, o que se constitui numa temeridade. Quando os políticos não convencem e os eleitores perdem a confiança em seus representantes, o risco é de que os ganhos fiquem com os oportunistas, pouco ou nada interessados no bem comum e na democracia.


Editorial publicado antecipadamente no site de Zero Hora, na quinta-feira, com links para Facebook e Twitter. Os comentários para a edição impressa foram selecionados até as 18h de sexta-feira. A questão: Você concorda que o desinteresse dos eleitores pode favorecer maus políticos?

O LEITOR CONCORDA

Com certeza! As pessoas estão começando a construir o que chamamos de consciência política, o que não havia antes. Há uns dez anos, poucos davam-se conta da importância do voto, de saber antecedentes de candidatos. Como podemos nos comparar aos EUA se temos apenas duas décadas de democracia em nosso país? Enquanto eles, desde que se conhecem como cidadãos, votam, estamos em uma fase de aprendizagem da prática cidadã de saber o que é realmente importante para a sociedade brasileira.

JOANA MIRANDA DA ROSA PORTO ALEGRE (RS)

A indecisão e o desinteresse dos brasileiros perante a atual gestão política do país são decorrentes dos abusos a que o Brasil vem sendo submetido, como os absurdos casos de corrupção, o colapso no sistema de saúde e o aumento da criminalidade. O desinteresse em relação à política, porém, não é a solução, visto que não podemos perder as esperanças de um Brasil com melhores condições de vida. Assim, o ideal é fazer uso consciente do direito ao voto. Nesse sentido, saber sobre as intenções de cada candidato e escolher aquele que condiz com os interesses de cada cidadão é a melhor saída para um país próspero e digno de se viver.

MELISE CHAGAS SANTA MARIA (RS)

Sim. Pode estar aí a razão de tantas insatisfações com políticos. O desinteresse pelo que fazem os partidos deixa o eleitor de fora da escolha dos que vão ser candidatos. Candidatos assim registrados precisarão dar-se a conhecer e tentar sensibilizar um eleitor alheio aos compromissos e, provavelmente, desinteressado nos mesmos objetivos.

JOSÉ SILVEIRA BRASÍLIA (DF)

VALDIR DOS SANTOS - Concordo e com convicção.

O LEITOR DISCORDA

Vejo muita gente culpando os eleitores, mas inúmeras vezes votamos conscientemente, acreditando nas promessas dos candidatos, e quando eles são eleitos trabalham apenas em benefício próprio. Além disso, muitas vezes na metade do mandato licenciam-se para concorrer a outros cargos. Como acreditar e como cobrar algo de quem só está disponível em período de eleições?

FERNANDA FREDDO CAXIAS DO SUL (RS)

DANIELA OLIVEIRA - Acho que os maus políticos é que favorecem o desinteresse dos eleitores!


Outros comentários de leitores sobre o editorial desta página estão em zerohora.com/opiniaozh

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

DINHEIRO PÚBLICO PAGA TV A CABO COM FUTEBOL E PORNÔ

ZERO HORA 29/08/2014 | 13h44

Com dinheiro público, deputados assinam TV a cabo com "combo" de futebol e canal pornô
Entre os parlamentares que assinaram o serviço, está o gaúcho Renato Molling, que afirmou que o valor será devolvido



Site Congresso Em Foco teve acesso à fatura de televisão a cabo do deputado gaúchoFoto: Reprodução


Pacote de TV a cabo, que dá direito a mais de cem canais e outros 34 itens opcionais — tudo, em alta definição. O "combo" se trata do serviço instalado no escritório político de um deputado gaúcho. Denúncia do site Congresso em Foco revelou que Renato Molling (PP-RS) também assinava o serviço de transmissão do futebol brasileiro e a "Sex Zone HD", área dedicada a atrações pornográficas. Tudo ao custo de R$ 299,60 pagos com dinheiro público.

O valor se enquadra na Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), medida que garante o pagamento de serviços ao exercício do mandato. A Zero Hora, Molling afirmou que determinou o cancelamento do pacote — que, segundo o deputado, havia sido contratado pela sua assessoria. Apesar de afirmar não recordar quando a assinatura foi feita, o parlamentar garantiu que o dinheiro será ressarcido aos cofres públicos.

— A Câmara ressarce o serviço. Neste ano, foi colocado o pacote de futebol por causa da Copa do Mundo, porque sou presidente da Comissão. Achei que não teria problema, mas já tomamos as providências, não vamos mais pedir o ressarcimento e vamos devolver o valor. Agora, o ressarcimento é totalmente legal — alegou o deputado.

O pacote de futebol, porém, exibe partidas não do Mundial, mas jogos das séries A e B do Brasileirão e o campeonato estadual. Na fatura do pacote de TV paga em nome do deputado do mês de julho deste ano, ainda consta a compra do filme Blue Jasmine, de Woody Allen. O ponto fica em Sapiranga, na Região Metropolitana, onde fica o escritório político. A respeito do pacote de conteúdo adulto, Molling afirmou que não tinha conhecimento do que constava no "combo" de canais.

Deputado Renato Molling (PP-RS)
Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados / Divulgação

— É um pontinho em cima de todo um trabalho que a gente faz — se defendeu o parlamentar, que ressaltou sua atuação na Comissão de Turismo.

O Congresso em Foco também teve acesso às faturas dos deputados Flaviano Melo (PMDB-AC) e José Airton (PT-CE). O pacote do acreano corresponde ao mais caro da companhia de TV paga, ao custo de R$ 422,35 por mês. Três campeonatos de futebol e canais de filmes adultos também estão incluídos. Ao site, Melo não soube responder quem contratou as atrações pornô, disse que ressarceria o valor e pediu desculpas pelos excessos.

Já o deputado cearense gastou R$ 383 em serviço de televisão paga, também com pacote opcional de futebol. Procurado pela reportagem, o parlamentar não foi localizado. O Ceap entrou em vigor em julho de 2009 e reuniu em uma só cota despesas como transporte aéreo, telefone e verba indenizatória. Conforme Congresso em Foco, a Câmara e o Senado analisam apenas a regularidade fiscal e contábil das prestações de contas dos parlamentares para autorizar o ressarcimento das despesas. Ou seja, se o serviço é contemplado — ou não.

UMA REVISÃO INDISPENSÁVEL

ZH 29 de agosto de 2014 | N° 17906


EDITORIAL



A possibilidade de recondução a cargos executivos favoreceu práticas eleitoreiras e não contribuiu para o aperfeiçoamento da democracia.


Encerrada a corrida eleitoral, o Congresso deve encarar uma questão tratada com certo desprezo pela maioria dos parlamentares. A proposta que acaba com a possibilidade de reeleição para cargos executivos, já aprovada por um grupo de trabalho da Câmara, é prioritária entre os temas incluídos no conjunto da reforma política. A experiência acumulada até aqui, desde a aprovação da emenda constitucional em 1997, permite concluir que o país não desfruta dos benefícios esperados da lei que assegura o direito do segundo mandato consecutivo ao presidente da República, a governadores e prefeitos. Há consenso, até mesmo entre os que ainda defendem a reeleição, em que a maioria dos políticos em cargos públicos executivos se preo-cupa, logo depois de assumir, com os esforços para continuar no poder por mais uma gestão. Para tanto, recorrem a todos os recursos ao seu alcance, o que significa acordos escusos, clientelismo e concessões puramente eleitoreiras.

Essa é, no entanto, apenas a consequência negativa mais visível da possibilidade de reeleição. Há os efeitos menos perceptíveis, decorrentes da luta pela permanência no cargo. São muitas as evidências de que um gestor preocupado em se manter onde está por longo tempo não consegue exercer plenamente suas funções, transfere responsabilidades a aliados sem habilitação e acaba por ignorar compromissos assumidos. Por isso é bem-vinda, no contexto do debate sobre mudanças na estrutura partidária e política, a contribuição da candidata à Presidência Marina Silva, do PSB, que transformou sua posição numa promessa pública de campanha. A candidata já declarou de forma categórica que abre mão da possibili- dade de reeleição.

É importante recordar que, pela Constituição de 1988, os mandatos executivos não podiam ser renovados de forma subsequente. A emenda de 1997 teve a intenção de oferecer aos brasileiros um recurso consagrado pelas democracias europeia e americana. O argumento que a sustentou foi o de que um governante dispõe de pouco tempo para aplicar planos e ideias e obter resultados. No caso brasileiro, com as exceções de sempre, o que se vê são exemplos recorrentes de administrações pouco eficientes, pelos motivos antes elencados. O Congresso tem o dever de retomar a discussão sobre a proposta que elimina a reeleição e estabelecer, se considerar relevantes, a ampliação dos mandatos únicos para cinco ou seis anos e a simultaneidade dos pleitos para funções executiva e legislativa em todos os níveis, federal, estadual e municipal. O que não pode é perpetuar um instrumento ineficaz para o aperfeiçoamento da democracia.



