VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

sábado, 31 de maio de 2014

BRASIL, 24 NO RANKING ECONÔMICO


Brasil fica em 24º lugar em ranking mundial de crescimento econômico, mostra estudo. País perde de Reino Unido, Estados Unidos, que estão saindo de crise. Na América Latina, expansão no primeiro trimestre ficou atrás de Peru e Chile

RONALDO D'ERCOLE
O GLOBO
Atualizado:30/05/14 - 22h53




SÃO PAULO - O fraco desempenho da economia no primeiro trimestre fez com que o Brasil ficasse na 24ª posição entre as economias que mais cresceram no mundo neste início de ano, de acordo com ranking elaborado pela Austin Rating. Entre os países latino-americanos, o Brasil superou o México (25º, com 1,8% de alta do PIB na comparação com o primeiro trimestre de 2013), mas está atrás do Peru, o sexto colocado, que teve expansão de 4,8%, e do Chile, o 18º, cuja economia avançou 2,6% no período.

O IBGE divulgou nesta sexta-feira que o PIB (soma de bens e serviços produzidos) do país teve crescimento de 0,2% de janeiro a março deste ano, na comparação com quatro trimestre de 2013, e de 1,9% na comparação com o primeiro trimestre do ano passado.


Na compilação da Austin, a China segue com folga na liderança, com expansão de 7,4% na comparação do primeiro trimestre deste ano com igual período de 2013, seguida de Malásia (6,2%) e das Filipinas (5,7%). Apesar da crise que resiste na Europa e na América do Norte, grandes economias dessas regiões conseguiram crescer mais que o Brasil.

O Reino Unido, o 112º da lista, avançou 3,1% no primeiro trimestre, enquanto os Estados Unidos e Alemanha (21º e 22º, respectivamente) tiveram taxa de expansão de 2,3% sobre o primeiro trimestre do ano passado.

No ranking do primeiro trimestre de 2013, também elaborado pela Austin, o Brasil aparecia na 11ª posição, igualmente com uma expansão de 1,9% sobre os primeiros três meses de 2012.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin, chama a atenção para o fato de que, além dos asiáticos Indonésia, Tailândia e Filipinas, o Brasil agora cresce menos também que boa parte das economias do Leste Europeu, como Lituânia (3,1%), Letônia (2,8%), Eslováquia (2,4%) e Polônia (3,3%).

— Nos últimos 20 anos, desde o Plano Real, o Brasil cresce a uma taxa média de 3% ao ano, com uma inflação média de 7,2% ao ano, situação diferente dos países do Leste Asiático, que, depois da crise de 1997 na região, conseguiram se recuperar e têm inflaçao menor que a brasileira — observa Agostini, acrescentando: — Isso significa que o Brasil tem problemas crônicos de ordem doméstica na condução da política macroeconômica, porque não consegue crescer mais nem combater a inflação.

Agostini lembra ainda que, mesmo as economias desenvolvidas como as da Alemanha e dos Estados Unidos, que normalmente crescem pouco, apesar da persistência da crise já superam o Brasil.

— Esse crescimento de 1,9% no trimestre mostra que o país não consegue achar a direção correta de sua política econômica.

No Brasil, o consumo das famílias caiu 0,1% no primeiro trimestre do ano frente aos últimos três meses de 2013, pela primeira vez desde o terceiro trimestre de 2011, quando havia encolhido 0,3%. A agropecuária avançou 3,6% na mesma comparação. Já a indústria caiu 0,8%, no terceiro trimestre consecutivo de recuo. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador de investimentos, também encolheu: 2,1%.

GUERRA DIGITAL



ZERO HORA 31 de maio de 2014 | N° 17814


EDITORIAL



Eleições éticas dependem de mobilizações como as responsáveis pelo Ficha Limpa e as que cobram mudanças no financiamento de campanha e menos jogo sujo na internet.

Legalmente, o uso da internet para propaganda política estaria liberado apenas no dia 6 de julho, depois de encerrado o prazo de pedido de registro de candidatos à Justiça Eleitoral. Há alguns meses, porém, multiplicam-se casos de propaganda virtual, valendo-se sobretudo de redes sociais, que ampliaram consideravelmente o número de usuá- rios desde a última eleição presidencial. Os problemas, porém, não estão na publicidade explícita, e sim nos casos dúbios e, principalmente, nos relacionados a um lado perverso dos internautas: o de valer-se do anonimato para disseminar informações claramente forjadas com o objetivo de favorecer ou prejudicar um determinado candidato.

Diante dos orçamentos cada vez mais elevados das campanhas eleitorais no Brasil, uma das muitas vantagens oferecidas pela internet é a de contribuir para a redução dos gastos. Além disso, permite contato instantâneo com os eleitores, fazendo com que praticamente todos os candidatos em busca de votos se disponham a explorá-la ao máximo neste ano. A questão, num território livre como a rede, é que se pode no máximo evitar os excessos cometidos tanto pelos próprios candidatos quanto por suas assessorias e mesmo simpatizantes.

Eleições éticas dependem de mobilizações como as responsáveis pelo Ficha Limpa e as que cobram mudanças no financiamento de campanha e menos jogo sujo na internet. Por isso, iniciativas bem-vindas como o pacto pretendido pela OAB precisam apelar acima de tudo ao bom senso dos usuários das redes, para que não se deixem enganar, nem contribuam com a difusão de calúnias e injúrias.




sexta-feira, 30 de maio de 2014

O BUNKER DA CALUNIA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2323 | 30.Mai.14


Segundo investigação do Ministério Público, a Prefeitura de Guarulhos, além de utilizar computadores para denegrir a imagem do senador Aécio Neves, tem financiado blogs e sites para promover o jogo sujo digital contra o PSDB e seu candidato ao Planalto

Josie Jeronimo e Raul Montenegro 


A campanha presidencial não começou oficialmente, mas o Ministério Público de São Paulo já investiga a existência de um possível bunker instalado na Prefeitura de Guarulhos, administrada pelo PT, com o propósito de disseminar calúnias contra o senador mineiro Aécio Neves (PSDB), rival da presidenta Dilma Rousseff na corrida pelo Palácio do Planalto. O bunker de Guarulhos, segundo as investigações dos procuradores, estaria financiando – por meio de publicidade oficial – publicações, blogs e perfis nas redes sociais dedicados a atacar Aécio não pela crítica política, mas com acusações pesadas de foro pessoal.


A prefeitura de Guarulhos montou um núcleo de ataques ao PSDB
que remonta à eleição municipal de 2012

Atendendo a pedido dos advogados do PSDB, a Justiça obrigou provedores de internet a divulgar o endereço dos dispositivos eletrônicos usados para caluniar o candidato tucano. A quebra do sigilo identificou que grande parte das ofensas saía de computadores vinculados à Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura de Guarulhos. Em 20 dias, dispositivos usados por servidores do município fizeram 81 atualizações de mensagens caluniosas. Uma das funcionárias, Nataly Galdino Diniz, foi exonerada após o flagrante. ISTOÉ apurou, no entanto, que a utilização do prédio e o recrutamento de funcionários públicos para a guerra virtual contra o PSDB são apenas a ponta do novelo de um esquema mais amplo.

O Ministério Público de São Paulo identificou o repasse de verbas de publicidade da Prefeitura de Guarulhos para sites que se dedicam a criar conteúdos altamente ofensivos contra os tucanos. Uma das publicações investigadas pelo MP é o Blog da Cidadania, editado pelo militante petista Eduardo Guimarães. No mesmo espaço em que enaltece “moradias entregues para famílias de baixa renda” em Guarulhos e exibe um banner da prefeitura da cidade, Guimarães usa palavras ofensivas para atacar a imagem de integrantes do PSDB. Seu alvo preferencial é o senador mineiro. Em publicação replicada por 652 internautas, o blogueiro mostra um vídeo em que o senador dá gorjeta a um garçom em um tradicional bar do Rio de Janeiro. Abaixo do vídeo, ele escreve um texto repleto de acusações caluniosas ao tucano. “Senador-playboy mineiro” é a mais branda delas. Também investigada pelo Ministério Público, a revista “Fórum” repete em seu portal a dinâmica de ataques ao PSDB. Com destaque, a revista replicou a opinião de um blogueiro que insinua envolvimento do senador do PSDB com entorpecentes. A revista “Fórum” pertence ao petista Renato Rovai, um dos ativistas do PT na internet, e seu conteúdo é amplamente disseminado nas redes sociais. Pelo menos 267 mil internautas acessam diariamente textos produzidos pela publicação e sua equipe de blogueiros. Assim como o Blog da Cidadania, a “Fórum” faz publicidade institucional para a Prefeitura de Guarulhos, flagrada como central da guerrilha digital petista. Os cabeçalhos da publicação na internet, com a campanha “Olha Guarulhos avançando”, são repetidos em todas as páginas do portal. De acordo com o MP, pelo menos mais dez blogs espalhados pela internet adotariam a mesma sistemática de ataques a Aécio e ao PSDB, com o patrocínio da Prefeitura de Guarulhos. “Menções a atividades genéricas da prefeitura servem apenas para dar uma fachada de legalidade e garantir os pagamentos feitos pela municipalidade”, afirmou um dos promotores ouvidos por ISTOÉ.


O ex-secretário de comunicação de Guarulhos Justino Pereira (acima)
foi o mentor dos ataques e o casal Tiago Albuquerque e Nataly Galdino,
os braços operacionais. Na última semana, Nataly foi demitida
por utilizar computadores da prefeitura para caluniar Aécio



A investigação do Ministério Público que apura a existência do bunker da calúnia em Guarulhos teve início na Prefeitura de Rio Claro, quando a vice-prefeita Olga Salomão (PT) foi acusada de reajustar e prorrogar, irregularmente, contratos da agência PG Comunicação. A agência é a mesma que prestava serviços à Prefeitura de Guarulhos e que após a quebra do sigilo – revelado na semana passada – teve seus endereços eletrônicos vinculados a perfis falsos que denegriam a imagem de Aécio. “Usaram o município como uma central. Comunicação virou prioridade. O prefeito passou a remanejar dinheiro de investimentos em obras para a comunicação”, resume o líder da oposição na Câmara de Guarulhos, Geraldo Celestino (PSDB). As cifras orçamentárias reforçam as suspeitas. Até 2013, a Prefeitura de Guarulhos destinava R$ 4,5 milhões em recursos para pagar a PG Comunicação pelos serviços de publicidade de interesse público. Em ano eleitoral, a rubrica de propaganda cresceu. Este ano, a prefeitura reservou R$ 20 milhões para ações de publicidade e já gastou R$ 10,9 milhões do total. De acordo com o MP, pelo menos 10% desse montante seria usado para financiar blogs de ataques ao candidato do PSDB ao Planalto. ISTOÉ entrou em contato com o blogueiro, com a revista “Fórum” e com a prefeitura questionando o montante pago em publicidade, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição. Apenas no mês de maio, porém, o blogueiro Eduardo Guimarães recebeu pelo menos R$ 5,5 mil da Prefeitura de Guarulhos, segundo nota fiscal à qual ISTOÉ teve acesso.



