VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

EPISÓDIO SUPERADO


ZERO HORA 30 de abril de 2014 | N° 17779


EDITORIAIS



A controvérsia extemporânea é a única contribuição do conteúdo da entrevista concedida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o desfecho do chamado mensalão no Supremo Tribunal Federal. Disse o líder petista, em entrevista à TV portuguesa RTP, que o julgamento da Ação Penal 470 foi 80% político e apenas 20% jurídico. O ex-mandatário acordou a oposição e provocou indignação entre os ministros do próprio STF ao também repetir o que já afirmara dois anos atrás, quando assegurou que o mensalão não existiu. Setores do próprio governo e dos partidos de sustentação já haviam decidido que o processo sobre a compra de apoio parlamentar era assunto encerrado. O também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso revela agora que em 2012 igualmente aconselhara Lula a considerar o episódio uma página virada, depois de ouvir do ex-colega que o mensalão teria sido uma invenção da oposição.

Um ex-presidente não precisa, obviamente, seguir conselhos de quem ocupou o mesmo cargo. Mas poderia orientar-se pelo bom senso de liderados que seguem a mesma linha de que as irregularidades enfim comprovadas pelo Supremo fazem parte de fato consumado. O julgamento em questão foi deflagrado pelo Supremo sete anos depois das primeiras denúncias sobre o sistema de troca de apoio político por contribuições financeiras. Os denunciados tiveram tempo para apresentar suas defesas e desfrutaram de todos os mecanismos ao alcance dos réus, na mais alta Corte do país.

Os veredictos refletiram a deliberação da maioria dos ministros, convencidos de que os ilícitos caracterizaram a ação de pessoas articuladas, a partir do governo, para influenciar decisões do Congresso. O Supremo, ao definir as sentenças, deixou claro que o mensalão existiu, sim, e que foi muito além do que chegou a se definir, em nome da defesa, como prática de caixa 2, infelizmente incorporada às manobras da política brasileira. Anunciadas as penas, os réus tiveram ainda o direito a recursos que acabaram por atenuar as punições de 12 dos 25 condenados.

A Ação Penal 470 foi, portanto, conduzida sob todas as garantias, como observou o procurador-geral da República. O senhor Rodrigo Janot reconhece que as democracias permitem, pela liberdade de expressão, que o próprio Judiciário tenha suas decisões questionadas, como quaisquer outras instituições. Mas é preciso que tais questionamentos não se afastem da realidade. O mensalão teve o tratamento adequado da Justiça a uma sucessão de delitos graves, com o envolvimento de altas figuras da República e de líderes do partido no poder. O julgamento foi exemplar como advertência a ocupantes de cargos públicos. Negar sua importância é rejeitar uma lição que o Supremo ofereceu ao país.

terça-feira, 29 de abril de 2014

SINTOMAS DE FALÊNCIA DOS PARTIDOS


ZERO HORA 29 de abril de 2014 | N° 17778


PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA




Se o eleitor anda descrente da política e quer distância dos partidos, a culpa não é dele. Tampouco é falta de informação. Pode ser justamente o contrário: quem acompanha o vaivém das alianças e as negociatas em curso para garantir alguns segundos a mais na TV tem bons motivos para estar desencantado. Os partidos, de um modo geral, perderam a identidade e raros são os que fazem alguma restrição na hora de buscar parceiros.

Há algo de estranho no ar quando uma mesma sigla é disputada por três candidatos e seus dirigentes dizem que é possível apoiar qualquer um dos três. Não é preciso atravessar o Mampituba para buscar exemplos de coligações esdrúxulas, que desrespeitam a história dos partidos. Ou de dirigentes partidários que negociam com dois ou três candidatos, esperando para ver quem dá mais (cargos ou dinheiro) ou quem tem maior viabilidade. Esse pragmatismo levado aos extremos produziu as distorções que tornam os vencedores de uma eleição reféns dos próprios aliados. Um dia a conta vem e, se não for paga, começa a chantagem.

Articuladores experientes reclamam dos “nanicos” que já não aceitam promessas de cargos. Querem dinheiro e exigem até pagamento antecipado. Seria muito simples acabar com essa prática: bastaria que ninguém pagasse e que qualquer proposta indecorosa fosse denunciada à Justiça Eleitoral, mas não. Quem conta essas obscenidades pede sigilo. E, sem prova, não há o que denunciar.