A DÍVIDA DO ESTADO




ZH 29 de agosto de 2014 | N° 17906


ANTONIO AUGUSTO DAVILA*



Hoje não há festas, mas as organizações políticas e empresariais apenas assistem à nova construção da dívida. De fato, apesar de a CF (art. 167, III) e a LRF (art. 12, § 2º) proibirem o uso de operações de crédito para cobrir gastos de custeio, isso é confessado pública e oficialmente (Proposta do Orçamento de 2014, mensagem do governo, pág. 43) e a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas, simplesmente, fecham os olhos.

Mais grave, a atitude frente às operações de crédito realizadas com saques de mais de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais que, à evidência, não são receitas próprias e algum dia deverão ser devolvidos. Sim, são operações de crédito e, por serem irregulares, não deixam de ser, dê-se o nome que se quiser. Em outros termos, o Estado já superou em muito os limites de endividamento estabelecidos pelo Senado Federal.

E mais, todos os atores acima – do TCE ao Senado – sabem que a autorização da Assembleia não é suficiente, toda e qualquer operação de crédito precisa da autorização do Senado Federal (com auxílio técnico da STN – Secretaria do Tesouro Nacional) e o governo do Estado não a tem. Aliás, a STN é implacável com operações de crédito irregulares feitas por pequenos municípios, mesmo que autorizados por suas Câmaras. Tal a gravidade dessa prática, que a Lei nº 1.079/1950 (art. 11, inciso 3) a tipifica como crime de responsabilidade: “Contrair empréstimo... ou efetuar operação de crédito sem autorização legal”.

*Economista

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

CRIMINALIDADE E CLIENTELISMO NAS ELEIÇÕES



Eleitores de renda mais baixa são controlados pelo tráfico ou milícia, enquanto políticos demagogos compram votos com presentes e serviços que o Estado pode prestar


O GLOBO EDITORIAL
27/08/2014 0:00




A campanha eleitoral no Rio de Janeiro tem sido farta em exemplos deploráveis de como a criminalidade e o clientelismo atuam para condicionar o voto de grande parcela da população, aquela de renda mais baixa e condições de vida em geral insatisfatórias. Por meio do assistencialismo, comunidades são comandadas por quadrilhas, de traficantes ou de milicianos, assim como políticos compram votos em troca de vários tipos de benesses, e muito provavelmente negociam o acesso a esses "currais" com a criminalidade. Clientelismo e banditismo costumam andar juntos.

A Secretaria de Segurança entregou à Justiça Eleitoral relatório sobre 41 áreas do território fluminense em que o tráfico (25) e a milícia (16) dificultam a campanha. Mesmo em regiões com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), como Rocinha e Alemão, outro sinal de que a nova política de segurança ainda não se firmou nessas comunidades. O assistencialismo tem longa tradição no Grande Rio e no resto do estado. Ele é praticado geralmente por meio de “centros sociais” em que políticos substituem o Estado na prestação de vários serviços: médicos, odontológicos, educacionais, entre outros. Por óbvio, não interessa a estes políticos demagógicos que o SUS e a escola pública venham a melhorar de qualidade. Eles vivem da falência do Estado.

Nas últimas campanhas, a Justiça Eleitoral tem criado forças-tarefa, inclusive com a participação de policiais, para reprimir esses centros. Mas, passam as eleições, e eles reabrem as portas.

Caso emblemático, revelado pelo GLOBO no domingo, é o complexo de entidades de prestação de assistência social mantido por Anthony Garotinho (PR) em Campos, cuja prefeita é a mulher, Rosinha, ambos ex-governadores, e Anthony, mais uma vez, candidato ao Palácio Guanabara. Pois o casal de políticos distribui no Norte Fluminense e no Rio enxovais para recém-nascidos. Clientelismo clássico. A Justiça lacrou, segunda, uma dessas instituições, em Campos.

O clientelismo é multipartidário. No Rio, cartazes dos irmãos Rafael e Leonardo Picciani, candidatos a deputado estadual e à reeleição a deputado federal, pelo PMDB, ornamentam o Conjunto Pedregulho, não por acaso reformado pelo governo peemedebista do estado. E não há também qualquer coincidência no fato de a Secretaria de Habitação, responsável pelas obras, ter sido dirigida pelos dois. São filhos de Jorge Picciani, também candidato, homem forte no peemedebismo fluminense, ligado a Sérgio Cabral e a Pezão, vice de Cabral e que tenta ficar no Palácio Guanabara.

O mesmo acontece no âmbito da prefeitura, com Pedro Paulo, muito próximo a Eduardo Paes, e candidato à reeleição para a Câmara federal, também pelo PMDB. Material de propaganda seu pode ser visto no subúrbio em áreas que passarão por obras municipais.

É assim que a banda do clientelismo toca. Não há alternativa, a não ser trabalhar pela melhoria na qualidade da representação política.



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BRASIL: UM PAÍS DE OPORTUNIDADES?


JORNAL DO COMÉRCIO 28/08/2014


Gabrielle Brust




Há algumas décadas, o senso comum dos brasileiros aponta que o Brasil é o país do futuro e das oportunidades. Entretanto, grande parte da população vive insatisfeita e desacreditada, basta ver os protestos que ganharam as ruas em junho de 2013, assim como o desânimo e a apatia que paira no semblante das pessoas neste período de pré-eleições. Embora insatisfeitos, os cidadãos assumem posições críticas e resumem sua atitude em reclamar, afinal, é mais fácil transferir a responsabilidade para os “outros”: empresários e governos.

Na primeira semana de agosto de 2014, identificaram-se mais de 23 mil vagas abertas em concursos públicos. Essas oportunidades estão disponíveis à toda população e podem ser o caminho para gerar mudanças verdadeiras para o futuro do País, pois percebe-se no perfil dos candidatos um comportamento empreendedor reconhecido através das seguintes competências comportamentais desenvolvidas ao longo de suas jornadas de estudo – planejamento, persistência, resiliência, humildade, inteligência emocional, disciplina e responsabilidade financeira.

Empreendedores, por sua natureza, encaram dificuldades como oportunidades para crescer. O Brasil é um dos países com maior número de empreendedores, e considerando que ousar iniciar negócio próprio é uma questão de atitude, esses jovens aspirantes às oportunidades de trabalho no governo podem ser reconhecidos como “empreendedores públicos”, portanto, uma grande mudança pode ocorrer com essas vagas sendo preenchidas por mentes acostumadas com ferramentas e práticas contemporâneas de administração como metas, planejamento e remuneração variável por rendimento. Por que não podemos, também, cogitar a possibilidade de coibir a corrupção no governo? Uma máquina pública operada com planejamento, gestão, foco e corpo funcional qualificado pode ser uma alternativa plausível para corrigir muitos problemas em nosso País.


Empresária e associada do IEE

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A FUNÇÃO DO ESTADO E A ACOMODAÇÃO DO POVO



JORNAL DO COMERCIO 27/08/2014


Roberto Axelrud



Por que e para que existe o Estado? Desde o surgimento da história, os homens entregaram sua liberdade em troca de proteção. Os chefes de Estado, através de diversos mecanismos de poder, intervêm na liberdade individual das pessoas e na razoabilidade democrática como forma de ser uma espécie de pai protetor da sociedade. Historicamente, na medida em que as civilizações vão se expandido, a tirania acaba por aumentar a sua capacidade de exploração. Isto, cada vez mais, preocupa aqueles que são defensores da liberdade e da verdadeira democracia.