Não seria a primeira vez que o PT transformaria a Prefeitura de Guarulhos numa central dedicada a caluniar adversários políticos. O jogo sujo eleitoral começou há dois anos. Durante a campanha de 2012, um dos integrantes do bunker foi condenado pela Justiça Eleitoral a pagar multa de R$ 5 mil por divulgar na internet um vídeo e mensagens de Facebook com informações falsas sobre o então candidato a prefeito pelo PSDB, Carlos Roberto. Trata-se de Tiago Albuquerque, marido de Nataly Galdino Diniz, a funcionária demitida na última semana, depois de ter sido flagrada utilizando os computadores da Prefeitura de Guarulhos para espalhar calúnias contra Aécio. Albuquerque e sua mulher, no entanto, de acordo com o MP, são apenas o braço operacional da guerrilha digital. Albuquerque e Nataly foram recrutados por Justino Pereira, ex-secretário de Comunicação de Guarulhos, este sim o responsável por montar o núcleo de difamação contra os tucanos. Pereira tem experiência na área. Militante histórico do PT, ele foi funcionário do Banespa e iniciou sua atuação política no sindicato dos bancários. Formado em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero, atuou como coordenador de publicidade da Prefeitura de São Paulo na gestão de Marta Suplicy. No dia 14 de março deste ano, Pereira trocou a Secretaria de Comunicação de Guarulhos – onde atuou nas gestões dos petistas Elói Pietá e Sebastião Almeida – por um cargo na Prefeitura de São Paulo. “O Justino Pereira é o mentor da comunicação do PT em Guarulhos. Esse grupo foi idealizado por ele”, acusa Geraldo Celestino.



Fotos: João Castellano/Ag. Istoé

NASCE UM NOVO POLÍTICO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2323 | 30.Mai.14

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, anuncia aposentadoria em junho e diz que se dedicará apenas a proferir palestras e cuidar da saúde. Mas é inegável que o capital político acumulado por ele nos últimos anos o credencia para voos mais altos

Izabelle Torres


Como todo bom político, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, fez o possível para criar uma cena de impacto. Na quinta-feira 29, quebrou um suspense – longamente preparado – ao anunciar sua saída da mais alta corte de Justiça do país, onze anos antes do prazo legal de permanência na instituição. Joaquim foi mais ou menos bem sucedido. Ao confirmar a decisão à presidenta Dilma Rousseff, logo pela manhã, Barbosa encontrou uma interlocutora que já fora informada da novidade na segunda-feira 26. Neste mesmo dia, ela transmitiu a informação para os ministros mais próximos, exigindo sigilo absoluto. Depois de uma conversa rápida e amena com a presidenta, na qual anunciou sua maior prioridade nas próximas semanas – “assistir aos jogos da Copa do Mundo” – Joaquim tomou o rumo para o Congresso, onde encontrou interlocutores desprevenidos.


TENTAÇÃO DAS URNAS
Sem os limites impostos pela toga, Joaquim Barbosa pode desempenhar
papel relevante na vida política nacional

O ainda presidente do STF entrou no gabinete de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, com ar descontraído. Renan temia uma discussão árida sobre temas espinhosos, como a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral de modificar a distribuição de cadeiras de deputado federal, medida que o Congresso define como um acinte às suas prerrogativas constitucionais. Mas Joaquim logo avisou que a pauta era outra. Diante de um Renan que custava a vencer a própria incredulidade, disse que estava cansado, que trataria melhor da saúde sem se preocupar com compromissos do tribunal e agradeceu a boa convivência entre os Poderes. Perguntado sobre seu futuro, Joaquim reagiu como fazem os políticos. Negou, é claro, que tivesse projetos com atividade partidária. Foi ainda mais explícito na conversa seguinte, quando se encontrou com Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara de Deputados.

Sem possibilidade legais de entrar no pleito de 2014, negou ter planos de disputar qualquer eleição em pleitos futuros – o calendário marca 2016, uma eleição municipal, e 2018, quando até a presidência da República estará em jogo nas urnas. Explicou também que pretende aproveitar as horas de folga para cuidar da saúde, voltando a mencionar as célebres dores lombares que tantas polêmicas provocaram nos meses anteriores ao julgamento da AP 470. Também disse que pretende reforçar o orçamento doméstico fazendo conferências e consultorias jurídicas pelo País. Quando falou nas palestras, Joaquim chegou a mencionar que hoje elas fazem parte da agenda do ex-presidente Lula.



O meio político, no entanto, aguarda os próximos passos de Barbosa com ansiedade. Afinal, ninguém duvida do capital político acumulado pelo presidente do STF nos últimos anos, sobretudo a partir do desempenho demonstrado durante o julgamento do mensalão. Sua popularidade é atestada pelas recentes pesquisas de opinião, nas quais atinge facilmente os dois dígitos em intenções de voto. Nas conversas ao longo da semana, Barbosa nada anunciou que um político sem partido, e sem condições de entrar na corrida por cargos eletivos em 2014, não pudesse fazer. Nada que possa impedir sua aparição repentina durante a campanha presidencial. Na atual conjuntura política, é certo que Barbosa seria um eleitor e tanto para qualquer candidato. Apesar de o presidente do STF, nos últimos tempos, ter tratado a presidenta com a deferência exigida pelo cargo, Planalto age como gato escaldado. Não por acaso, entre aliados do governo Dilma, Barbosa é chamado como “Ronaldo Fenômeno 2”. Eles se referem ao craque-empresário que, em apenas uma semana, abandonou a postura neutra de membro do Comitê Organizador Local, declarou que sentia vergonha dos preparativos da Copa e depois anunciou que iria votar no candidato tucano Aécio Neves. Fora do Supremo, nada impedirá Joaquim Barbosa, então um cidadão comum com os mesmos direitos que os 200 milhões de brasileiros, de subir no palanque e dizer em quem vai votar.

A grande questão é que, independentemente do que diga o presidente do STF, sua entrada na política é considerada o caminho natural, mesmo que ele não seja efetivamente um candidato. O afastamento do STF previsto para o fim de junho, quando se inicia o recesso do Judiciário, deixará Barbosa livre para declarar suas posições políticas sem o peso da responsabilidade imposto pela toga de ministro. Poderá ser, sem dúvidas, um contraponto importante no xadrez eleitoral e alvo de cobiça dos partidos, especialmente os de oposição. O PSB de Eduardo Campos e o PSDB de Aécio Neves já sonham com sua adesão.

O comportamento pregresso de Joaquim Barbosa reforça as impressões em Brasília de que ele poderá exercer um papel muito mais relevante na vida política nacional e fazer muito mais do que apenas “proferir palestras, prestar consultorias, descansar, assistir à Copa e cuidar da saúde”. Não é de agora que o magistrado demonstra especial cuidado e apreço pela sua imagem pública. Na presidência do Supremo, montou uma equipe para acompanhar a repercussão de suas posições em plenário, confirmando aquilo que era possível perceber por intuição: a disposição para criticar colegas e outras categorias do Judiciário fizeram do ministro referência no ataque a privilégios, como o de advogados que atuam em tribunais superiores como juízes, e os filhos de ministros de Cortes que atuam como advogados.

Celebrizado pelo mensalão e pelo empenho em levar para a cadeia figuras influentes do PT e de legendas aliadas, Joaquim Barbosa também levou ao plenário outros casos que discutiam a prisão de políticos. Relator do caso do falecido ex-governador Ronaldo Cunha Lima, acusado de assassinar um rival político, que conseguiu levar o caso para tribunais inferiores ao renunciar a um mandato eleitoral de deputado, Barbosa tornou-se adversário duro da tentativa de parlamentares de usar toda sorte de recursos para escapar do julgamento em foro privilegiado, como aconteceu com Cunha Lima.



Enquanto no meio político a aposentadoria de Joaquim Barbosa alimenta especulações e provoca um misto de expectativa e apreensão sobre o papel que o magistrado desempenhará depois de junho, quando deixar oficialmente o STF, no âmbito jurídico a sensação é outra. Em pouco mais de uma década no Supremo, Joaquim colecionou desafetos entre magistrados, advogados e os próprios colegas. Daí, sua aposentadoria ter sido recebida com certo alívio por muitas carreiras. “A magistratura não sentirá saudades”, disse o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo. “Ele vai deixar como marca, a arrogância e o destempero”, comentou o advogado Carlos Alberto de Almeida, o Kakay.

No STF, ministros mais críticos dizem que ao longo dos anos ele trocou a preocupação com o cumprimento das leis pela corte à opinião das ruas. Durante o julgamento do mensalão, Barbosa acusou o revisor da ação penal 470, Ricardo Lewandowski, de atuar em defesa dos réus e trabalhar pela impunidade. Anos antes, Barbosa acusara o ministro Gilmar Mendes de ter capangas, e o então presidente da Corte Cezar Peluso de manipular processos, de ser preconceituoso e caipira. Entre um bate-boca e outro, Barbosa atacou políticos e fez um esforço considerável para que eles sentissem os rigores da lei. Suas declarações ganharam a mídia e as redes sociais. Na maioria dos casos, as respostas da população foram altamente positivas para sua imagem pública. Ou seja, tudo o que um político mais anseia.

Foto: Adriano Machado, RENATO ARAUJO/ABR

ESQUERDA E DIREITA



ZERO HORA 30 de maio de 2014 | N° 17812


DAVID COIMBRA




Entre esquerda e direita, prefiro a esquerda. A esquerda faz uma ideia generosa da vida, de defesa do fraco contra o forte. Mas as pessoas de esquerda têm um defeito irritante: o hábito de julgar os outros por suas ideias. Para muitas pessoas de esquerda, quem não pensa como elas é desprezível.

Ideias têm alguma importância. Não muita. Conheço supremos canalhas que são esquerdistas perfeitos. O que torna um ser humano melhor não são suas ideias; são os seus sentimentos e o seu comportamento, sobretudo a forma como trata os outros seres humanos.

O Brasil é governado há meia geração por um partido de esquerda. O PT seria a nêmesis da ditadura militar, a direita mais renhida. Mas, olhando para um e outra, me espanto: como são parecidos! Hoje encontro gente agradecida ao PT pelos ótimos Bolsa Família, Minha Casa e Prouni, e lembro que só cursei minha faculdade graças ao Crédito Educativo e que minha mãe só comprou nosso apartamento graças ao BNH. Deveríamos ser agradecidos à ditadura? Os dois, PT e ditadura, tentaram diminuir as diferenças sociais por meio de programas, não com mudanças de sistema.

Ambos, PT e ditadura, são desenvolvimentistas, o PAC é o PND. A ditadura fez a ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, a Freeway, o Pólo Petroquímico, a Usina de Itaipu. O PT quer fazer Belos Montes, compra usinas no Exterior, duplica a BR-101, planeja a segunda ponte do Guaíba, pretende terminar a transposição do São Francisco. Em Porto Alegre, a esquerda tem feroz apreço pelo 1 milhão e 400 mil árvores da cidade. Destas, 1 milhão e 100 mil foram plantadas na gestão de Socias Villela, prefeito nomeado pela ditadura. Na ditadura, a imprensa era censurada. O PT sonha com a censura disfarçada pelo “controle social da mídia”. O PT e a ditadura são estatizantes, os dois apostaram na indústria automobilística como pilar de desenvolvimento e tiveram seus empresários-modelo, seja os financiadores da Oban nos anos 70, seja Eike e seus R$ 10 bilhões captados junto ao BNDES nos 2000.

Lula aproveitou o bom momento econômico internacional e fez o Brasil crescer até 7,5%. Semelhante a Médici, que levou o país a 10%. Depois de Médici, assim como depois de Lula, a economia virou. Seus sucessores, Geisel e Dilma, tiveram de enfrentar momentos delicados e um país em princípio de ruptura social. Sarney e Maluf, velhos próceres do PDS, o partido da ditadura, são eleitores entusiasmados do PT, embora Maluf reclame que o PT esteja à sua direita.