O Brasil tem 32 legendas legalizadas, recebendo verbas do fundo partidário. Dinheiro público, portanto, para financiar campanhas eleitorais ou a simples manutenção de estruturas. Há casos notórios de partidos que servem apenas à vaidade dos seus donos, candidatos eternos que não têm voto nem representatividade, mas adoram contemplar a própria imagem na propaganda de TV.


Aliás

Só nos primeiros quatro meses deste ano, o fundo partidário distribuiu mais de R$ 100 milhões, Os partidos que menos receberam já levaram R$ 164 mil.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

PARA LULA, DECISÃO DO STF SOBRE MENSALÃO FOI 80% POLÍTICA


Em entrevista à TV portuguesa RTP, ex-presidente afirma ainda que escândalo vai ser recontado e que isso é uma questão de tempo

O GLOBO
Atualizado:27/04/14 - 20h26




Lula em entrevista à TV portuguesa


RIO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista divulgada neste domingo pela TV portuguesa RTP, que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tomaram mais uma decisão política do que jurídica ao condenar 25 réus do processo do mensalão. Lula foi internado no sábado no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, por causa de uma crise de labirintite. Ele fez exames e foi liberado na manhã deste domingo, segundo informou o hospital.

- Tem uma coisa que as pessoas precisam compreender: o povo é mais esperto do que algumas pessoas imaginam. O mensalão, o tempo vai se encarregar de provar, que o mensalão, você teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica - disse o ex-presidente em um trecho da entrevista de quase 40 minutos.

Lula lembrou que indicou para o Supremo seis dos 11 ministros que julgaram o caso e, em seguida, disse que o mensalão será recontado para se saber o que aconteceu de verdade:

- O que eu acho é que não houve mensalão. Agora, eu também não vou ficar discutindo as decisões da Suprema Corte. O que eu acho é que essa história vai ser recontada, é apenas uma questão de tempo.


‘Mensalão foi massacre contra o PT’


Para ele, o processo do mensalão “foi um massacre que visava a destruir o PT e não conseguiram”. No momento em que falou sobre os escândalos envolvendo o PT, a apresentadora citou as denúncias envolvendo a Petrobras.

- Não adianta dizer que o Lula pratica qualquer ato ilícito porque o povo me conhece. Eu sou filho de pai e mãe analfabetos e digo todo dia para não ter dúvidas. O único patrimônio que minha mãe me deixou foi a conquista de andar de cabeça erguida - afirmou.

O ex-presidente voltou a reafirmar que não será candidato à Presidência e que vai ser cabo eleitoral da presidente Dilma Rousseff:

- Em política, a gente nunca pode dizer não, mas eu acho que eu já cumpri com a minha matéria no Brasil. Eu sonhava em ser presidente porque eu queria provar que eu tinha mais competência para governar do que a elite brasileira. E provei.

Ele disse também que não quer cargos políticos:

- Não quero cargo politico. Eu era deputado em1990 quando meu partido queria que eu fosse candidato, eu tinha perdido em 1989, (e o PT) queria que eu fosse candidato para ter 1,5 milhão de votos (como deputado). Eu disse: não vou ser candidato porque quero provar para o PT que eu não preciso de cargo para ser importante. Eu quero ser importante pela minha capacidade de trabalho. Então, não preciso de cargo.

‘O povo quer mais’

Enquanto Lula falava que a vida do povo brasileiro mudou, a jornalista perguntou, então, por que a população estava indo as ruas.

- O povo quer mais. Você não tenha dúvida de que assim é a humanidade. Se você consegue comer hoje um contrafilé, depois de uma semana, você quer filé. Se você começar comer filé, vai querer comer uma coisa melhor - declarou. - Acho extraordinário que povo queira mais. A Fifa foi fazer a Copa e a Fifa exige estádios mais qualificados do que os que a gente tinha. Então, se instituiu no Brasil o padrão Fifa para a Copa. Achei extraordinário que o povo começasse a reivindicar escola padrão Fifa, saúde padrão Fifa, transporte padrão Fifa.