No Brasil, por exemplo, observamos uma forte intervenção por parte do governo federal em diversos aspectos socioeconômicos e políticos. A Caixa Econômica Federal (CEF), controlada, obviamente, pelo governo, registrou o ápice de sua inadimplência em 2014. A política expansionista de crédito, adotada pelo PT durante os últimos anos, parece ter permitido, momentaneamente, melhores condições de vida para as classes mais simples, especialmente nos setores de consumo, automobilístico e imobiliário. Porém, a alta inadimplência demonstra que o endividamento das famílias tem superado a sua capacidade de pagamento, o que é possível ser inferido ao analisarmos o balanço da própria Caixa. Agora, se as famílias estão sentindo, no final do mês, a dificuldade em honrar os seus compromissos, por que seguem acreditando nas promessas realizadas pelo governo? Que outros caminhos, ainda mais árduos, teremos de vivenciar para que a população tenha ciência de que um estado intervencionista e paternalista não é a melhor opção? O povo, especialmente o brasileiro, precisa resgatar o que é seu de direito e por natureza, ou seja, a sua liberdade. Somente quando o homem estiver disposto a lutar pelo direito de ser dono de sua própria vida é que teremos uma verdadeira chance de mudarmos o rumo do País.

Empresário e associado do IEE

terça-feira, 26 de agosto de 2014

VEREADOR É PRESO SUSPEITO DE FICAR COM PARTE DE SALÁRIOS DE ASSESSORES

TV GLOBO. BOM DIA BRASIL, Edição do dia 26/08/2014


Durante a operação, o Bom Dia Brasil mostrou a Celso Jancke trechos de conversa entre ele e um ex-funcionário em cargo de comissão.




Uma denúncia de corrupção em Canoas, cidade que fica na região metropolitana de Porto Alegre. Um vereador foi preso e outros dois são suspeitos de embolsar parte do salário dos assessores.

E não é só isso. A polícia descobriu que os funcionários eram coagidos a tomar empréstimos, antes de assumir o cargo, para pagar adiantado aos vereadores.

Os corredores da Câmara Municipal de Canoas foram tomados por policiais e promotores que buscavam documentos nos gabinetes de três vereadores: Francisco da Mensagem, do PSB, Doutor Pompeo, do PTB, e Celso Jancke, do PP. Eles são suspeitos de ficar com até metade dos salários dos assessores.

Durante a operação, o Bom Dia Brasil mostrou a Jancke os trechos de uma conversa a que a equipe teve acesso, entre ele e um ex-funcionário em cargo de comissão.

“Eu vou fazer com todos. 50%. Todos. Vamos supor, o liquido deu R$ 8 mil... R$ 4 mil. É isso, sabe? O liquido deu R$ 5 mil... R$ 2,5 mil. Décimo (terceiro), um terço das férias, tudo. Por isso eu pedi pra que tu imprimisse o contracheque e trouxesse para mim dar uma olhada”, disse Celso Jancke, vereador pelo PP, na gravação.

Bom Dia Brasil: O que o senhor quer dizer com isso?
Celso Jancke: Só vou declarar na Justiça.
Bom Dia Brasil: O senhor exige parte do salário dos assessores?
Celso Jancke: Não. Só declaro na Justiça.

Logo em seguida, o vereador recebeu voz de prisão. Os pagamentos foram comprovados através de quebra de sigilo bancário.

A Promotoria também descobriu que os assessores eram coagidos a fazer dívidas para pagar os políticos de uma vez só pelos quatros anos de trabalho. “O servidor comissionado era obrigado a contrair um empréstimo, repassava à vista esse valor para o vereador e ficava vinculado ao pagamento desse empréstimo durante todo o mandato”, diz Flávio Duarte, promotor de Justiça.

Foi o que aconteceu com um ex-assessor. Ele tinha um cargo com salário de R$ 10 mil e fez um empréstimo em folha para pagar o vereador. Mas foi demitido e agora ficou com uma dívida no banco de mais de R$ 50 mil.

“Agora, estou com esse empréstimo na minha conta e não sei como é que vou pagar. Eu adquiri depressão, síndrome do pânico”, diz o ex-assessor.

Para o promotor, o que acontecia com os funcionários nesses gabinetes pode ser comparado ao regime de escravidão. “Além da concussão que é a exigência de parte do salário e da lavagem de dinheiro, que foi constatada também durante a investigação, a situação peculiar do empréstimo deixa esse servidor quase na condição análoga a escravo, porque ele não pode deixar de trabalhar, não pode denunciar irregularidade. Ele fica quase que vinculado durante todo mandato ao vereador”, afirma Flávio Duarte.

Os vereadores Francisco da Mensagem e Doutor Pompeo não quiseram comentar o caso. Na noite desta segunda-feira também foram presos o ex-chefe de gabinete do vereador Doutor Pompeu, Cleber da Silva Britto, e Claudio Roberto Saldanha. Eles foram presos por porte ilegal de armas e são suspeitos de recolher o dinheiro dos funcionários para entregar aos parlamentares.

QUANDO TUDO É PRIORIDADE, NADA É PRIORIDADE



JORNAL DO COMERCIO 26/08/2014


EDITORIAL


Se fosse possível criar um aplicativo com soluções viáveis para o Estado e o País, estaríamos salvos. Na propaganda política, nota-se uma tendência a priorizar o que o povo, especialmente a partir de junho de 2013, pediu nas ruas: educação, saúde, segurança e transporte público de qualidade. Porém, em um Brasil em que as demandas se acumulam por décadas e os críticos de tal situação fazem o que alguns do governo classifiquem como “terrorismo psicológico”, as demandas continuam altas. Tão altas que são chamadas de prioridades. A questão é que, no País, são tantas as prioridades, em uma ofensa à própria etimologia da palavra, que nada acaba sendo prioridade, no exato sentido do termo. É verdade que todos os governos, por mais dificuldades que tenham de reconhecer, se constroem sobre avanços realizados na vigência de administrações anteriores. Nos 20 anos do Plano Real, festejamos o avanço que ele trouxe ao País. Aliás, alguns que navegaram nas ondas do sucesso, após tentativas e planos anteriores fracassados, com uma herança que, hoje, pode custar alguns bilhões ao Tesouro, criticaram, à época, o “plano demagógico e eleitoreiro”. Evidentemente que o governo que sucedeu a Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez avanços, aprimorou a inclusão social, mas também andou em círculos e batendo nas mesmas teclas para uma música que, agora, parece bastante desafinada. Como a economia é companheira inseparável da probidade, deve-se economizar em todos os níveis da administração pública, algo fácil de falar, porém difícil de aplicar, quando há tantas “prioridades”.

Não se pode demonizar governos eleitos nem colocá-los como culpados por tantos problemas que vêm se acumulando há décadas. É que qualquer governo tem sua cota de acertos e erros. Por isso, é fundamental buscar as convergências possíveis para conferir sentido ao caminho a seguir no futuro, com boa-fé, e recusar rotulagens, como afirmou o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Importante é que os avanços do passado devem ser preservados, principalmente, a chamada inflação civilizada que temos há cerca de 20 anos, bem como o reestabelecimento da relação do Brasil com a comunidade internacional.

Pontos fundamentais da estabilidade econômico-financeira do País são 20 anos do regime de metas de inflação, a autonomia do Banco Central com o câmbio flutuante e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também as privatizações, agora chamadas de concessões, antes tão criticadas, finalmente foram retomadas pelo governo atual e ao final do anterior, o que é bom.

Assim mesmo, há no Brasil uma ideia que as demandas, tanto as sociais como por infraestrutura, são tidas, todas, como intensivas ao Estado. Por isso, esse “precisa” tributar, se endividar, e, aí, criticam-se ex-ministros da Fazenda e do Banco Central. Em decorrência, o gasto público é muito alto e com composição precária em relação ao consumo e ao investimento. Os governos devem identificar quais passos podem ajudar a construir os subsequentes na solução dos problemas de Porto Alegre, do Estado e do Brasil, pois há certa urgência. Afinal e repetindo, em uma nação em que tudo é prioritário, nada acaba sendo mesmo prioritário.

CANDIDATOS, ELEITORES, MANHAS E ARTIMANHAS


ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903


ARI RIBOLDI



Candidato é termo vindo do latim “candidus”, branco como a neve, alvo, brilhante, particípio passado do verbo “candere”, o que foi vestido de branco. Na antiga Roma, o candidato a um cargo eletivo fazia campanha vestido com uma toga branca, o que simbolizava a sua idoneidade, pureza e honradez. Na cultura ocidental e no meio religioso cristão, a cor branca representa a pureza, a virgindade. Em decorrência disso, o hábito de usar vestes brancas, por parte das crianças, no batizado, e por parte das noivas, na cerimônia religiosa de casamento.Em meio a mais uma campanha eleitoral, conheça algumas táticas de candidatos para conquistar a simpatia e o voto do eleitorado: aparecer ao lado da esposa e dos filhos, símbolo do bom marido e pai e do cultivo dos valores tradicionais; com criancinhas no colo, demonstração de sensibilidade; em igrejas, respeito aos credos; abraçar pessoas de outras raças, ausência de preconceito; em mangas de camisa, expressão de trabalho e iniciativa; com atores, jornalistas, escritores, intelectuais, estímulo às atividades culturais e artísticas; em festas de gente pobre ou no meio de operários, expressão de humildade e simplicidade; com roupa a rigor ao lado de altas autoridades, capacidade de influência e prestígio pessoal; ao lado de pessoas de baixa condição social e esteticamente feias, manifestação de tolerância; em transporte coletivo, no meio do povo, demonstração de simplicidade.