No Brasil, esquerda e direita são irmãs siamesas.

Mas nem a esquerda nem a direita aproveitaram seus bons momentos para fazer reformas estruturais. Quanto mais rico fica o Brasil, mais degenerado se torna como nação. Na ditadura e na gestão do PT, o Brasil melhorou para milhões de indivíduos; piorou como país. Foram medidas analgésicas, não curativas. Não por má intenção, diga-se. Houve, sim, vontade de fazer o melhor. Por isso, não me agradam petistas que não enxergam decência fora do PT e não me agrada quem chama os petistas de petralhas. Melhor seria se compreendessem que tanto à esquerda quanto à direita há gente, muita gente, que quer o bem do Brasil. É este o sentimento mais importante. Porque na prática, como se vê, não faz muita diferença.


quinta-feira, 29 de maio de 2014

MUDANÇA DE REGIME POR DECRETO




O Estado de S.Paulo 29 de maio de 2014 | 2h 09

EDITORIAL




A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.

A fórmula não é muito original. O decreto cria um sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em "todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem, segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto, instituir outra fonte de poder: a "participação direta".

Não se trata de um ato ingênuo, como se a Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia, mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático. Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.

A participação em movimentos sociais, em si legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e controla esses "movimentos sociais".

O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo, o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos, com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?

Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte. Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.

Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

OS DESAFIOS DA AGENDA 2020

ZERO HORA 28/05/2014


RONALD KRUMMENAUER
Diretor executivo da Agenda 2020


Pode-se afirmar que os imensos obstáculos que o Rio Grande do Sul enfrenta para garantir às futuras gerações um lugar melhor para se viver e trabalhar são semelhantes aos que a Agenda 2020 têm diante de si: falta de uma integração genuína entre o poder público, a sociedade, universidades e trabalhadores; nem sempre o Rio Grande é a causa maior; a enorme resistência a mudanças por muitas categorias profissionais; a negação a reformas estruturais; a falta de participação e entendimento por todos _ principalmente lideranças _ que a força política é essencial na superação desses desafios.

Felizmente, diversas entidades, associações e mesmo grupos empresariais, como é o caso da RBS _ que tem dedicado especial atenção à educação _, realizam muitas ações de apoio para os mais variados projetos na tentativa de superar esses desafios. Entretanto, falta ainda uma união de esforços e de, principalmente, um maior número de lideranças comprometidas com esses objetivos e que persistam com esses projetos.

Graças ao apoio de centenas de voluntários e da sociedade, a curta linha do tempo da Agenda 2020 até agora _ 2006-2014 _ mostra que o movimento tem posto na pauta de discussões dezenas de temas fundamentais, como saneamento, previdência e também aprofundado a análise e colocado inúmeras propostas para o poder público na saúde, educação, segurança, infraestrutura e ainda atingindo metas em áreas como inovação e tecnologia.

Planejamento de longo prazo de uma cidade ou região como tema de casa em muitos lugares do interior gaúcho é outra conquista da linha do tempo da Agenda 2020. O movimento colabora para mudar atitudes, comportamentos e estimula novos planos de conduta.

Na tarde desta quinta-feira, na Fiergs, centenas de gaúchos estarão discutindo esses desafios, voluntários do Interior pensando em desenvolvimento regional, e grupos focados em como melhorar a gestão pública. Todos buscando soluções, ajudando a Agenda 2020 a superar esses obstáculos e juntos sonhando com um Rio Grande do Sul melhor para se viver e trabalhar.

A MEDIDA DO DESENVOLVIMENTO





ZERO HORA, 28/05/2014


EDITORIAL


Posicionado na elite dos Estados brasileiros, entre os quais ocupa o quarto lugar desde 2005, o Rio Grande do Sul avança em ritmo inferior ao das demais unidades da federação, em grande parte devido à insuficiência na qualidade da educação. Essa dualidade exige atenção maior aos mecanismos de aferição para assegurar mais eficiência em correções de rumo que permitam ao Estado evoluir com mais celeridade. Foi justamente esse o objetivo que levou à criação do Índice de Desenvolvimento Estadual-RS (iRS), 
resultante de uma iniciativa de Zero Hora em parceria com a PUCRS. A intenção de ZH, no ano de seu cinquentenário, é oferecer uma nova ferramenta que contribua para o aperfeiçoamento das boas práticas de gestão pública e privada, permitindo que o Rio Grande possa ter a ambição de se transformar no Estado mais desenvolvido do país.

O propósito dos responsáveis pela definição do índice, lançado ontem, é dar início ao debate, e não encerrá-lo, sobre a necessidade de o Estado contar com indicadores referenciais comparativos com outros Estados. A metodologia utilizada é a mesma do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, aperfeiçoada pela possibilidade de divulgação anual, enquanto a ONU só apresenta as estimativas de Estados e municípios de 10 em 10 anos. O compromisso de permitir maior dinamismo fez com que fossem eleitas três dimensões relacionadas ao desenvolvimento: padrão de vida dos cidadãos, educação, longevidade e segurança. Os resultados do período entre 2005 e 2012, último ano com dados disponíveis, ajudam a entender sem maiores dificuldades por que o Rio Grande do Sul avança menos do que outros Estados.

A principal contribuição do iRS é a de mostrar que, das três dimensões aferidas, o item longevidade e segurança (mortalidade infantil, homicídios e mortes no trânsito) é o único em que o Estado tem uma evolução superior à do país. O que mais preocupa, e exige ação imediata, é a evolução insuficiente da educação, como demonstram os resultados da chamada Prova Brasil, aplicada na quarta série do Ensino Fundamental, e a taxa de distorção entre idade e série no Ensino Médio. E é preciso descobrir também por que sucessivas boas safras e mesmo o crescimento do PIB não implicam automaticamente resultados equivalentes nos indicadores de renda da população.

O objetivo do iRS é contribuir para que o Rio Grande do Sul perceba claramente em que aspectos vai bem e onde precisa melhorar. E, ao mesmo tempo, em que áreas e quando precisa corrigir rumos. Ao divulgar anualmente este índice, ZH espera oferecer aos cidadãos, bem como aos gestores públicos e privados, informações estatísticas valiosas para a definição de estratégias voltadas para o crescimento do Estado.




QUOCIENTE ELEITORAL E VOTOS INÚTEIS


ZERO HORA 28 de maio de 2014 | N° 17810

ARTIGOS


ANTÔNIO AUGUSTO MAYER DOS SANTOS*



Calha frisar que a introdução do quociente no Brasil foi através do Decreto nº 21.076. Porém, em 1932, quando não havia urna eletrônica, alistamento biométrico e os partidos eram em sua maioria regionais, pouco mais de 6% da população votava. Na quadra atual, quando 32 partidos estão registrados no TSE, a faixa de eleitores está em progressivo aumento e já atingiu mais de dois terços da população total do país, somente a eleição dos candidatos mais votados pode captar a vontade da massa votante.

A aplicação da nova regra evitaria a ocorrência de situações paradoxais repetidas a cada pleito, em que candidatos com poucos votos são eleitos na esteira de coligações ou candidatos bem votados, enquanto que outros, embora amparados em votações expressivas, não alcançam o quociente e não se elegem. Com isso, votos legítimos são tornados sem nenhuma importância. Na prática, são sufrágios esterilizados e inúteis arrasando o ideal de um homem, um voto.

O desprezo às maiores votações em decorrência de normas obsoletas consubstancia afronta à vontade do eleitor, sobretudo num país onde o voto é obrigatório e cada vez mais candidatos se apresentam para disputar eleições. A rigor, o quociente eleitoral expressa um idealismo jurídico soterrado pela modernidade democrática, perpetua situação inconvincente à política contemporânea, impõe exclusão, ocasiona perplexidades, fragiliza a igualdade de chances e vulnera o princípio igualitário do voto. Efetivando a sua revogação pela via legislativa, o sistema provaria estar adaptado aos progressos do tempo e da mentalidade, conforme ponderou Assis Brasil.

*Advogado e escritor

segunda-feira, 26 de maio de 2014

NOVA CLASSE MÉDIA VIVE DE BICO



O Estado de S.Paulo 26 de maio de 2014 | 2h 06


OPINIÃO




Uma parte da "nova classe média" brasileira depende de bicos para manter-se no patamar socioeconômico que alcançou. Essa constatação está em uma pesquisa que acompanhou o modo como as famílias dessa classe gerenciam sua renda. O levantamento, divulgado pelo Estado, indica uma grande dificuldade de obter estabilidade apenas com os ganhos do emprego formal, obrigando as famílias a complementar a renda com diversas atividades de caráter incerto. Dependentes da demanda por esses serviços informais, os pesquisados podem passar da classe B para a D em um curto espaço de tempo, às vezes de um mês para o outro.

Embora não tenha abrangido o País todo, a pesquisa é um claro indício de que a má qualidade do emprego no Brasil condena uma parcela importante dessa festejada classe de renda ao aperto permanente em razão das dívidas, da ignorância em relação à sua situação real e do despreparo técnico e educacional para buscar uma colocação mais rentável e estável.

"Podemos dizer que a classe C é classe média quando dá", disse Luciana Aguiar, diretora da consultoria Plano CDE, especializada em classes baixas e responsável pela pesquisa.

O levantamento observou o comportamento de 120 famílias de quatro capitais - São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Durante seis meses, os pesquisadores acompanharam minuciosamente a contabilidade desses grupos. Todas as famílias apresentaram alguma oscilação entre classes sociais. Em ao menos um caso, os pesquisados deixaram a condição de pobres, frequentaram a classe C e passaram pela B, sem nenhuma garantia de que lá permaneceriam.

Isso acontece porque essas famílias têm um ganho fixo muito baixo, que frequentemente nem é fruto de trabalho formal, e só de benefícios sociais, como aposentadoria e Bolsa Família. A renda, portanto, tem de ser complementada com serviços eventuais - que muitas vezes resultam em ganhos maiores do que os proporcionados pelo fixo.

A variação da renda não seria um problema em si se as famílias pesquisadas tivessem reservas para os momentos de aperto. No entanto, graças ao crescimento da oferta de crédito e ao estímulo do governo à gastança, elas se endividaram fortemente nos últimos tempos e quase tudo do pouco que ganham é destinado ao pagamento dos débitos em atraso. Quando o teto da renda é ultrapassado, geralmente lançam mão do cartão de crédito como meio de pagamento de dívidas - há famílias com até dez cartões.

Um aspecto importante do levantamento é que muitos entrevistados só entendem que estão endividados quando não conseguem pagar as prestações ou renegociar os débitos. Parte da "nova classe média" não reconhece como dívida as prestações que ainda não venceram nem as que já estão em atraso, mas somente aquelas que o credor não aceitou renegociar. Isso significa que, mesmo endividadas, as famílias dessa classe continuam a consumir sem fazer provisão para pagar os débitos. Ao contrário: para seguir o padrão imaginado para a classe, elas ampliaram o cardápio de consumo, incluindo TV por assinatura, internet, plano de saúde e escola particular, estreitando ainda mais sua margem de manobra para enfrentar a oscilação de renda.

Desse modo, a "nova classe média" enfrenta as pressões típicas da classe média tradicional, como a inflação de alimentos e de serviços, sem ter uma estrutura orçamentária e social condizente com essa situação. Para os pesquisadores, a conjunção entre a alta de preços e a precariedade do trabalho torna essas famílias especialmente vulneráveis às mudanças de mercado.