Quando a apresentadora questionou sobre o preço dos estádios para a Copa, Lula disse que queria aproveitar para fazer um esclarecimento:

- Não tem dinheiro público do orçamento em estádio de futebol. O que o governo brasileiro tomou como decisão, e foi no meu tempo ainda, é que o governo não financiaria clubes. O Brasil emprestaria até 400 milhões de reais de para os governos estaduais e financiaria até 400 milhões de reais a empresas que quiserem fazer estádios. O dinheiro gasto com a Copa é com mobilização urbana.

O ex-presidente disse que em seu governo os brasileiros compraram mais carros e foi questionado sobre a opinião de especialistas que dizem que o Brasil não tinha infraestrutura para isso:

- Isso é um bom problema porque o povo pobre tem que ter carro mesmo, tem o direito de comprar e usar aquele bem material que ele produziu . Ou nós pobres somos obrigados a produzir só para os ricos?


domingo, 27 de abril de 2014

MENSAGENS ROMÂNTICAS ENTRE DEPUTADO E DOLEIRO

REVISTA ÉPOCA, FELIPE PATURY
26/04/2014 10h00


PF flagra troca de mensagens românticas entre deputado e doleiro



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O relatório da Operação Lava Jato da Polícia Federal contém uma afetuosa troca de mensagens eletrônicas entre o doleiro Alberto Youssef e o deputado Luiz Argôlo (SSD-BA).

Eis a transcrição literal da conversa interceptada pela PF às 8h33 do dia 28 de fevereiro deste ano.


Argôlo: Bom dia.
Youssef: Bom dia.
Argôlo: Você sabe que tenho um carinho por vc e é muito especial.
Youssef: Eu idem.
Argôlo: Queria ter falado isso ontem. Acabei não falando. Te amo.
Youssef: Eu amo você também. Muitoooooooooo<3 br="">Argôlo: Sinto isso. E aí já melhorou?? Melhorou???
Argôlo: Por favor me diga alguma coisa.

A CLASSE MÉDIA SE RENDE AO EMPREGO PÚBLICO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2318 | 25.Abr.14


Antes preferidos por mais velhos e por profissionais em final de carreira, hoje os concursos são disputados, em sua maioria, por jovens de até 35 anos, com boa formação acadêmica, que buscam estabilidade e bons salários


Camila Brandalise 


Salários competitivos, estabilidade, plano de carreira, ótimos benefícios e aposentadoria garantida. Não é de hoje que o serviço público atrai profissionais graduados, seduzidos por todos esses atrativos e cansados da insegurança do mercado de trabalho. A novidade é que o setor deixou de ser apenas o plano B de homens e mulheres próximos da meia-idade, ávidos por garantir uma velhice sem sobressaltos, para se tornar a primeira opção de jovens de até 35 anos, muitos ainda cursando a universidade. Eles formam um grupo grande entre os 12 milhões de brasileiros que estão se preparando neste momento para conseguir uma das 130 mil vagas previstas para 2014 – em 2015 serão mais 180 mil. Destes, 90% vêm da classe média, segundo Francisco Fontenele, especialista em concursos públicos. Para aquecer ainda mais essa indústria, que movimenta R$ 30 bilhões por ano, 2014 está recheado de boas oportunidades na área, com salários que podem ultrapassar R$ 20 mil. No topo da lista de desejos dos concurseiros estão as provas para agente da Polícia Federal, técnico e analista do Banco Central e técnico e analista do Ministério Público da União. Para se ter uma ideia, esse último exame registrou 69 mil inscritos, que concorreram a 263 vagas na última edição, em 2013, com uma relação candidato/vaga de 260.



Dayana Alves Silva Lopes, 25 anos, é um exemplo do novo perfil de candidato. Formada em administração de empresas, ela trabalhou quatro anos na área. Mas demissões, promoções que não aconteceram e outras frustrações fizeram a jovem mudar completamente o rumo de sua trajetória profissional. Desde setembro de 2013, a administradora acorda cedo e dedica oito horas do seu dia para estudar para concursos públicos. Seu plano já está traçado. Dayana vai prestar as próximas provas para escrevente e oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, que exigem nível médio e pagam, respectivamente, R$ 4.190,37 e R$ 4.921. “Vou estudar até passar”, afirma. Mas a administradora não quer parar na primeira aprovação. Empossada, ela deve começar a estudar para outra prova, repetindo um hábito comum entre aqueles que entram no setor público. “Tentarei um concurso para nível superior, mais difícil ainda, por causa da concorrência.”