Não quero dizer que todas são artimanhas e manhas falsas para ludibriar a boa-fé do eleitor. É preciso tomar pé, interessar-se, saber sobre o presente e o passado dos candidatos. Enfim, verificar se os discursos e programas são coerentes, ou seja, se correspondem à prática de suas ações diárias, ao seu exemplo de vida. Vale a pena acompanhar e conferir os atos de quem nos representa. Nós também temos nossa parcela de responsabilidade sobre a sua atuação. Eleger, do latim “eligere”, escolher o melhor. O eleitor, portanto, tem o dever de votar e de valorizar a sua escolha, como um ato de cidadania, e de fiscalizar a conduta dos eleitos a quem delegou, no processo democrático, a responsabilidade de representá-lo. Essa é uma boa prática política e sinal de amadurecimento democrático.

*Professor e escritor

MUDANÇA DE DISCURSO



ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903


EDITORIAL





Como ressaltou a presidente, “não se pode confundir as pessoas com as instituições”. A Petrobras, alegou, é muito maior do que qualquer agente dela, seja diretor ou não, que cometa equívocos e crimes. Se alguém for julgado e condenado, isso não significaria, portanto, uma condenação da empresa. Daí a importância de que haja o máximo de transparência nas investigações envolvendo o mau uso de uma estatal que se constitui em motivo de orgulho para os brasileiros.

Na última semana, a Polícia Federal deflagrou a quinta fase da Operação Lava- Jato, que apura suspeitas de um esquema de lavagem de bilhões de reais na estatal. E caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) a decisão final sobre a iniciativa de dirigentes da corporação, incluindo a presidente Graça Foster, de transferir patrimônio particular a familiares numa tentativa de evitar seu bloqueio por conta de equívocos na aquisição de Pasadena. Ainda que possa ter amparo legal, a doação de imóveis particulares dos gestores reforça de forma inequívoca quais são as suas reais prioridades.

A importância da Petrobras para os brasileiros está acima dos interesses de quem se valeu da política para assumir sua gestão e precisa, assim, responder por eventuais erros cometidos. É por isso que a presidente opta corretamente ao privilegiar a defesa da empresa, não a de quem a submete a equívocos de gestão ou a vê como trampolim para ganhos pessoais.




VEREADORES SUSPEITOS DE EXTORSÃO

ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903


Vereadores suspeitos de extorsão em Canoas




Três vereadores de Canoas são suspeitos de extorquir parte do salário de assessores e um deles foi preso temporariamente, ontem. De acordo com o Ministério Público (MP), funcionários em cargo de confiança (CC) ainda eram obrigados a tomar empréstimos e entregar dinheiro a um dos políticos.

A operação foi deflagrada pela Promotoria Especializada Criminal, com o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão e um de prisão temporária, do vereador Celso Jancke (PP), suspeito dos crimes de lavagem de dinheiro e concussão (extorsão praticada por servidor público). Jancke disse que só pretende falar em juízo.

Os vereadores José Francisco Nunes, o Francisco da Mensagem (PSB), e Doutor Pompeo (PTB) também estariam exigindo parte do salário de seus CCs. Francisco nega participação:

– Ainda não tive acesso às acusações, não sei de onde isso veio.

ZH telefonou para Dr. Pompeu, mas o vereador não atendeu nem retornou a ligação até as 23h de ontem. As investigações apuram ainda a existência de funcionários fantasmas, cujo salário ficaria para os vereadores, e o crime de lavagem de dinheiro, em razão de depósitos dos repasses terem sido feitos nas contas de familiares dos suspeitos. O MP estima que mais de 10 funcionários estariam envolvidos.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O BLÁ-BLÁ-BLÁ DA MUDANÇA




O ESTADO DE S.PAULO 24 Agosto 2014 | 02h 04


GAUDÊNCIO TORQUATO -


A palhaçada chama a atenção pela estética escatológica. Tiririca, de peruca e vestido de branco, parodiando o cantor Roberto Carlos na propaganda do grupo que lidera o processamento de carnes no mundo, espeta bifões, entremeando risadas incontroláveis (e sem nenhum nexo) com estrambótica versão da música O Portão, interpretada pelo Rei: "Eu votei, de novo vou votar, Brasília é o seu lugar". Em 2010, o deputado açambarcou 1,3 milhão de votos embalado por um jingle em que prometia: "Vote no Tiririca, pior do que tá não fica". O profeta acertou na mosca. O quadro político pouco mudou, reformas tão clamadas e prometidas ficaram ao léu e Brasília continuará a ser lugar aprazível para o ex-palhaço, que continua a brincar de circo.

Imutável também é a feição da campanha eleitoral. O desfile de caras e bocas que se viu na TV neste início de programação eleitoral comprova que a mudança política é uma quimera, a confirmar a ironia do axioma francês plus ça change, plus c'est la même chose (quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem a mesma coisa).

Da promessa à ação, muita embromação. Essa é a imagem da prática política no País. Quem se lembra da primeira palavra pronunciada pelo presidente Lula em 1.º de janeiro de 2003, quando tomou posse? "Mudança: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente, venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos." Que slogans cobrem as promessas dos três principais candidatos na campanha deste ano? Dilma Rousseff prega "mais mudança, mais futuro". Aécio Neves resgatou o "muda, Brasil" usado pelo avô Tancredo há 30 anos, saudando ainda os eleitores com um "bem-vindo à mudança". Já o PSB trabalhará com o slogan de Eduardo Campos, muito repetido nestes últimos dias: "Coragem para mudar o Brasil". Qual a razão para pôr a mudança no altar mais alto das promessas? Por ser esse o sentimento nacional. As pesquisas detectam que 67% das pessoas reivindicam que o próximo presidente adote ações diferentes da atual administração.

O clima das ruas, fervente desde as manifestações de junho de 2013, aponta para uma reviravolta nos padrões da gestão, implicando melhoria dos serviços públicos, com destaque para mobilidade urbana, saúde, educação e segurança. Nas entrelinhas enxergam-se um veto à mesmice, a condenação das práticas eleitorais (as mesmas que se apresentam na campanha em curso), a inapetência da representação política em promover a planilha de reformas, um basta aos escândalos que flagram atores políticos nos mais diversos palcos da corrupção. Por que tais avanços não se concretizam? A resposta tem que ver com falta de vontade de mudar, receio dos participantes de que mudar as regras do jogo possa significar prejuízo para seus patrimônios eleitorais, além da desarmonia entre os Poderes. Quando um não quer, a coisa não vai.

Há duas formas de fazer mudanças: de forma rápida, completa, chegando a romper valores e alterar a ordem das instituições políticas; ou desenvolvê-las de maneira limitada, em tempo moderado e com razoável consenso. Seria inviável promover um programa mudancista na base do "pé na porta", adotando a estratégia Blitzkrieg. O modus faciendi possível seria a abordagem paulatina, pontual, ramificada, fabiana. Essa é a modalidade para o nosso meio, mesmo que possa agradar a uns e desagradar a outros, conforme explica o cientista social Albert Hirschman: "Uma reforma é uma mudança em que o poder de grupos até então privilegiados é reduzido e a posição econômica e o status social de desprivilegiados são consequentemente melhorados". Ora, os habitantes do andar de cima temem perder privilégios, sobrando para os do andar de baixo a expectativa pelo dia em que a mesa deles será mais farta.

Há condições de promover algum avanço no próximo governo e na nova legislatura que se abrirá em 2015? Sem dúvida, caso exista razoável dose de consenso entre os entes. Mas, como é sabido, nos últimos tempos tem se acirrado o conflito de interesses entre o Executivo e o Legislativo.

O pressuposto para alcançar progresso em qualquer frente reformista - política, econômica, tributária/fiscal, previdenciária, trabalhista - é a concordância desse dois Poderes. Apesar de esporádicas inclinações a votar contrariamente aos interesses do Palácio do Planalto, principalmente em anos eleitorais, os parlamentares tendem a seguir a orientação do governante, que se ampara num presidencialismo de índole imperial. O primeiro ano do Executivo e também o primeiro da legislatura, pela força que seus mandatários juntam no processo eleitoral, são os mais indicados para realizar o intento. Dentro dessa moldura, como se apresentam os perfis dos principais candidatos?