Para que a "nova classe média" se torne estável, portanto, é preciso que haja investimento contínuo em qualificação profissional e em educação formal - uma condição crucial para enfrentar momentos como o atual, em que o mercado de trabalho, em especial no estagnado setor industrial, começa a perder o fôlego e a maior parte dos empregos que gera é de baixa qualidade.

domingo, 25 de maio de 2014

A BAGUNÇA DO TRANSPORTE PÚBLICO BRASILEIRO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2322, 23.Mai.14 - 20:50



EDITORIAL

Carlos José Marques, diretor editorial


É insustentável e sempre operou precariamente, para dizer o mínimo, o modelo de mobilidade urbana em vigor no País, que está a exigir urgente reformulação. O sistema de transporte público, principal artéria do processo, foi colocado em xeque. Já ficou claro que ele não atende sequer remotamente as necessidades nacionais. E vem gerando revolta, indignação e protestos de toda ordem. 

Rotineiramente a população é tratada como gado em trens, metrôs, ônibus e nas improvisadas vans que circulam pelas ruas, quando não fica sem opção. Os espetáculos de caos e inoperância são tão frequentes que os focos cada vez mais raros de bom funcionamento viram registro digno de nota. Lamentável o estágio que o Brasil alcançou nesse quesito. 

O ex-presidente Lula, em mais um infeliz comentário, chegou a dizer dias atrás, numa alusão a obras de mobilidade previstas e não concluídas para a Copa, que “é babaquice chegar de metrô dentro de estádio”. Alegou que quem quer ir aos jogos “vai a pé, vai de jumento, vai de qualquer coisa”. O descaso das autoridades com o assunto mobilidade parece a regra e Lula deu apenas mais uma demonstração nesse sentido. O problema decerto abrange, sem distinção partidária ou de status de poder, as esferas municipal, estadual e federal. 

No País inteiro, em meados do ano passado, as manifestações de rua e a mobilização geral tiveram como estopim o aumento nas passagens de ônibus. Só as autoridades, ao que tudo indica, ainda não entenderam o quanto é importante para a sociedade desatar esse nó do transporte. Deveriam aprender com a penosa experiência. A omissão de governantes, que não trazem saídas efetivas para a questão, parece a tônica, muito embora eles tratem do assunto a cada proximidade de eleição. É bandeira prioritária de campanha e de programa de gestão. Mas depois de eleitos deixam a promessa cair no vazio. Quando espocam crises, eles habitualmente partem para o jogo de empurra-empurra político, qualquer que seja o motivo: desde a revelação de esquemas de propina e desvio de recursos nos metrôs da vida até a ação de baderneiros e deliquentes que, quando querem, param a malha de ônibus e estrangulam as chances de locomoção dos usuários. 

O Brasil de dimensões continentais ainda não possui sequer um sistema ferroviário à altura do nome. Imperam as falcatruas e a bagunça de oportunistas, como voltou a acontecer na semana passada em São Paulo. Motoristas e cobradores sabotaram deliberadamente e com métodos abomináveis o direito de ir e vir dos paulistanos em nome de uma greve arbitrária, violenta e sem aviso prévio, às fuças de autoridades, que nada fizeram além de reclamar. Um triste retrato da falência do modelo.

sábado, 24 de maio de 2014

A ECONOMIA DA MARMOTA

 

O Estado de S.Paulo 24 de maio de 2014 | 2h 03


*Rolf Kuntz



No filme Feitiço do Tempo, de 1993, um repórter especializado em meteorologia vai a uma pequena cidade para cobrir a celebração do Dia da Marmota. Nessa data, 2 de fevereiro, a reação do bicho ao sair da toca para a luz do dia indica se o inverno logo terminará ou vai durar pelo menos mais seis semanas. Essa é a crença tradicional. Terminado o trabalho, o repórter quer partir, mas fica preso na cidade, numa armadilha de cenas repetidas. O noticiário econômico no Brasil é cada vez mais parecido com a história de Groundhog Day, título original do filme. O governo vai mais uma vez maquiar suas contas com receitas excepcionais, segundo confirmou o Ministério do Planejamento na revisão bimestral do Orçamento. A inflação anual continua rodando em torno de 6%. O déficit em conta corrente permanece na vizinhança de 3,6% do produto interno bruto (PIB) em 12 meses. O País mais uma vez apareceu numa das últimas posições - 54.ª em 60 - numa classificação de competitividade. O crescimento econômico projetado pelo governo, 2,5%, na revisão orçamentária, é mais uma vez um pouquinho melhor que o do ano anterior e, de novo, maior que o estimado pelos economistas fora do setor público.

Também como de costume, o Ministério do Planejamento elevou a inflação projetada para o ano, desta vez de 5,3% para 5,6%. A projeção, como sempre, é mais otimista que a do pessoal do mercado financeiro e das consultorias. Como sempre, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, festeja as poucas novidades positivas e anuncia inflação em queda nos meses seguintes. Mas tudo indica uma repetição mais ampla da história bem conhecida.

Os números mais recentes, o IPCA-15, oficial, e o IPC-S, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontaram algum recuo nas últimas semanas. O IPCA-15, divulgado no dia 21, caiu de 0,78% em abril para 0,58% em maio. A queda parece um excelente sinal. Mas o índice de difusão ainda mostrou aumentos em 67,4% dos preços cobertos pela pesquisa. Mesmo com menor pressão dos alimentos, a contaminação permanece muito ampla. O IPC-S, anunciado no dia 23, recuou de 0,78% na segunda para 0,69% na terceira quadrissemana de maio. As médias mensais de aumento dos principais índices de preços ao consumidor continuam acima de 0,5% ao mês - acima, portando, de 6% ao ano. O comentário é o mesmo: falta muito para se alcançar um ritmo civilizado de remarcação de preços.

Além disso, os analistas foram unânimes ao negar qualquer surpresa. Essa evolução era esperada e, além disso, muito parecida com a observada em outras ocasiões. As projeções coletadas pelo Banco Central (BC) indicam recuo das taxas mensais até agosto e em seguida uma reaceleração. Na hipótese mais otimista, os aumentos de juros acumulados a partir de abril do ano passado começam a fazer efeito, impondo freio ao consumo privado. Mas isso, por enquanto, é só uma hipótese.

Além do mais, as contas públicas, um dos principais fatores inflacionários, continuam em mau estado. O governo planeja fechar as contas, mais uma vez, com receitas de concessões, dividendos de estatais e mais uma rodada de pagamentos do Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias.

Nada de novo nessa frente. Concessões e dividendos devem render juntos, neste ano, pelo menos R$ 37,4 bilhões. Só isso representa 46,3% do superávit primário de R$ 80,8 bilhões programado para o governo central. Somado o dinheiro do Refis, o total vai além de 70%. Austeridade fiscal? Nem pensar. Também nisso a história se repete, como se o tempo estivesse enfeitiçado.

A repetição é a regra também no conjunto das contas externas. Desde agosto do ano passado o déficit em conta corrente acumulado em 12 meses permanece na vizinhança de 3,6% do PIB. A conta corrente é a soma algébrica da balança comercial, da balança de serviços e rendas e das transferências unilaterais. O déficit final de 2013 chegou a US$ 81,07 bilhões, 3,62% do PIB. O acumulado nos 12 meses até abril bateu em US$ 81,61 bilhões, 3,65% . Para o ano o BC projeta um buraco de US$ 80 bilhões, 3,59% do PIB.

O problema principal, como nos últimos seis anos, é a deterioração do comércio de mercadorias. De janeiro a abril o resultado foi um déficit de US$ 5,57 bilhões, com recuo tanto das exportações quanto das importações. Nas três primeiras semanas de maio houve alguma melhora, mas o acumulado no ano ainda foi um déficit de US$ 4,78 bilhões. Como ocorre há muitos anos, só as exportações de minérios e do agronegócio evitaram um rombo maior. De janeiro a abril o agronegócio contabilizou um superávit de US$ 24,14 bilhões, 0,2% menor que o de um ano antes por causa do recuo de alguns preços. Mas o déficit do conjunto dos manufaturados e semimanufaturados foi mais que suficiente para anular esse resultado e ainda produzir um déficit geral na conta de mercadorias.

Aí aparece, de novo, o problema da competitividade. O agronegócio tem sido capaz de enfrentar os muitos obstáculos da logística, da tributação e outros obstáculos característicos da economia brasileira, mas a maior parte da indústria continua travada pelas ineficiências do ambiente econômico e pelos próprios problemas de produtividade. Feito o balanço geral, a posição do Brasil na pesquisa anual do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, parece muito natural. Numa lista de 60, o País só fica acima de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Argentina, Croácia e Venezuela. Em melhores posições aparecem o Chile (31.ª), o México (41.ª), o Peru (50.ª) e a Colômbia (51.ª). Os demais Brics - China, Rússia, Índia e África do Sul - também superam o Brasil.

Se depender da política econômica, ninguém deve esperar grande mudança da história neste ano. Mas se faltar coragem ou competência para a busca de um novo rumo, a repetição será substituída por uma piora do enredo. A marmota, podem acreditar, será inocente.

*
JORNALISTA

PERDENDO AS ESTRIBEIRAS?


O ESTADO DE S.PAULO 24 de maio de 2014



OPINIÃO



Para quem vive no Brasil, não é propriamente uma novidade, mas a recente fala de Lula, classificando como "babaquice" o desejo popular de que os estádios de futebol tenham boa conexão com o transporte público - discursava naturalmente para uma plateia condescendente -, traz um dado novo ao atual contexto político. Demonstra que com certo atraso ele entendeu as pesquisas de opinião de abril. Percebeu o problema que tem pela frente e está desnorteado, falando a coisa errada na hora errada.

A pesquisa do Ibope do mês passado apontava, por exemplo, que 68% dos entrevistados tinham a expectativa de que se modifique a forma de governar o País e 64% diziam que preferiam essa mudança com "outro presidente". Lula entendeu o recado: Dilma precisa desesperadamente dele. Mas não é apenas isso o que está fazendo Lula perder as estribeiras; o problema é mais profundo.

A situação atual é muito diversa da de 2010. Há quatro anos, tratava-se de criar uma personagem a partir do zero. Agora, ele precisa recriar uma candidata com enorme passivo político, que não poupou esforços em desmentir a imagem de gerente competente.

Dilma não pode culpar as circunstâncias, internas ou externas, pelo seu pífio governo. Teve maioria no Congresso e, por bom tempo, altos índices de popularidade, a economia internacional melhorou, a arrecadação interna aumentou. E ainda recebeu um generoso dote do padrinho político: a realização da Copa do Mundo no seu governo. Quem poderia imaginar melhor cenário do que esse para a mãe do PAC atuar e deixar patente ao mundo inteiro a sua competência?

Mas a companheira Dilma, tão obediente nos tempos de juventude, insistiu na incompetência e em incompetentes, manifestando uma incrível capacidade de transformar oportunidades em problemas. A Copa do Mundo é o exemplo mais evidente dessa sua "qualidade".

Há motivos para acender a luz vermelha no painel político de Lula. Os dois presidentes anteriores reelegeram-se. Agora, quando era a vez de Dilma, a imprevisibilidade é consenso, e Lula precisa entrar novamente em cena, para recriar a candidata. Isso não significa que está afastada a possibilidade de ele concorrer. Se alguma coisa o recente doutor honoris causa por Salamanca ensinou-nos durante os últimos anos é a de que não se deve ouvi-lo literalmente. Até a Convenção Nacional do PT, em junho, tudo pode acontecer.