A indústria dos concursos é um mercado bilionário,
que movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano

O serviço público se torna ainda mais atraente em tempos de vulnerabilidade econômica. “Como vivemos momentos de altos e baixos, se o lucro e a produção caem no setor privado, as vagas fecham e os salários diminuem. Isso não acontece no setor público”, diz Ernani Pimentel, um dos fundadores da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). “Por isso acredito que a procura tem aumentado tanto.” A mesma percepção permeou a decisão de Dayana de entrar no setor. “Não quero chegar a uma certa idade em um cargo alto e ser demitida para que no meu lugar coloquem alguém mais novo e com um salário menor do que o meu. E é isso o que vejo acontecer ao meu redor”, diz.


LEIS
Especialista em concursos, Francisco Fontenele apoia
a Lei Geral dos Concursos, em discussão na Câmara,
para que todos os candidatos tenham direitos iguais

Os valores dos salários, claro, também atraem. A remuneração pode ir desde o salário mínimo até uma média de R$ 15 mil, como é o caso da vaga para fiscal da Receita Federal, e chegar a R$ 23 mil, nos cargos do Poder Judiciário. Mas há um grande número de candidatos que também têm interesse pela função em si, contrariando o estereótipo do servidor público que quer um salário razoável para ocupar um cargo que não lhe exija muito esforço. O advogado Maurício de Farias Castro, 25 anos, está nesse time. Formado desde 2011, ele estuda para entrar no Ministério Público. “Desde a faculdade tenho esse objetivo, pois é uma instituição que admiro muito”, diz. A rotina de Castro é muito rígida. “Trabalho no meu escritório das 7h45 às 17h30. Até 18h40, estudo antes de ir para o curso preparatório. Tenho aula por quatro horas e, quando volto para casa, estudo de novo até a 1h.” O advogado teve ainda mais certeza do que queria quando sofreu um baque na família. Sua mãe foi assassinada e até hoje não se sabe quem foi o autor do crime nem há qualquer resposta sobre o caso, que foi arquivado pela polícia.


PREPARAÇÃO
Aline Dias vai se formar em direito em 2015, mas já
está estudando para prestar concurso público.
"A concorrência é muito grande"

Apesar de a mentalidade em relação ao servidor público estar começando a mudar, ainda há um longo caminho a ser percorrido para padronizar legalmente a execução das provas. Estima-se que, anualmente, cerca de 20% delas apresentem problemas, que vão desde questões sem resposta a inconstitucionalidades nos editais. “É fundamental que existam regras claras”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), relator do substitutivo ao Projeto de Lei 74/2010, aprovado em julho de 2013 no Senado, que prevê a regulamentação de algumas normas para aplicação de concursos em âmbito federal. Entre outras mudanças, está previsto o fim dos exames feitos somente para o chamado cadastro de reserva, aqueles em que existe a possibilidade de ninguém ser convocado. “Essa prática parece ter virado uma máquina de fazer dinheiro”, diz Rollemberg. O texto também prevê que os editais sejam lançados com antecedência mínima de 90 dias, as inscrições estejam disponíveis na internet, a taxa de inscrição seja, no máximo, de 3% do valor da remuneração inicial do cargo e que todos os resultados das provas sejam objetiva e tecnicamente fundamentados, entre outras mudanças. Na Câmara dos Deputados, para onde seguiu o projeto, o relator da Lei Geral dos Concursos é o deputado Paes Landim (PTB-PI). A expectativa é que a matéria seja aprovada na Casa no começo do segundo semestre para depois retornar ao Senado.