A presidente Dilma, pelo que se sabe e tendo em vista a crise que já faz estragos na economia, terá como foco os campos da inflação e do emprego, sinalizando, assim, mudança de comandantes e gestores nesses bastiões. Fará os ajustes necessários para preencher os buracos na teia social, enquanto imporá controles mais rígidos para acompanhar os cronogramas do defasado Programa de Aceleração do Crescimento, uma das pernas capengas do governo.

O tucano Aécio, ao atacar que o cerne dos problemas nacionais é o próprio governo, deixa antever mexida profunda na gestão, a começar do enxugamento da máquina, além da adoção de uma política econômica mais liberal.

E de Marina Silva o que se pode esperar, caso ganhe, é tensão, na esteira de uma visão que exclui a possibilidade de governar com a velha política. (Curiosidade: um dos comandantes da campanha do PSB em Pernambuco é o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira, que mais parece contraponto à mudança.) Teria ela lastro parlamentar? Pouco provável.

E que se pode esperar do Congresso? Ora, se puser na agenda e votar a reforma política, o feito já será de bom tamanho.



*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político. Twitter: @Gaudtorquato

LIBERDADE PARA OPINAR


O ESTADO DE S.PAULO 25 Agosto 2014 | 02h 03


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou um pedido da coligação "Com a Força do Povo", da candidata Dilma Rousseff à reeleição presidencial, que punha em risco a liberdade de expressão no País. O PT e seus aliados queriam que a divulgação da opinião de uma consultoria econômica na internet fosse considerada como prática de propaganda eleitoral irregular. A maioria dos ministros do TSE entendeu, no entanto, que não fere a legislação eleitoral publicar e divulgar opiniões sobre os candidatos, e julgou improcedente a representação. Prevaleceu, assim, a possibilidade de que as eleições sejam de fato ocasião para um debate livre de ideias.

A empresa Empiricus Consultoria & Negócios havia publicado na internet um parecer sobre possíveis cenários econômicos decorrentes do resultado das próximas eleições presidenciais. Para divulgar o seu trabalho, a empresa utilizou os serviços de links patrocinados do Google (Google Ads), com as seguintes chamadas: "Como se proteger da Dilma: saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma, já" e "E se o Aécio Neves ganhar? Que ações devem subir se o Aécio ganhar a eleição? Descubra aqui, já". O PT não gostou e entrou, juntamente com seus partidos aliados, com uma representação no TSE para que fossem aplicadas ao caso as sanções previstas em lei para propaganda eleitoral irregular.

Em fins de julho, o relator do processo no TSE, ministro Admar Gonzaga, concedeu uma liminar favorável ao PT. O Google foi obrigado a retirar os anúncios e a empresa Empiricus foi proibida "de exibir novos anúncios com referências positivas ou negativas aos candidatos em disputa no pleito presidencial de 2014". Conforme escreveu o relator na decisão liminar, "parece-me claro o excesso cometido com as expressões utilizadas nos anúncios postados". Para Gonzaga, a "ocorrência de propaganda eleitoral paga" se comprovaria pelo fato de o texto, mencionando as próximas eleições, emitir juízos de valor sobre dois candidatos ao pleito presidencial.

No julgamento do caso pelo plenário do TSE, o ministro Gonzaga manteve a sua posição e propôs que a empresa fosse multada em R$ 15 mil, pois, em sua opinião, havia desrespeitado a Lei Eleitoral. Seu voto, no entanto, foi derrotado.

O ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a discordar do relator. Segundo Mendes, trata-se de um caso em que a liberdade de expressão está em jogo e não se pode pretender que "a Justiça Eleitoral, agora, se transforme em editor de consultoria". O ministro Luiz Fux acompanhou o voto de Mendes, bem como o presidente do TSE, Dias Toffoli, e os ministros João Otávio de Noronha e Luciana Lóssio. A ministra Laurita Vaz votou com o relator.

A decisão do TSE tem duas importantes consequências. Rejeitou-se a concepção, defendida pelo PT na representação, de que um conteúdo opinativo, simplesmente por ter juízos de valor num contexto eleitoral, seja considerado propaganda. Com independência dos efeitos eleitorais que as opiniões possam ter, há liberdade para expressá-las. Uma opinião ter "viés eleitoral" - seja lá o que isso significa - não muda o seu caráter de opinião nem muito menos tira a legitimidade para expressá-la.

Em segundo lugar, preservou-se o direito de divulgar as opiniões. Para um ambiente de liberdade, não basta a possibilidade de expressar opiniões - deve ser possível divulgá-las. Caso contrário, ter-se-ia uma reduzida liberdade de expressão: pode-se emitir opinião, mas apenas entre os seus conhecidos. O fato de investir dinheiro na sua divulgação - como foi o caso da consultoria Empiricus ao pagar ao Google pelos anúncios - não transforma uma opinião em propaganda. Segundo o TSE, opinião divulgada não é sinônimo de propaganda eleitoral paga.

As regras eleitorais devem ser uma proteção para o debate de ideias, e não o contrário. Se o PT entende que a avaliação da consultoria é equivocada, deve responder no mesmo âmbito: com fatos, com argumentos, com ideias. Mas não com a interpretação enviesada da lei. Numa democracia, quem decide sobre as ideias não é o Poder Judiciário. É o voto.

CANDIDATOS A GOVERNOS TÊM 327 PROCESSOS

O ESTADO DE S.PAULO 25 Agosto 2014 | 02h 04


DANIEL BRAMATTI, VALMAR HUPSEL E RICARDO BRANDT


Dos 165 interessados em comandar o Executivo de 26 Estados e do DF, 63 são alvo de ações na Justiça ou em Tribunais de Contas


Quatro em cada dez candidatos a governador em todo o País são alvo de processos na Justiça ou em Tribunais de Contas. No total, 63 participantes das corridas eleitorais nos Estados respondem por 327 ocorrências, sendo que 46 já foram condenados - 10 deles em Tribunais de Justiça, por improbidade administrativa e outras irregularidades.

Os números foram levantados pelo projeto Quem Quer Virar Excelência, da Transparência Brasil. A organização, cuja principal bandeira é o combate à corrupção, pesquisou em mais de 120 fontes ocorrências na Justiça de todos os candidatos à Presidência e aos governos estaduais. O "pente-fino" atingiu ainda todos os que concorrem a uma vaga no Senado e na Câmara dos Deputados pelo Paraná. Os dados estão publicados no site da entidade.

Dos processados, mais da metade (36) respondem na Justiça por irregularidades referentes ao exercício de função pública. São 249 os processos que se enquadram nessa caracterização, dos quais 170 por improbidade administrativa e/ou dano ao erário.

Na definição legal, atos de improbidade administrativa envolvem condutas consideradas inadequadas ao exercício da função pública e podem ser alvo de punição se houver enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios da administração pública.

Regras. Os processados não estão, necessariamente, envolvidos em irregularidades - eles podem ser declarados inocentes na etapa do julgamento. Mesmo os condenados, por razões diversas, escapam de restrições impostas na Lei da Ficha Limpa - tecnicamente, portanto, não podem ser considerados "fichas sujas".

Uma exceção é o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PR). Ele foi declarado "ficha suja" pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas sua defesa recorreu e aguarda julgamento em segunda instância.

Arruda é um dos quatro candidatos a governador que já ocuparam o cargo no passado e foram cassados. Ele perdeu o mandato por infidelidade partidária, em um desdobramento do escândalo em que se envolveu ao ser filmado recebendo dinheiro, no caso que ficou conhecido como "Mensalão do DEM", legenda na qual se abrigava, na época.

Cassio Cunha Lima (PSDB), que tenta voltar a comandar o governo da Paraíba, foi cassado quando ocupava o cargo, em 2009. Ele foi acusado de comprar votos ao distribuir cheques à população como parte de um suposto programa assistencial.

Mão Santa (PSC), candidato no Piauí, foi cassado em 2001, acusado de abuso de poder econômico. O quarto cassado é Marcelo Miranda (PMDB), candidato em Tocantins, que perdeu o cargo de governador em 2009 por compra de votos e abuso de poder econômico. Todos os quatro são alvo de outros processos na Justiça.