O destempero da fala de Lula sobre a expectativa do brasileiro em relação aos serviços públicos evidencia também que ele captou a mensagem das manifestações de junho. Embora não tenha se dirigido diretamente contra o ex-presidente petista, a voz das ruas protestou contra a situação, e ninguém mais do que ele é responsável pelo que está aí. Os onze anos de governo do PT deixam uma herança maldita não apenas na economia e nos serviços públicos, mas de retrocesso político (que é a outra face da moeda do populismo), administrativo (não é novidade que Pasadena é apenas a ponta do iceberg) e institucional (a começar pelas agências reguladoras).

Mas será que isso é suficiente para que Lula ande dizendo o que está dizendo? Não é novidade que ele fale coisas sem muito nexo. Tem a rara capacidade que Andy Hertzfeld, um dos pais do Macintosh, atribuiu certa vez a Steve Jobs: a de criar um campo de distorção da realidade, posteriormente definida como a habilidade de acreditar e fazer acreditar em quase tudo, pelo carisma, exagero e marketing persistente, distorcendo o sentido coletivo de proporção e dimensão.

No entanto, Lula não está apenas falando coisas sem nexo. A sua própria bússola política está desorientada: enfrenta ele legítimas aspirações populares com uma arrogância típica da sua sucessora? Talvez seja um sintoma de que tenha compreendido o seu verdadeiro problema político. Gaba-se de eleger qualquer poste, mas agora - e aqui está o seu calcanhar de aquiles - ele não pode escolher o poste. Já foi escolhido há quatro anos, noutro cenário político. Certamente, a companheira Dilma, combalida por sua própria incompetência, não seria a sua atual opção. É uma das consequências de ser governo, que ele parece não ter aprendido: os seus atos geram responsabilidade. Mas essa palavra ainda não está no seu dicionário.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O ODIOSO PRIVILÉGIO DO FORO ESPECIAL PARA ALGUNS


JORNAL DO COMÉRCIO 21/05/2014


EDITORIAL



As leis, dizem os doutos, têm o seu próprio espírito. Quando são elaboradas, elas contêm uma ideia intrínseca do motivo pelas quais foram criadas. A imunidade parlamentar é uma delas. Por delito de opinião, nenhum parlamentar poderá ser condenado, desde que fale da tribuna e defendendo seus princípios, sem calúnia, injúria ou difamação. Assim mesmo, nestes três casos, terá direito ao foro privilegiado, sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, o Brasil foi assombrado por decisão chocante justamente de um ministro do STF.

O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, afirmou ao ministro do STF Teori Zavascki que havia risco de fuga para o exterior se outros presos da Operação Lava Jato fossem libertados. É que Teori Zavascki determinou a soltura dos indiciados da Lava Jato e a remessa ao Supremo dos processos relacionados ao tema, em razão do envolvimento de deputados federais, que têm foro privilegiado e só podem ser investigados no âmbito do STF. O ministro analisou uma petição apresentada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, na qual afirma que o magistrado do Paraná não tinha competência para decretar a prisão dele. Porém, o juiz Sérgio Moro relacionou oito ações penais envolvendo Paulo Roberto Costa, que foi libertado. Mas, só ele. Com a repercussão negativa, o ministro Teori Zavascki afirmou que pediu os processos da Operação Lava Jato para não tomar decisões precipitadas. E adiantou que aqueles envolvidos também com tráfico de drogas permanecerão presos.

O juiz Sérgio Moro alertou sobre ação penal que envolve o tráfico de 698 quilos de cocaína e que um dos presos foi detido na Espanha. São os absurdos de uma legislação penal superada pelos anos, os fatos e a tecnologia atual. Mantemos o bacharelismo, a filigrana jurídica, a postergação legal e o detalhismo das entrelinhas que colocariam em liberdade pessoas incriminadas, com provas robustas, por um juiz federal.

Simultaneamente, e piorando a sensação geral de corrupção, o deputado estadual do Mato Grosso José Riva (PSD) foi preso pela Polícia Federal em Cuiabá. José Riva está afastado judicialmente da presidência da Assembleia Legislativa e é um dos deputados mais processados do Brasil. Ele responde a mais de 103 ações nas esferas cível e criminal, por crimes como improbidade administrativa e corrupção. Isso é concebível em um País que deseja ser respeitado interna e externamente? Também foi vasculhada a casa do governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB). Policiais estiveram nos gabinetes do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Sérgio Ricardo, e do prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (PSB).

Na operação, foi preso o ex-secretário da Fazenda e da extinta Agência Estadual de Execução dos Projetos da Copa do Mundo do Pantanal, Éder Moraes. Então, não esperem os brasileiros, por maior que seja a boa vontade da maioria do Judiciário e legisladores, que consigamos conhecer todas as verdades capitais e primitivas sobre a causa das nossas mazelas. É que mudarão os erros, as fábulas e as hipóteses, mas, como está, jamais alcançaremos os conhecimentos que possibilitem mudarmos a natureza humana e fazer a nós próprios, brasileiros, diferentes do que somos. Os códigos penais têm que ser atualizados.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

CHANTAGEM DE ROSE CONTRA O GOVERNO DILMA

REVISTA VEJA EDIÇÃO DE 21/MAI/2014


Rosemary Noronha fez chantagem contra o governo Dilma. Dizendo-se abandonada, a ex-chefe do escritório da Presidência da República queria ajuda — e conseguiu
Robson Bonin


Rosemary Noronha

A discrição nunca foi uma característica da personalidade da ex­-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha. Quando servia ao ex-presidente Lula em Brasília, ela era temida. Em nome da intimidade com o “chefe”, como às vezes também se referia a ele, Rose fazia valer suas vontades mesmo que isso significasse afrontar superiores ou humilhar subordinados. Nos eventos palacianos, a assessora dos cabelos vermelhos e dos vestidos e óculos sempre exuberantes colecionou tantos inimigos — a primeira-da­ma não a suportava — que acabou sendo transferida para São Paulo. Mas caiu para cima. Encarregada de comandar o gabinete de Lula de 2009 a 2012, Rose viveu dias de soberana e reinou até ser apanhada pela Polícia Federal ajudando uma quadrilha que vendia facilidades no governo. Ela usava a intimidade que tinha com Lula para abrir as portas de gabinetes restritos na Esplanada. Em troca, recebia pequenos agrados, inclusive em dinheiro. Foi demitida, banida do serviço público e indiciada por crimes de formação de quadrilha e corrupção. Um ano e meio após esse turbilhão de desgraças, no entanto, a fase ruim parece ter ficado no passado. Para que isso acontecesse, porém, Rosemary chegou ao extremo de ameaçar envolver o governo no escândalo.

Em 2013, no auge das investigações, quando ainda lutava para provar sua inocência, a ex-se­cretária Rosemary procurou ajuda entre os antigos companheiros do PT — inclusive Lula, o mais íntimo deles. Desempregada, precisando de dinheiro para pagar bons advogados e com medo da prisão, ela desconfiou que seria abandonada. Lula não atendia suas ligações. O ex-ministro José Dirceu, às vésperas da fase final do julgamento do mensalão, estava empenhado em salvar a própria pele e disse que não podia fazer nada. No Palácio do Planalto, a ordem era aprofundar as investigações. Em busca de amparo, Rose concluiu que a única maneira de chamar a atenção dos antigos parceiros era ameaçar envolver figuras importantes do governo no escândalo. Mensagens de celular trocadas pela ex-secretária com pessoas próximas mostram como foi tramada a reação. Magoada com o PT por ter permitido que a Casa Civil aprofundasse as investigações sobre suas traficâncias, Rose destila ódio contra a então ministra Gleisi Hoffmann. Em uma conversa com um amigo, em abril do ano passado, desabafa: “Tão chamando a ministra da Casa Civil de Judas!!! Ela bem que merece!!!”. O interlocutor assente: “Ela vazou a porcaria toda. Vamos em frente”. Rose acreditava que o próprio Palácio do Planalto estava por trás das revelações sobre o desfecho da sindicância — “a porcaria toda” — que apontava, entre outras irregularidades, o seu enriquecimento ilícito no cargo.

Com o fundo do poço cada vez mais próximo, Rosemary decidiu arrastar para dentro do escândalo figuras centrais do Planalto e, se possível, a própria presidente Dilma Rousseff. A estratégia consistia em constranger os antigos colegas de governo pressionando-os a depor no processo que tramitava na Controladoria-Geral da União. “Quero colocar o Beto e a Erenice Guerra”, diz Rose em uma mensagem. “Você quer estremecer o chão deles?”, questiona o interlocutor. “Sim”, confirma Rose. “Porque vai bombar. Gilberto Carvalho também?”, indaga. “O.k.”, devolve ela. As autoridades que deveriam “estremecer” não foram escolhidas por acaso. Atual chefe de gabinete da presidente Dilma Rousseff, Beto Vasconcelos era na ocasião o número 2 da Casa Civil. Ao lado da ex-ministra Erenice Guerra, ele servira a Dilma no Planalto durante anos. Rose os conhecia como a palma da mão e sabia que eles tinham plena consciência do seu temperamento explosivo. A conclusão da conversa no celular, resumida pelo interlocutor, revela as reais intenções da ex-secretária: “Vai rolar muito stress... Vão bater na porta da Dilma. Vão ficar assustados”.

O plano embutia um segundo objetivo. Rosemary também queria se reaproximar de um ex-amigo em especial. Ao tentar “estremecer” o chão de Gilberto Carvalho, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência e homem de confiança de Lula, Rose tinha um propósito bem específico. Ela queria restabelecer as suas ligações com “Deus”, como a ex-sec­retária­­ costuma se referir ao ex-presidente Lula. Em outra troca de mensagens de celular, um interlocutor diz a Rose que, com a indicação das testemunhas — Gilberto Carvalho, Beto Vasconcelos e Erenice Guerra — no processo da CGU, “o momento é oportuno para aproximação com Deus...”. Mas a ex-pro­tegida de Lula se mostra cética e insatisfeita. “Vai ser difícil. Ele está com muitas viagens. Não posso depender dele”, diz Rose. Não se sabe exatamente o que aconteceu a partir daí, mas a estratégia funcionou. Um dos homens mais próximos a “Deus”, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, cuidou pessoalmente de algumas necessidades mais imediatas da família de Rosemary durante o processo. Além de conseguir ajuda para bancar um exército de quase quarenta juristas das melhores e mais caras bancas de advocacia do país, a ex-se­cretária reformou a cobertura onde mora em São Paulo e conseguiu concretizar o antigo projeto de ingressar no mundo dos negócios.