Recordista, de MT, concentra 36% das ações


O recordista de processos nas eleições para governador é José Geraldo Riva (PSD), de Mato Grosso. Ele é alvo de 117 procedimentos, o equivalente a quase 36% das ações que correm contra candidatos em todo o País, considerando-se os tribunais de Justiça, os de Contas e os Eleitorais.

Por causa de condenações já sofridas, o Tribunal Regional Eleitoral não considerou Riva apto a concorrer, mas ele recorreu e, até a decisão final, poderá fazer campanha. "Tenho certeza de que vamos derrubar (a decisão) no julgamento técnico do Tribunal Superior Eleitoral", disse ele ao Estado. "Nem faço questão de me eleger. O mais importante é mostrar que sou inocente."

Riva argumenta que não está enquadrado na Lei da Ficha Limpa porque em suas condenações não está configurado que houve, cumulativamente, dolo, enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário. "Quem conhece minha história sabe que não tem nada a ver", disse.

O candidato foi processado, entre outras irregularidades, por um escândalo de desvio de recursos ocorrido quando ocupava a presidência da Assembleia Legislativa do Mato Grosso. Ele foi acusado de desviar

R$ 2,9 milhões por meio de falsos empréstimos bancários. Parte desse valor era movimentado em empresas de João Arcanjo Ribeiro, conhecido como Comendador Arcanjo, acusado de comandar uma organização criminosa com ramificações no Executivo e no Legislativo do Estado.

Riva e outro parlamentar, na época, foram acusados de movimentar, entre 1998 e 2001, R$ 65 milhões das contas da Assembleia, que foram parar em empresas de Arcanjo.

Segundo sustentou o Ministério Público, os dois então deputados faziam falsos empréstimos no Banco ABN Amro Real em nome de funcionários da Assembleia. A ação diz que o dinheiro ficava com os dois, que usavam cheques da Casa para pagar as dívidas com o banco. Além disso, segundo os promotores, as empresas de Arcanjo eram usadas para transformar em dinheiro vivo os cheques emitidos irregularmente pela Assembleia.

GRADES DA EXCLUSÃO


JORNAL DO COMÉRCIO 25/08/2014


Léo Ustárroz



Poucos anos atrás, tentava-se impedir o acesso e uso como moradia das pontes da Avenida Ipiranga. Já, nestes dias, noticia-se a instalação de grades e estruturas em prédios particulares visando à proteção de seus habitantes contra os chamados moradores de rua. Os motivos que nos levam a evitar essas pessoas não são subjetivos, tampouco irrelevantes. De fato, em face da pobreza desses moradores de rua, pode haver mau cheiro e acúmulo de sujeira onde se estabelecem. Somado ao crescente medo que nos provoca a violência e a insegurança urbana, parecem estar justificadas as ações de segregação que, ao alcance de nossa mão, nos oferecem um alívio imediato.

Ao ler tais notícias, recordo o pensador francês Anatole France, que, no início do século passado, em inflamado discurso contra a decisão do fechamento das pontes de Paris aos moradores de rua, disse com ironia que “a lei, na sua majestosa igualdade, proíbe ao rico e ao pobre de furtarem pão e dormirem debaixo da ponte, e permite a ambos que se hospedem no Hotel Ritz”. Para alcançar a igualdade de direitos, é fundamental promover o tratamento desigual no tocante às oportunidades que devem ser oferecidas a cada um. Em contraposição ao ato de evitar e se proteger dos moradores de rua, vale a pena refletir sobre as possibilidades de inclusão dessas pessoas, que são as mais vulneráveis das vulneráveis, desprovidas de tudo, situadas no subsolo da escala de pobreza.

Sabe-se que muitos estão conjunturalmente nas ruas, mas há uma significativa parcela desses moradores que opta definitivamente pelas ruas, mesmo rejeitados e repelidos. Em Porto Alegre, cerca de 50% dos moradores de rua vivem nessa condição há mais de 20 anos, sendo que 30% vivem na rua desde que nasceram. Assim, em face do alcance limitado das ações de inclusão, deve ser pensada uma cidade mais inclusiva. Nesse contexto, as grades antimorador de rua, ou quaisquer outros ofendículos, não parecem fazer parte da solução maior. Apenas nos remetem à mensagem centenária de Anatole France, e nos estimulam a pensar se aos moradores de rua não deveria ser garantido pelo menos o direito às ruas.

Empresário

A AMEAÇA DO DESEMPREGO


25 de agosto de 2014 | N° 17902


EDITORIAL


O temor suscitado entre os brasileiros pela perda de dinamismo do mercado de trabalho é razão suficiente para o país reagir logo, com ações adequadas para a retomada do crescimento..


Ainda que o ministro do Trabalho, Manoel Dias, defina o mau resultado da geração de empregos em julho como “fundo do poço”, sugerindo que a partir de agora a situação tende a melhorar, os dados oficiais só podem ser vistos como preocupantes. A manutenção dos níveis de ocupação formal, mesmo com os reiterados resultados insatisfatórios do Produto Interno Bruto (PIB), vinha sendo apontada como um trunfo pelo governo e saudada pela própria população, que tem no fantasma do desemprego um de seus principais temores. No momento em que esse quadro dá sinais de retrocesso, é preciso que sejam buscadas saídas adequadas e imediatas, para que o setor produtivo possa contribuir com todo o seu potencial para um crescimento econômico sustentável.

Entre as razões atribuídas para a geração de empregos em julho ter sido a pior desde 1999 estão a influência da realização da Copa do Mundo e o fato de, apesar de tudo, a renda dos trabalhadores continuar crescendo. Essa segunda explicação acaba contribuindo de alguma forma para fazer com que, embora as vagas diminuam, haja menos pessoas em busca de ocupação. Umas optam, por exemplo, exclusivamente pelos estudos. Outras passam a atuar por conta própria – uma alternativa típica dos momentos de maior dificuldade econômica. E isso ajuda a entender como, mesmo com crescimento reduzido desde 2011, o país ainda consegue manter índices de desocupação relativamente baixos, em torno de 5%.

Num ano de campanha presidencial, é inevitável que uma questão como o desemprego acabe sendo politizada. De maneira geral, políticos governistas se empenham em minimizá-la, enquanto os de oposição, muitas vezes, mostram um quadro mais exagerado e mais ameaçador do que o real. Só quem tem a exata dimensão do problema, porém, são os trabalhadores dispensados de sua atividade e os seus familiares.

O temor suscitado entre os brasileiros pela perda de dinamismo do mercado de trabalho é razão suficiente para o país reagir logo, com ações adequadas para a retomada do crescimento. A situação de quase pleno emprego desfrutada até agora, com seus efeitos benéficos sobre a atividade econômica a médio e longo prazo, é uma conquista da qual os brasileiros não podem mais abrir mão.

domingo, 24 de agosto de 2014

EMPREGOS SEM QUALIDADE



O ESTADO DE S.PAULO 24 Agosto 2014 | 02h 05

OPINIÃO 


O mundo está em crise. Não o Brasil. Quem garante é o ministro do Trabalho, Manoel Dias. "Vamos continuar gerando emprego", disse ele ao anunciar a abertura de 1,49 milhão de postos de trabalho com registro formal no ano passado. Os números de 2013 aparecem na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Mais de um quarto desse pessoal - 402,97 mil, ou 27% - foi contratado pela administração pública. A indústria de transformação acrescentou apenas 144,4 mil trabalhadores aos seus quadros. Isso corresponde a menos de um décimo de todas as novas contratações. Mas o ministro parece considerar pouco relevante esse detalhe. Se há uma crise, está fora, segundo ele, das fronteiras do Brasil.

É uma estranha prosperidade. Segundo os dados já disponíveis, a economia brasileira cresceu quase nada, se tiver crescido, no primeiro semestre, e economistas do setor privado estimam para o ano uma expansão inferior a 1%. Mas o Brasil visto de Brasília é quase sempre muito diferente do País conhecido no resto do território nacional.

O setor público brasileiro jamais diminuiu seus quadros nos últimos seis anos, desde o começo da recessão iniciada com o estouro da bolha financeira. O normal, em todos os níveis do governo, é o aumento das contratações. Em condições excepcionais, os quadros podem manter-se constantes, mas sempre por um período muito curto. Pode até haver adiamento de contratações, mas não corte de pessoal. Nos países mais adiantados a prática tem sido bem diferente.