Rosemary comprou uma franquia da rede de escolas de inglês Red Balloon. Para evitar problemas com a ficha na polícia, o negócio foi colocado no nome das filhas Meline e Mirelle e do ex-marido José Cláudio Noronha. A estratégia para despistar as autoridades daria certo não fosse por um fato. A polícia já havia apreen­dido em 2012, na casa de Rose, todo o planejamento para aquisição da franquia. Os documentos mostravam que o investimento ficaria a cargo da quadrilha que vendia influência no governo. Na época, a instalação da escola foi orçada em 690 000 reais — padrão semelhante aos valores praticados atualmente no mercado —, dinheiro que Rosemary e seus familiares não possuíam. Como, então, a família que informava ter um patrimônio modesto conseguiu reunir os recursos? Procurada por VEJA, Meline Torres, responsável pela administração da escola, informou que todos os investimentos foram realizados a partir de “economias”. “Eu trabalhei muito durante a minha vida (Meline tem 29 anos). Trabalho desde os 18 anos com registro em carteira e tenho poupança. Meu pai também está me ajudando com recursos dele, aliás, do trabalho de uma vida”, explicou. Rosemary não quis se pronunciar.


domingo, 18 de maio de 2014

UM PAÍS DIFERENTE E INCRÍVEL


O ESTADO DE S.PAULO 18 de maio de 2014 | 2h 09


Gaudêncio Torquato*


Uma no cravo: "Não apareça pensando que o Brasil é a Alemanha". Outra na ferradura: "O Brasil é um país incrível". Os dois conceitos, expressos pela mesma boca em menos de uma semana, mostram como a verdade, por estas plagas, é tão relativa quanto as projeções que os brasileiros fazem do desempenho da seleção canarinho na Copa. O francês Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, tem sido um dos melhores intérpretes do modus faciendi nacional, ora criticando a lentidão das obras nas 12 arenas esportivas que sediarão os jogos, ora alertando turistas contra a insegurança e a precária infraestrutura: "Na Alemanha você pode dormir no seu carro, mas você não pode fazer isso (no Brasil). Não apareça pensando que é fácil se locomover"; ora incentivando as torcidas: "Podem esperar um país que tem música, samba e uma série de coisas que o tornam único no mundo". Há alguns meses, esse cavaleiro andante já prometera "dar um chute no traseiro do Brasil". Desculpas esfarrapadas não desfizeram a impressão de que respingos da fala toldaram a bandeira de nossa soberania. Há tempos, porém, florescem por aqui a leniência, a cultura do "deixa pra lá", a mania de esconder sujeira debaixo do tapete.

O fato é que o País tem decaído no ranking da reputação internacional. A própria organização da Copa tem contribuído para as manchas que se acumulam na imagem brasileira, decorrentes da torrente expressiva em torno de construções inacabadas em quase todos os setores da infraestrutura, nas frentes da mobilidade urbana, nas áreas de portos e aeroportos e nas obras inconclusas dos estádios, principalmente em São Paulo, Curitiba e Cuiabá. Debaixo dessa aparente teia que une os fios da morosidade, da burocracia, da falta de planejamento, de alterações de projetos, improvisação e visões díspares, Valcke deve se sentir confortável para, vez ou outra, apertar os calos das autoridades, possivelmente imaginando que seu conterrâneo, Charles de Gaulle, teria mesmo declarado que "o Brasil não é um país sério" (a bem da verdade, o general nunca disse isso. O autor foi Carlos Alves de Souza Filho, genro do ex-presidente Artur Bernardes, na época em que era embaixador na França, entre 1956 e 1964. A referência teve como motivo a Guerra da Lagosta, envolvendo a captura de lagostas por embarcações francesas).

Também é fato que o País não tem reagido no mesmo tom às ferinas cutucadas que recebe, ou por não desejar pôr lenha na fogueira, preferindo driblar as controvérsias com a diplomática crença do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, para quem "o objetivo comum do Brasil e da Fifa é a realização da melhor Copa do Mundo de todos os tempos", ou sob o argumento de que "somos a sexta economia do mundo, temos protagonismo importante nas relações internacionais e já fizemos muita coisa mais importante do que organizar uma Copa de futebol".

Nesse ponto, o ministro saltou além das pernas. Já não somos tão protagonistas como antes. Há cinco anos, o então presidente Luiz Inácio, por ocasião da reunião do G-20 em Londres, era cumprimentado efusivamente por Barack Obama com o chiste amistoso: "Este é o cara". O Brasil orgulhava-se de ter liquidado seu débito com o FMI e exibir um dos mais eficazes programas de distribuição de renda do planeta. A situação, hoje, mostra o País deixando de ser a sexta economia - posição que ostentou apenas por alguns meses em 2012 -, devendo encolher US$ 2,1 trilhões este ano, para ocupar o 9.º lugar, atrás da Índia e da Rússia, membros dos Brics.

O brilho com que o País se apresentava nos foros internacionais ganha densa camada de pó. A fosforescência que iluminava sua aura parece se apagar, engolfada na poeira dos movimentos de rua e esmaecida pelo rufar de escândalos, denúncias de corrupção e ecos retumbantes da Ação Penal 470, tudo a indicar altas doses de efervescência e disposição de grupos para desfraldar as bandeiras pintadas de demandas.

Intensificam-se os movimentos que, esta semana, foram às ruas em cerca de 50 cidades; até policiais federais cruzam os braços. Pode-se compreender o animus animandi da sociedade quando se abrem as cortinas eleitorais e as portas dos estádios que abrigarão o maior evento esportivo mundial. Fica claro que parcela ponderável das correntes que gritam palavras de ordem quer aproveitar os ventos favoráveis do clima pré-Copa.

Os ecos tornam-se mais fortes, as demandas, mais audíveis, e os ouvidos dos atores políticos, mais atenciosos. A algaravia se estabelece, com troca de sinais entre concorrentes e adversários, cada qual imprimindo força ao discurso, sem compromisso com coerência ou consistência ideológica. O Brasil é mesmo o país do vice-versa. Quem pregava, anteontem, a lição do medo? O PSDB da era Fernando Henrique. Deu certo. Quem pregava, ontem, a lição da esperança contra o medo? O PT da era Lula. Deu certo. Hoje, petistas usam o medo e tucanos, a esperança, como alavanca das urnas. Nada como um dia após o outro para ver a troca de posição entre os opostos. A ética? Ora, uma questão de ponto de vista. O trigo de um é o joio do outro. Com os polos se invertendo, a paisagem institucional se vê tomada por uma crise de autoridade, perceptível em atos de vandalismo, invasões de espaços e devastação de patrimônios, a denotar estado de anomia.

Por fim, a inferência. Seja qual for o desempenho da seleção brasileira no tão aguardado evento, uma coisa parece certa: o Brasil não será o mesmo. O tal "legado da Copa" suscitará polêmicas: algumas arenas se transformarão em elefantes brancos? Haverá recursos para sua manutenção? À luz da arquitetura futurista dos estádios, como serão vistas escolas, hospitais, vias de acesso no entorno? A precariedade do Brasil em desmanche não contrastará com a exuberância do Brasil monumental? Jérôme Valcke, de longe, mas pertinho dos cofres locupletados da Fifa, deverá abrir um sorriso: "Que Brasil incrível; o passo maior que as pernas vai lhe dar dor de cabeça".


JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO

O DESASTRE EM NÚMEROS


O Estado de S.Paulo 18 de maio de 2014 | 2h 08


OPINIÃO


O falatório triunfal da presidente Dilma Rousseff, empenhada cada vez mais em fazer campanha e cada vez menos em governar, foi desmentido mais uma vez por números oficiais. A economia continua emperrada e nem a repetição de um resultado pífio como o do ano passado está garantido, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB). A atividade encolheu 0,11% de fevereiro para março e no primeiro trimestre foi apenas 0,3% maior que nos últimos três meses de 2013. Esses e outros dados apontam um começo de ano muito ruim, com indústria em ritmo de tartaruga, inflação elevada, contas externas em mau estado e muita desconfiança entre empresários, investidores e consumidores.

Em março, a atividade foi 0,27% mais alta que a de março de 2013, na série depurada de efeitos sazonais. A média do trimestre foi 1,02% maior que a de janeiro a março do ano passado. Em 12 meses o crescimento acumulado ficou em 2,11%. Além de muito fracos, os números apontam uma desaceleração iniciada em novembro.

Com base no material do BC, consultorias e departamentos econômicos de bancos tentaram estimar, já na manhã de sexta-feira, a evolução do PIB nos primeiros três meses deste ano. Os primeiros resultados ficaram entre crescimento zero e um avanço muito pequeno. Nesta altura, mesmo as taxas de expansão projetadas para o ano, geralmente abaixo de 2%, parecem otimistas, segundo técnicos do mercado.

Na segunda-feira, o BC havia divulgado a mediana das projeções coletadas na sexta-feira anterior na pesquisa Focus, uma consulta semanal a cerca de cem consultorias e instituições financeiras. Essa mediana havia subido de 1,63% para 1,69%. Apesar da ligeira elevação, continuava abaixo da estimativa publicada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) na segunda semana de abril: 1,8%.

Projeções são sujeitas a erros e apenas para especulação vale a pena apostar neste ou naquele número, quando as diferenças, para todos os demais efeitos, são pouco relevantes. Neste caso, o ponto importante parece muito claro: nenhuma estimativa, nem mesmo do governo, aponta para um desempenho econômico muito melhor que o do ano passado.

Pela primeira estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB cresceu 2,3% em 2013. A segunda estimativa deverá refletir, entre outros fatores, o novo critério de cálculo da produção industrial, com universo maior e nova ponderação dos subsetores. Com essa mudança, o aumento do PIB da indústria passou de 1,2% para 2,3%.

Essa alteração, tomada isoladamente, dificilmente levará o cálculo total do PIB a um resultado muito melhor que o já divulgado. Em resumo, os dados oficiais do ano passado continuarão ruins - ou muito ruins, se comparados com os de outros países emergentes - e os números deste ano só serão melhores que os de 2o13 se algum fator especial turbinar a produção nos meses restantes. Nenhum fenômeno desse tipo parece ter ocorrido a partir de abril.

Até o estímulo ao consumo, linha principal da política econômica nos últimos anos, parece perder eficácia. O crédito continua em expansão, mas em ritmo mais lento que nos anos anteriores e os juros estão mais altos. Além disso, a redução do estímulo fiscal seletivo já se reflete no menor dinamismo da indústria automobilística. Como complemento, a inflação persistente afeta o poder de compra das famílias e reduz o entusiasmo dos consumidores. Em março, o comércio varejista restrito vendeu 1,1% menos que um ano antes. O comércio ampliado (com inclusão de veículos, autopeças e material de construção) ficou 5,7% abaixo do nível de março de 2013. O resultado é explicável principalmente pelo setor de veículos e componentes, com vendas 16% inferiores às do mesmo mês do ano anterior.

Esse quadro é consequência previsível de uma política centrada no estímulo ao consumo, sem preocupação com a produtividade e com inegável tolerância à inflação. Até agora, a reação do governo tem consistido em prometer mais do mesmo.

O BRASIL DA SONECA


ZERO HORA 18 de maio de 2014 | N° 17800


EM DIA | Daniel Randon

Diretor-presidente da Fras-le SA


Artigo publicado na revista The Economist considera os nossos trabalhadores pouco produtivos. A foto mostra um homem de chapéu com a bandeira do Brasil descansando em uma rede na praia. Como brasileiro, me senti ofendido com o estereótipo, embora saiba que nossa produtividade nas últimas décadas tem sido baixa em relação aos países emergentes.

O incremento de produtividade está ligado à necessidade de melhorias em temas estratégicos como educação, infraestrutura, energia e inovação.

O problema central é que no Brasil não existe perspectiva de planejamento de longo prazo, pensada para 10 ou mais anos. Precisamos construir uma visão comum de longo prazo, concebida de forma pluralista por várias mãos e mentes, independentemente de ideologias e de colorações político-partidárias.

Enquanto a sociedade não alongar seu olhar para além do curto prazo – ou da próxima eleição – visando ao interesse comum, estaremos fadados a continuar improdutivos, no município, no Estado e na União. No Rio Grande do Sul, temos bons exemplos no sentido de melhorar a produtividade. O Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) é uma referência que atende ao setor privado e ao público na busca da excelência, disseminando conhecimentos de gestão e inovação. Há empresas participantes do PGQP que, mesmo em cenário adverso, conseguem ser competitivas em nível global. E casos de sucesso no setor público com melhoria do serviço e redução de custo.

A campanha da ADVB-RS Rio Grande do Sim é outro movimento de atitude e de mobilização. A implantação da Política Industrial do Rio Grande do Sul, que tem o Fundo Operação-Empresa (Fundopem) como instrumento, precisa ser legitimada como política de Estado para diferentes governos.

Motivações locais como essas precisam repercutir e ter continuidade. Assim vamos mostrar que não somos o Brasil da soneca. Ao contrário, somos um país de talentos, com povo multicultural, flexível e capaz de se adaptar, com potencial de produtividade maior do que outros países emergentes.

Daniel Randon escreverá uma vez ao mês neste espaço



FALTOU CAPACIDADE DE ARTICULAÇÃO QUE SOBRA EM LULA, DIZ COLLOR, INOCENTADO PELO STF



ZERO HORA 18 de maio de 2014 | N° 17800


COM A PALAVRA

FERNANDO COLLOR DE MELLO

“Foi um erro primário atiçar o adversário sem ter defesas




Logo depois da absolvição no Supremo Tribunal Federal, no mês passado, o senhor perguntou na tribuna quem poderia devolver tudo o que perdeu. Já tem a resposta?

A frase, inclusive, é da lavra da minha mulher. Numa noite, após o julgamento, ela disse: “Quem vai lhe devolver tudo aquilo que você perdeu, ou que tiraram de você?” Eu disse que era uma boa pergunta, mas ela respondeu que o povo vai devolver, referindo-se às eleições. De certa forma, isso começou com a minha eleição lá atrás (em 2006, ao Senado por Alagoas). É a única instância do sistema democrático que poderá me devolver, ao menos em parte, aquilo que me foi tomado.

Como se sente em relação ao impeachment?

Os anos de humilhação e de execração, isso já ficou para trás, já faz parte do meu ser, como um sofrimento, que gerou um aprendizado. Agora, ninguém pode me devolver a tranquilidade familiar, corrigir os momentos (fecha os olhos) de angústia que vivi. Se a última instância da Justiça me absolveu das acusações, é porque houve erro.

O senhor espera algum tipo de reparação?

A reparação se dá com um gesto do povo de Alagoas, que me concedeu um mandato de senador, e eventualmente agora, candidato à reeleição que sou.

O senhor se beneficiou da lentidão da Justiça no caso dos crimes prescritos, como falsidade ideológica por contas fantasmas?

É mentira dizer que fui beneficiado, porque mesmo as acusações prescritas foram julgadas. Em nenhum momento quis me encobrir sob o manto da prescrição. Quem mais paga pela lentidão da Justiça é o réu inocente, que é o meu caso. A simples demora do fim do processo é uma pena pesadíssima. O meu primeiro julgamento foi rapidíssimo, dois anos após o impeachment. Esse último era um processo de 2000.

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, creditou a absolvição à demora.

Sempre que ele age como juiz, ele age corretamente. E sempre que ele extrapola as atribuições e a liturgia do cargo, ele comete erros.

Julgamentos reescrevem a história?

Napoleão (Bonaparte, imperador francês) dizia que a única certeza que temos na vida é de que nosso passado será reescrito algumas vezes. E, sem dúvida, no que tange aos eventos do impeachment, a mais alta Corte de Justiça do país disse: ele é inocente. Portanto, se fui afastado somente na suposição de que as acusações eram verdadeiras, no momento em que essas suposições ficaram demonstradas na Justiça como falsas, onde fica o mandato que eu conquistei nas urnas, na primeira eleição direta em quase 30 anos? Tem uma lacuna aí.

O senhor tem pretensão de voltar a disputar a Presidência da República?

Por que não? Pretensão, não tenho. Agora, não posso dizer que não tenha pensado nisso. É possível, sim, dependendo das circunstâncias, do momento.

Imagina que algum dia a opinião pública também vai lhe absolver?

Não tenha dúvida. O tempo é o senhor da razão.

Depois de tudo o que se seguiu, o senhor repetiria o confisco da poupança?

Primeiro, não foi confisco. Fazendo atenção ao vernáculo, confisco é o ato de se apropriar de algo de alguém e não devolver. É confiscar, ficar para si. No caso, foi o bloqueio da poupança. Os recursos, todos os ativos financeiros, já que não foi só a poupança, foram devolvidos em 18 meses, conforme eu havia prometido, com remuneração de juros superior à taxa que remunerava na época a caderneta de poupança.

Confisco ou bloqueio, foi um trauma para as pessoas atingidas.

Para mim também. Isso me traumatizou. Foi uma medida extrema, muito rigorosa, que eu jamais repetiria. Jamais. Mas esse foi um aspecto que não teve a consequência que me levou ao impeachment, mas, sim, a falta de articulação com o Congresso.

O impeachment ocorreu por causa da falta de apoio no Congresso?

Percebi tarde que o presidente da República, antes de mais nada, é o líder político da nação e a ele é dada a obrigação de fazer política, elaborar políticas. Isso significa exercitar a capacidade de dialogar, conversar, trocar ideias e opiniões, não com os áulicos, que sempre estão disponíveis, mas com aqueles que têm opiniões divergentes da sua. O que eu não fiz.

É possível traçar um paralelo com o ex-presidente Lula, que enfrentou denúncias como o mensalão, mas que, além do apoio popular, tinha força no Congresso?

Não quero fazer comparações, até porque no meu governo não teve nenhuma acusação deste tipo. Em relação à questão do tratamento com a classe política, sem dúvida. Lula demonstrou uma capacidade excepcional de diálogo, de construir pontes. Uma vez, conversando com ele, disse como era impressionante a capacidade dele de se articular com o Congresso, porque eu não consegui fazer isso.

E o que ele disse?

O Lula respondeu: “Há uma diferença muito grande entre você e eu. Fui criado no meio da peãozada, liderando greves, conversando com patrões, exercitei o poder de convencer. Coisa que você não está acostumado, estava mais acostumado a mandar” (risos). Lula tem capacidade de agregar. Isso o ajudou em momentos difíceis, que não foram poucos.

No dia em que o senhor tentou agregar a população, convocando para sair às ruas de verde e amarelo, apareceu um mar de camisas e bandeiras pretas. Faltou apoio?

Aquilo ali foi a pá de cal. Eu estava submetido a uma enorme pressão, muito irritado com tudo aquilo. O grande apoio que eu sempre tive foi da massa, do povo. A gente não viu nessas manifestações nenhum descamisado. Naquele dia, numa cerimônia no Planalto, estávamos reduzindo o juro e ampliando o financiamento para táxis. O salão estava lotado de taxistas e eles foram com uma espécie de antena com uma fita verde-amarela. No fim, o pessoal começou a gritar: Fala Collor! Eu não queria. E aí foi aquele fatídico discurso.

Foi um erro o discurso?

Foi um erro primário atiçar o adversário quando você não está com todas as defesas cobertas. Usei uma frase do Ulysses (Guimarães): “O Brasil é maior que a crise”. Era a dedicatória de um livro que ele me deu em um café da manhã, com o impeachment fervilhando, quando disse que o PMDB não participaria. Eu usei a frase, sem dar o crédito, convocando todos a estar de verde e amarelo. Mas quem foi às ruas foi a classe média.

Nas manifestações de 2013, a classe média foi às ruas também contra Dilma?

A gente viu muita gente na rua, de classe média, jovens, de meia idade, alguns com filhos no colo. Gente sem bandeira de partido ou movimento social, com pedidos que não eram em uníssono. E isso é preocupante.

Por que preocupa?

Os caras-pintadas saíram com o Fora Collor, não eram rebeldes sem causa, havia partidos e movimentos sociais. Já toda manifestação com caráter difuso é perigosa, é influenciável. Quando a massa vai às ruas sem saber pelo que grita, é só chegar uma pessoa e falar algo que os rebeldes encontram uma causa.

O senhor criou a imagem de atleta, um superpresidente que iria derrotar a inflação com um ippon. Foi a melhor estratégia?

Ajudou a construiu uma boa imagem e também ajudou a desgastá-la. Ninguém aguentava mais ver o Collor voando, o Collor pulando (risos). Tinha coisas que eu queria fazer e não deixaram. Eu queria pular de paraquedas, queria subir o Aconcágua. Nunca fiz nada forçado, porque gostava e gosto, mas tinha vezes que eu mesmo cansava. Fazia exercícios terças, quintas e domingos, sendo que este era o dia da corrida pública. Tinha domingo que acordava e não queria fazer nada, queria ficar na cama, dormindo, lendo meu jornal. Aí, comentavam que eu não iria correr porque estava doente. Virei refém dessa imagem.

As corridas atiçavam a imprensa e o povo.


Quem escrevia não gostava, mas fotógrafo e cinegrafista adoravam. Uma vez, corri com o professor (Kenneth) Cooper, o cara que inventou o cooper. Fizemos 10 mil metros, e ele sem suar. No final, perguntei como eu tinha ido. Ele disse que a corrida, a velocidade, o tempo, estava tudo errado. Os repórteres ouviram e saiu no jornal que o Cooper reprovou o Collor.

O senhor mantém a rotina de exercícios?


Não com tanta assiduidade, não tenho a mesma idade e disposição. Faço aeróbica, corrida diária de dois a três quilômetros, e musculação três vezes por semana.

O senhor já disse que sua queda começou a ser tramada na Avenida Paulista. Por quê?

Em debates e palestras, sempre levava para o mundo empresarial meu programa de governo, exatamente como o implementei. Era o fim das reservas de mercado e da moratória da dívida externa, a reconciliação com sistema financeiro internacional, a competitividade da indústria, a abertura comercial. Era o que alguns nichos empresariais queriam ouvir. Só que aqueles que aplaudiam na eleição, achavam que a reserva de mercado deles não seria mexida, só as dos vizinhos. Quem perdeu a reserva de mercado ficou insatisfeito.

O senhor falava que os carros do Brasil pareciam carroças.

Eram os carros, os celulares, os computadores, as carroças que o Brasil tinha. Tínhamos quatro montadoras, hoje temos 40. A abertura comercial permite à população escolher produtos que caibam no seu bolso.

Denúncias fortes contra seu governo partiram de seu irmão Pedro. Como ficou a relação familiar?

Aquilo foi muito difícil, nefasto. Meu irmão tinha um ódio de mim que eu não havia detectado. O ódio é um sentimento avassalador, ainda mais junto com a inveja, o espírito de competição. Acho que ele foi vítima desses sentimentos que cultivou e sofreu muito. Teve uma morte prematura, vítima de três tumores.

Foi difícil segurar a situação?

Abalou a família. Minha mãe tinha pressão alta e estava no Rio quando, lendo um jornal, viu uma declaração do Pedro dizendo que não a reconhecia mais como mãe, porque ela o havia destituído das empresas da família. Ela tinha mais de 70 anos, teve o choque, a pressão subiu, teve uma parada cardíaca e ficou em coma dois anos e meio.

Como soube do problema da dona Leda?

Fui informado no Planalto. Parei tudo, pedi ao Adib Jatene, que era ministro da Saúde, para me acompanhar. No hospital, esperei uns 40 minutos. O doutor voltou, abriu a porta e falou: “Presidente, sua mãe está morta. Não morreu, mas terá uma vida vegetativa”. A família foi destroçada. Quem pode devolver minha mãe?