Nos Estados Unidos, o nível total de emprego vem crescendo há alguns anos. O número total de empregados fora do setor rural diminuiu de 137,07 milhões em setembro de 2008 para 130,51 milhões em setembro de 2009. Em seguida veio a recuperação, a princípio lenta, depois mais rápida. Em setembro de 2013 já se havia recomposto o número de cinco anos antes. A recuperação foi garantida pelo setor privado. Em todo o setor governo, o total de empregados diminuiu, nesses anos, de 22,29 milhões para 21,75 milhões. São dados do Departamento do Trabalho.

A economia americana cresceu 1,9% no ano passado. Deve crescer 1,7% neste ano e 3% no próximo, segundo as contas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro aumentou 2,5% em 2013 e deve expandir-se 1,3% em 2014 e 2% em 2015, também pelas projeções do FMI. Economistas brasileiros projetam resultados piores para o Brasil neste ano e no seguinte. Além disso, a inflação americana continua abaixo de 2% ao ano. A brasileira, próxima de 6%. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego era de 6,2% em julho. No Brasil, em junho, os desempregados eram 4,1% em Belo Horizonte, 5,3% no Rio de Janeiro, 6,5% no Recife e 6,6% em São Paulo. A greve dos funcionários do IBGE impediu a divulgação dos números das seis áreas metropolitanas cobertas pela pesquisa mensal. De toda forma, a comparação com os dados americanos, muito mais amplos, seria imperfeita. Mas os dados mostram: desemprego talvez pouco menor que o americano, economia menos dinâmica e inflação muito maior.

Em julho, segundo o Ministério do Trabalho, foram criados 11.796 empregos formais. Desde 1999 foi o pior resultado para o mês. Segundo o ministro, a geração de empregos chegou ao fundo do poço, mas, ainda assim, o Brasil é campeão na abertura de postos e os números vão melhorar. Talvez ele devesse levar em conta a qualidade dos empregos. Não é difícil de adivinhar se a produtividade média dos 402,97 mil trabalhadores contratados pelo setor governo é alta ou baixa. Nos serviços foram contratados 558,63 mil. São, na maior parte, funções de qualificação limitada e produtividade baixa.

Boa parte dos empregos oferecidos no Brasil tem sido compatível com uma política baseada mais no estímulo ao consumo do que na busca de eficiência. O crédito e a renda proporcionados por esses empregos são componentes importantes de um cenário marcado pela estagnação da indústria. Mas o Brasil vai bem e o mundo vai mal, segundo o governo.

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS




O ESTADO DE S.PAULO 24 Agosto 2014 | 02h 05

OPINIÃO


Dizia Montesquieu que na política é essencial atentar para as semelhanças entre as coisas diferentes e as diferenças entre as coisas semelhantes. É natural que, decepcionados com a política e os políticos, os brasileiros tendam a acreditar, especialmente quando entra em cena o discurso eleitoreiro, que "político é tudo igual". Não é bem assim, claro. Por isso, no momento em que a campanha eleitoral ingressa em sua fase decisiva com o início da propaganda dita gratuita, é mais do que oportuno lembrar a recomendação do filósofo francês, um dos principais arquitetos do Estado moderno, e atentar para as principais diferenças entre os discursos das duas - pelo menos, até agora - mais importantes forças concorrentes no próximo pleito presidencial: o lulopetismo no poder e a oposição tucana.

Como bem observou a colunista Dora Kramer no dia seguinte à inauguração da propaganda no rádio e na TV, foi notável a "diferença central" na conceituação dos dois primeiros discursos de PT e PSDB no que diz respeito ao papel do governo na relação com a sociedade.

De fato, os programas inaugurais dos antagonistas Dilma Rousseff e Aécio Neves transmitiram mensagens substancialmente distintas, radicalmente divergentes, que com toda certeza marcarão o tom de toda a campanha: para o lulopetismo, o governo é o grande provedor do bem comum, o todo-poderoso gerente-geral da felicidade dos cidadãos e fora dele não há garantia de conquistas sociais e progresso. Para os tucanos, no Brasil de hoje o maior problema é o próprio governo do PT, que desde que o País deixou de surfar na onda internacional de prosperidade tragada pela crise de 2009 meteu os pés pelas mãos e, especialmente durante o mandato da atual presidente, não tem sido capaz de conter o retrocesso econômico que ameaça comprometer até mesmo as conquistas sociais e econômicas da administração Lula.

Dizer que as divergências entre os dois grupos são de natureza ideológica implicaria admitir que o balaio de gatos que abriga os atuais detentores do poder - petistas e "base aliada" - seja fiel a alguma ideia que não a do mero apego ao poder. O PT nasceu como resultado da associação do voluntarismo obreirista com os influxos progressistas da militância católica e a arrogância autoindulgente de intelectuais e acadêmicos "de esquerda". O tempo se encarregou de fazer vazar pelo ralo do fisiologismo as veleidades "redentoras" do partido "dos trabalhadores" e acabou sobrando apenas o séquito dos deslumbrados com as benesses do poder.

No que diz respeito ao outro lado, há quem se anime ainda a identificar traços do pensamento social-democrata que inspirou a fundação do PSDB, estabilizou a economia e recolocou o País nos trilhos do desenvolvimento social e econômico a partir de 1995. Escamoteado na campanha eleitoral de 2002, que acabou resultando na entrega do poder ao populismo lulopetista, esse pensamento permanece no momento à espera de alguma explicitação capaz de empolgar quem não se satisfaz em saber apenas o que não deseja para o País.

De modo que, se é difícil de identificar alguma substância programática no discurso dos dois principais, até agora, concorrentes à Presidência, o tom da campanha pelo menos revela claramente, de um lado, que na hipótese da reeleição de Dilma o que se pode esperar é mais do mesmo estatismo populista que, a continuar evoluindo na contramão da História, estará abrindo para os brasileiros as portas do paraíso bolivariano. De outro lado, os tucanos limitam-se a apontar os erros do governo, tarefa fácil na atual conjuntura - é isso que também se espera da oposição. Mas é muito pouco, mesmo que qualquer alternativa ao pesadelo lulopetista possa ser considerada uma bênção. O eleitor consciente merece mais do que ter de optar pelo que é menos pior.

O que importa é que existe, sim, uma diferença essencial entre a visão de mundo inerente ao discurso e à prática lulopetistas de que a sociedade precisa ser tutelada por um Estado todo-poderoso e onipresente, e a convicção oposta, escorada nos fundamentos da sociedade democrática, de que o poder deve ser exercido em nome dos interesses da cidadania e não ser monopolizado por autointitulados benfeitores da Humanidade incapazes de enxergar além do próprio umbigo.


MINHA CASA, MINHA RUA

DIÁRIO GAÚCHO 23/08/2014 | 09h03

Aline Custódio

Moradores de rua montam lares em áreas públicas de Porto Alegre. "Moradias" são encontradas em praças, jardins e estações de ônibus da Capital



João mora embaixo da Ponte do GuaíbaFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS


Para a maior parte da população, restos de pedras, de plástico e de madeira servem apenas para o lixo. Mas há moradores, não quantificados em números, que reúnem estas sobras e as tornam parte da própria casa, a única que lhes foi garantida. Pelas ruas de Porto Alegre, estas "moradias" são encontradas em praças, jardins e estações de ônibus. Verdadeiros acampamentos urbanos habitados por homens e mulheres que cansaram de perambular sem destino e encontraram um pedaço de chão, mesmo que público, para chamarem de "meu quintal".

- João

Dos 36 anos de vida, João (nome fictício) passou os últimos 17 entre o Presídio Central e as ruas de Porto Alegre. A maconha e o crack o fizeram se afastar da mãe, de 76 anos, e dos sete filhos que teve com cinco mulheres diferentes. Ele prefere manter no anonimato a identidade real.

- Paguei as minhas dívidas com a Justiça, mas ficaram uns espinhos por aí - completa.

Depois de dividir marquises com outros moradores de rua na área central da cidade, há quatro anos, desejando viver sozinho e num único lugar, instalou-se embaixo da Ponte do Guaíba, na Avenida Sertório, no Bairro Navegantes. Ali, montou quarto, cozinha e sala de estar. Todos os móveis e utensílios domésticos vieram de doações. Mais de uma vez, aliás, já que João afirma ter sido vítima de ladrões em diferentes situações.

- Esta aqui é a minha casa, mas já levaram a comida, as roupas e os móveis. Não faço nada para ninguém. Pelo contrário, o pouco que tenho, divido com os "irmãos" (outros moradores de rua) - conta.