O senhor acredita que o ex-tesoureiro de sua campanha, PC Farias, foi morto pela namorada (Suzana Marcolino)?

Acredito, foi um fato muito esquadrinhado por imprensa e legistas. Eu estava no Exterior quando fui avisado da morte.

Manteve sua relação com PC após a CPI?

Não. Se não fosse o Paulo Cesar, não teria havido campanha presidencial. Ele foi a pessoa que, quando ninguém acreditava na candidatura, disse que acreditava e ajudaria. A campanha evoluiu, mas logo depois de iniciado o governo, começamos a nos distanciar, porque não queria ver questões particulares tangenciando interesses do governo. Ele poderia querer ajudar A, B ou C, mas eu disse a meus ministros que nem a minha família seria atendida.

Houve denúncias de pagamentos pessoais de PC ao senhor.

Isso ficou esclarecido. Não teve nada a ver as atividades do Paulo Cesar com as minhas pessoais. Ficou esclarecido e provado nos autos dos processos que foram usados recursos provenientes de sobras de campanha.

O senhor seria categórico em dizer que não ocorreu corrupção no seu governo?

Absolutamente categórico, até porque não há nenhuma acusação de corrupção no meu governo. Em todas que foram feitas, não há uma em que eu estivesse envolvido.

Em 2009, o senhor mandou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) engolir as palavras. Tinha algo a revelar sobre ele?

Se em algum momento eu me excedi em relação ao senador Simon, lamento, eu o tenho como grande homem público. Não quero revelar nada. Ele é um político que merece atenção.

O ex-presidente Itamar Franco contribuiu para o impeachment?

Gostaria de respeitar a memória do Itamar e guardar as boas recordações dos momentos que juntos tivemos. Nada a comentar.

Seu governo teve um ministério enxuto. O senhor governaria com 39 ministros, como se organiza o governo hoje?

Eu ficaria louco, mas tudo depende de cada um. Se a presidente Dilma governa com quase 40, é uma decisão dela. Quando assumi, reduzi os ministérios, pois queria reunir à mesa de almoço de 12 lugares todos os ministros.

O senhor vai votar na presidente Dilma?

Vou votar na Dilma.

Não é daqueles que engrossam o coro do “Volta, Lula”?

Não! Eu sou dos que engrossam o de “Fica, Dilma” (risos).

sábado, 17 de maio de 2014

DESSERVIÇO AO DEBATE PÚBLICO

REVISTA ÉPOCA 16/05/2014 21h42

Chico Santa Rita: "A internet presta um desserviço ao debate político". O marqueteiro diz que a influência da rede nas campanhas é superestimada – e critica os partidos que montam equipes digitais cuja única função é “difamar adversários”

ALBERTO BOMBIG



VETERANO
Chico Santa Rita, 38 anos de marketing político, no lançamento
e seu livro em Campinas, São Paulo. Ele diz que o PSDB errou
ao esconder FHC (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Veterano do marketing político no Brasil, o jornalista e publicitário Chico Santa Rita, de 74 anos de idade e 38 de profissão – com serviços prestados a nomes como Mário Covas e Ulysses Guimarães –, diz que a atual geração de colegas se dedica a “vender ilusão” e a “enganar as pessoas”. Santa Rita acaba de lançar Batalha final (editora Pontes), último livro de uma trilogia sobre campanhas eleitorais. Ele critica a forma como o PSDB, desde 2002, tentou esconder o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ele, a influência da internet no debate eleitoral do país é ruim. “Os partidos montam equipes de internet que não têm outra função que não seja difamar adversários.”

ÉPOCA – Em outubro do ano passado, o marqueteiro João Santana disse a ÉPOCA, sobre a presidente Dilma Rousseff: “Dilma ganhará no primeiro turno, em 2014, porque ocorrerá uma antropofagia de anões. Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, planará no Olimpo”. Não é o que mostrou a mais recente pesquisa do Datafolha, segundo a qual cresceu a possibilidade de haver segundo turno. O que aconteceu?
Chico Santa Rita – Quando li a previsão de Santana naquele momento, sabia que ele estava errado. Em primeiro lugar, isso que ele fez não é marketing político, está mais para pitonisa ou exercício de adivinhação. Condeno atitudes como essa, porque isso é vender ilusão, e o marketing político não deve se prestar a isso, a enganar as pessoas. As pesquisas, desde aquele momento, em outubro do ano passado, mostram que a quantidade de eleitores indecisos ainda é grande, que muitos querem mudanças. Mostram que o governo não é tão bem avaliado quanto eles imaginaram. Quando você é candidato do governo, caso de Dilma, o eleitor só quer saber se a gestão dela é boa ou ruim, e o atual mandato de Dilma está longe de ser bom. Portanto, avalio que o PT tem muito com que se preocupar nas próximas eleições, seja com Dilma ou até mesmo com o ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva) como candidato.

ÉPOCA – O senhor trabalha na área da propaganda política há quase 40 anos. O que mudou nesse tempo?
Santa Rita – Houve um desvirtuamento do marketing político. Tentaram vender que ele cria situações e muda a realidade. É preciso trabalhar com a verdade, com um discurso político, não com a fantasia. Os eleitores, no entanto, estão cada vez mais preparados, espertos. Pensam mais e decidem mais tarde. Nesse sentido, o marketing político, que teve um certo desvirtuamento, está voltando a trabalhar com a realidade e a verdade. Há também, é claro, um despreparo, em geral, dos homens públicos brasileiros.

ÉPOCA – Na pré-campanha deste ano, Aécio Neves (PSDB) tem mostrado as realizações e o legado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diferentemente do que fizeram José Serra (em 2002 e 2010) e Geraldo Alckmin (2006). O senhor concorda com a postura de Aécio?
Santa Rita – Sim, até porque a campanha de Serra, em 2002, é um exemplo negativo de marketing político. Ela não deu importância ao discurso, ao debate político e deixou FHC fora, um governante que havia conquistado avanços importantes para o Brasil. Um erro grave, que custou muitas derrotas ao PSDB. Em 2006, no auge do escândalo do mensalão, a campanha de Alckmin optou por mostrar obras dele em São Paulo. Obra por obra, Lula tinha feito mais. Naquele momento, o tom daquela eleição deveria ter sido a ética e a moral na política, não obreiro. Ali, naquele momento, o PSDB perdeu outra oportunidade. É preciso entender que não é produtor de televisão quem faz marketing político. Não é computação gráfica, nem imagens bonitinhas.

ÉPOCA – Qual sua análise sobre o episódio do mensalão no primeiro governo Lula?
Santa Rita – No início deste ano, não pretendia mais trabalhar em campanhas e escrevi um livro chamado Batalha final. Já tinha fechado um ciclo nesses 38 anos de marketing político e dado minha contribuição. Quando Lula foi eleito, em 2002, imaginei que o discurso ético do PT fosse guiar o governo dele. Mas não. Veio o mensalão em 2005, e hoje vejo o país numa situação muito ruim em todos aspectos, não apenas moral. Por causa disso, no início do ano, cheguei a pensar em fazer uma campanha que fosse “Campos e Aécio, vote em quem tiver mais condições de ganhar do PT”.

ÉPOCA – Mas o senhor mudou de posição. Aceitou fazer uma campanha no Distrito Federal, não?
Santa Rita – Sim, porque comecei a lembrar meu pai, para quem o Brasil era o país do futuro. Percebi que esse futuro ainda está muito distante e que eu ainda poderia dar mais alguma contribuição. Nosso país está numa situação muito ruim, complicada no aspecto moral e econômico, como disse. Por isso, acabei mudando de ideia e aceitei trabalhar na campanha do PSDB no Distrito Federal.

ÉPOCA – Como o senhor vê a pré-candidatura de Eduardo Campos (PSB) a presidente, com Marina Silva de vice?
Santa Rita – Campos quer fazer a união dos contrários ao estar com Marina. Eles acabarão discutindo mais entre si que com os adversários. Uma das razões de uma campanha eleitoral é demonstrar união em torno de propostas e princípios. É o que o eleitor espera. Na aliança entre Campos e Marina, há uma mal disfarçada contrariedade. Hoje, Aécio (Neves, candidato do PSDB) está mais preparado para derrotar o PT que Campos e Marina. Aécio escolheu um caminho, parou de brigar com Serra e começa a apresentar um discurso para o país.

"Dilma usa e abusa dos meios de comunicação. A lei deveria vetar isso"

ÉPOCA – Por que o marketing político ficou tão caro?
Santa Rita – O que é caro na campanha são os acordos políticos. Muitos partidos e muitos políticos estão sobre o balcão, à venda. Isso torna tudo ruim e caro. Precisamos de uma reforma política urgentemente. Há deformidades graves na Lei Eleitoral brasileira. Neste momento, a presidente Dilma usa e abusa dos meios de comunicação. A lei deveria vetar isso. Não sou contra a reeleição, mas sou contra a reeleição com o governante no poder. As multas impostas pela Justiça por causa das campanhas antecipadas são quase ridículas perto do preço de um comercial no Jornal Nacional.

ÉPOCA – Qual o impacto da internet nas campanhas políticas e na propaganda dos candidatos?
Santa Rita – Cometeu-se um erro grande no Brasil quando todos acharam que a primeira vitória de Obama, nos Estados Unidos, tinha se dado em razão da internet. Ela teve papel mobilizador, não catalisador de votos. Hoje, no Brasil, a internet perde credibilidade por causa dos excessos cometidos. O sujeito entra na rede e escreve os maiores absurdos, os partidos cuidam de montar equipes de internet que não têm outra função que não seja difamar adversários. A internet acaba prestando um desserviço ao debate político no Brasil.

ÉPOCA – Qual o impacto da Copa do Mundo nas eleições deste ano?
Santa Rita – Gastou-se muito dinheiro com esta Copa, e as pessoas estão preocupadas com isso. Se o Brasil ganhar, não será obra do governo. Se o Brasil perder, o sentimento de desperdício e falta de moralidade pode se transformar em impacto negativo.

ÉPOCA – O governo errou no trabalho de comunicação em relação à Copa? Porque um evento desse porte é sempre visto como um ativo, não como problema.
Santa Rita – O erro foi a formatação do evento. A Fifa não pediu para fazer a Copa no Brasil. A realização da Copa é uma responsabilidade grande demais, que não sei se tínhamos condição de bancar.

ÉPOCA – Após vencer com Dilma e com Fernando Haddad, o ex-presidente Lula ganhou a fama de eleger até um poste. O senhor concorda?
Santa Rita – Isso é a fantasia de que falo. Lula só elege um poste quando as campanhas dos adversários são verdadeiros postes, como foram as de José Serra, em 2010 e 2012, e a de Celso Russomanno, em 2012. Foram a falta de consistência de Russomanno e as campanhas erráticas de Serra que facilitaram a vida do PT. Não é verdade que Lula elege até um poste. É possível neutralizar a influência dele ou de qualquer outro padrinho com campanhas eficientes e verdadeiras. Transferência de votos não é algo tão automático quanto imaginam.

ÉPOCA – O senhor trabalhou com políticos importantes do passado, como Mário Covas (morto em 2001) e Ulysses Guimarães (morto em 1992). Os políticos mudaram muito?
Santa Rita – Havia mais seriedade na política. Hoje, há uma necessidade maior da vitória entre os políticos, uma necessidade de eleger este ou aquele a qualquer custo.