"Tenho que estar antenado"

E divide mesmo. Tanto que abriu espaço para um casal viver na "morada". Os dois dormem numa cama improvisada sobre cadeiras de praia e cobertores. João tem colchão e edredom. Nesta semana, fiéis de uma igreja doaram 20 cobertores novos aos três. Ele repartiu o presente com outros "vizinhos" da região.

Todos os dias, arranja água nos prédios próximos para barbear-se e fazer café. Quando não consegue, utiliza os serviços oferecidos pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, no Centro.

Para sobreviver, cuida dos carros que ficam sob a ponte, ao lado da "morada" dele. Os proprietários pagam por semana. Cada um dá o que pode, valem até roupas e calçados. Também atua na catação de papel, mais por hobby do que necessidade. João é um leitor apaixonado por revistas e jornais, e só os vende depois de devorar com os olhos cada página. O rádio de pilha é outro companheiro inseparável. Comunicativo, discute futebol, economia e política com a certeza do que fala.

- Os irmãozinhos falam que eu pareço um velho porque gosto de ler. Estudei até a sétima série e não gosto que me enrolem. Vivo na rua, mas tenho que estar antenado - justifica.

Vontade de rever a filha

Uma vez por mês, João visita a mãe na Zona Sul de Porto Alegre e aproveita para rever parte dos filhos. A eles diz que o levem como exemplo a não ser seguido.

- Apesar de tudo, acredito na vida. Não faço nada errado há quatro anos. Eu sei que tem alguém olhando por mim, ou não estaria ainda aqui.
Mas os olhos marejados revelam que a maior vontade dele é reencontrar a filha mais velha, que calcula estar com 20 anos. É por ela que ele pensa em abandonar a vida da rua em breve.

- Fico pensando que já posso ser avô e ainda estou nesta situação. Por isso, estou refazendo os meus documentos, quero arrumar os meus dentes e mudar de vida em breve. Voltar à sociedade como qualquer cidadão.

- Clarice



A rotina é igual há oito meses: todas as manhãs, com um pano úmido nas mãos, Clarice, 46 anos, limpa cada tábua feita como armário ou mesa na "morada" que construiu ao lado de um prédio, próximo à entrada do Túnel da Conceição, no sentido bairro-Centro. Não aguenta ver a poeira se formando sobre o que considera os móveis dela. Antes de sair com um carrinho de supermercado para catar pelas ruas da área central, faz questão de deixar brilhando o tapete e a entrada do quarto, feito caprichosamente com lonas de plástico presas por cordas e pedras às grades de um prédio que está à venda.

- Estou na rua há 20 anos, mas não aguentava mais ficar no pingue-pongue (de um lado para o outro). Queria ter o meu canto. Achei este aqui - comenta Clarice.

Vizinhos reclamam

As roupas são lavadas com a água acumulada em 22 garrafas plásticas. E o banho é tomado sob uma lona escura que faz as vezes de banheiro particular, com direito a detergente para limpá-lo.

Aos 12 anos, Clarice veio de Cruz Alta para trabalhar como doméstica numa casa de família em Porto Alegre. De lá, saiu aos 27 anos e caiu na rua para nunca mais sair. Há um ano, resolver juntar o pouco adquirido com um homem que conheceu nas andanças. Na semana passada, separaram-se.

- Ele bebia muito e fazia confusão. Isso me causou muitos problemas com a vizinhança. Não quero mais ele aqui - afirma.

Mas nem esta promessa afasta as reclamações dos vizinhos do edifício Caraíba. Segundo a síndica Susara Pontes, os problemas com Clarice já foram repassados a seis órgãos públicos, incluindo Brigada Militar, Fasc e Ministério Público.

- Ela faz sujeira, fogo e não deixa nenhum morador passar pela Esplanada, afirmando que ali é a casa dela. Apesar de ser mais caprichosa que muito morador, coloca os dejetos nas árvores. Não podemos ter uma pessoa assim aqui - afirma Susara.

"Assim para sempre"

Alheia ao que pensam os moradores do prédio ao lado, Clarice orgulha-se de ter um canto próprio depois de duas décadas sem destino. Por ela, não sairá mais daquele espaço. Tanto que abriu com as próprias mãos uma espécie de canal no entorno do quarto de plástico, capaz de protegê-lo quando chove. A água cai direto na Avenida Osvaldo Aranha.

Ela não fala sobre o passado, muito menos sobre o futuro. Diz que está conformada com o que ganhou da vida:

- Não sou feliz, mas faço o melhor que posso. Não uso drogas. Acho que já não mudo mais. Vou viver assim para sempre.

- Luis Carlos



Entre duas árvores do Terminal Princesa Isabel, no Bairro Azenha, Luis Carlos Correa Clipes, 34 anos, montou o que considera um "lar". As drogas o afastaram da família, moradora do Campo da Tuca, no Bairro Partenon, mas ele prefere não comentar o passado.
Há cinco anos, saiu de casa e nunca mais voltou. Nos primeiros meses, dormia sob a marquise de uma loja na Avenida Azenha. De manhã, era enxotado pelos seguranças e acaba indo para as árvores que hoje viraram casa.

- Um dia, decidi que nunca mais voltaria a dormir lá. Tinha cansado de ser escorraçado feito um cachorro. Vim para as árvores e fiquei - recorda.

João-de-barro

A decisão de construir o "barraquinho", como chama o espaço, partiu do morador de um prédio próximo. Chovia torrencialmente e ele sugeriu a Luis Carlos instalar uma lona entre as árvores. Foi o início da morada.

- Virei joão-de-barro, construindo aos pouquinhos. E tem até jardim - orgulha-se.

Para conversar com a reportagem, colocou duas cadeiras embaixo do cinamomo - espaço que considera como sala. O jardim foi plantado com a ajuda de uma moradora de outro prédio da região. Uma placa, recolhida do lixo, alerta para não se aproximarem das flores. Mas nem o pedido foi suficiente para afastar duas crianças que atearam fogo no "barraquinho" e numa das árvores, em fevereiro de 2012. Luis Carlos conseguiu reconstruir a morada com a ajuda da vizinhança. A árvore tem marcas até hoje, mas ganha brilho na época do Natal, quando ele carinhosamente a enfeita com bolinhas coloridas e outros acessórios.

"Não penso em sair daqui"

Apesar de morar sob lonas, ele se diz orgulhoso por ter deixado as drogas no passado e, principalmente, por trabalhar em quatro empregos diferentes. Ex-chapista, com experiência em lanchonetes conhecidas na cidade, Luis Carlos faz bicos como serviços gerais em quatro restaurantes da região.

- Sou pavio curto, mas procuro tratar todos muito bem para também ser bem tratado. Nunca tive problemas com a vizinhança e fiz muitas amizades. Não penso em sair daqui.

"Pode ser um bom sinal"

O sociólogo Ivaldo Gehlen, um dos pesquisadores da Ufrgs que participou da elaboração dos dois censos da população de rua em Porto Alegre, mostrou-se surpreso com os perfis de moradores encontrados pela reportagem. Para ele, "um novo tipo de morador de rua" pode estar se formando na Capital.

- Pode ser um bom sinal, depois de tantas abordagens. Eles parecem estar num estágio de transição, querendo se reintegrar à sociedade. Basta que apareçam as oportunidades - sugere.

No último levantamento realizado pela equipe da qual Ivaldo fez parte, em 2011, havia 1.347 moradores em situação de rua. Mas este número já estaria oscilando entre 3 mil e 5 mil, conforme o projeto Universidade na Rua, da Ufrgs. Segundo o presidente da Fasc, Marcelo Soares, um edital para novo levantamento deve ser anunciado nos próximos meses. A meta é divulgar um novo censo até o fim do primeiro semestre de 2015.

Lei não permite expulsão

Marcelo afirma que casos como os três apresentados pelo Diário Gaúcho não podem ser resolvidos à força.

- Por lei, não podemos, simplesmente, retirá-los do lugar onde estão. É preciso um trabalho de abordagem, de convencimento para mudar. A situação é mais complexa do que se pensa. Para nós, o espaço que eles ocupam é público. Para eles, é o único espaço privado que têm.

Para produzir políticas públicas destinadas aos moradores de rua da Capital, a prefeitura de Porto Alegre criou há três meses o Comitê Intersetorial da Política da População em Situação de Rua. Liderado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, ele envolve secretarias e representantes da sociedade civil. O grupo se reúne uma vez por mês. Entre as primeiras metas está produzir um novo estudo, mais aprofundado, sobre as características de quem vive nas ruas da cidade, incluindo os donos dos acampamentos urbanos.


DIÁRIO GAÚCHO