DIREITOS
Apesar de aprovado em primeiro lugar em um concurso,
Paulo Victor Pereira não foi convocado e agora
briga na Justiça para ocupar a vaga

A legislação é um passo fundamental para firmar a credibilidade de alguns concursos, questionada justamente pela falta de transparência. “Já vi situações em que a banca abre um período de inscrição muito curto; assim, aqueles que já teriam sido escolhidos para a vaga saberiam dos concursos antes e poderiam se preparar”, diz Ernani Pimentel, da Anpac. Há também denúncias de bancas que incluem novos conteúdos a poucos dias do exame, fazendo com que muitos cheguem despreparados, enquanto outros recebem a informação antes da divulgação da mudança. Espera-se que, após aprovada, a Lei Geral dos Concursos possa nortear nova legislação também nos Estados e municípios brasileiros. “Para dotarmos a máquina pública com bons servidores é preciso seguir o princípio da isonomia, possibilitando oferta igual para todos”, afirma Francisco Fontenele, que também é diretor pedagógico da rede de cursos preparatórios LFG. Muitos profissionais de alto nível saem prejudicados pela falta de normatização. Para Alessandro Dantas, coautor do livro “Concurso Público – Direitos Fundamentais dos Candidatos” com Fontele e consultor jurídico da Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro (Andacon), não é só porque um item consta no edital que ele é válido. “Há muita ilegalidade. O concurseiro precisa buscar a lei existente ao notar qualquer injustiça” (leia quadro na pág. 58).



Foi o que fez Paulo Victor Mendes Pereira, 27 anos. Em 2010, ele foi aprovado em primeiro lugar como analista de arquivologia em Porto Velho (RO). Mesmo sabendo que era o caso de cadastro de reserva, Pereira ficou animado. Se chamassem alguém, seria ele. Mas dois anos se passaram e nenhuma vaga foi aberta. “Decidi entrar na Justiça com um grupo de 50 pessoas, todas candidatos aprovados em primeiro lugar no mesmo concurso, só que para postos diferentes.” Até agora, não há sinal do tão sonhado cargo, que na época tinha remuneração de R$ 7 mil. “Cheguei a entrar em contato com a Procuradoria em Rondônia. Eles solicitaram minha vaga, mas, mesmo assim, não fui chamado.” Decepcionado, ele não pensa em prestar outro concurso tão cedo. “É frustrante.” Mais otimista, Anderson Carlos dos Santos, 29 anos, ainda espera ser convocado na segunda chamada, embora nem a lista da primeira tenha saído, para uma cadeira no Banco do Brasil, cujo resultado foi divulgado no começo deste ano. “Estudei num curso de três meses, mas fiz a prova antes mesmo de concluí-lo”, diz Santos, que também é músico e pretende manter as carreiras paralelamente.

Entre as mudanças da nova lei de concursos
está previsto o fim do cadastro de reserva

Se para alguns alunos um curso preparatório de três meses é suficiente, para a maioria alcançar a vaga pretendida pode exigir muito mais tempo e dedicação. Por isso, para as provas mais concorridas, a recomendação dos especialistas é começar a se preparar o quanto antes. No geral, e principalmente para os cargos que exigem formação em direito, o tempo de estudo para passar em um concurso vai de dois a três anos. Com isso em mente, muitos jovens universitários decidem começar a estudar antes mesmo da formatura. A estudante Aline da Silva Dias, 21 anos, concluirá a graduação em direito em 2015, mas já acompanha aulas do curso preparatório. “Quero seguir carreira na Promotoria”, diz. Aline chegou a tentar um cargo de assistente administrativa no Banco Central no fim do ano passado, mas não foi aprovada. “Não é fácil assim. É preciso conhecer alguns macetes das provas”, diz.


DEDICAÇÃO
Há sete meses, Dayana Lopes deixou o cargo de assistente
administrativa em uma empresa privada para estudar para concursos públicos

Para os concursos que exigem somente o nível médio, a procura tem começado ainda mais cedo. Adolescentes prestes a entrar na universidade ou no início do curso já tentam um posto no serviço público para garantir o emprego. Andreluci de Oliveira Barbosa Figueiredo, 24 anos, é hoje oficial administrativa da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, mas se tornou servidora pública mais cedo, aos 19, quando ainda estudava direito. Na época, ela conseguiu uma vaga de inspetora de alunos em uma escola. Depois, prestou outro concurso e entrou em um estágio numa procuradoria. Andreluci tem certeza de que essa fase foi essencial para definir seu atual sonho de se tornar procuradora. “Ainda não há edital aberto, mas já comecei a pegar firme nos estudos para me preparar”, diz. “Dedicação diária é imprescindível. E, no meu caso, estudar em casa não dá muito certo, preciso de uma rotina de cursinho.” No atual cargo, que exige nível médio, a jovem tem remuneração de R$ 1,5 mil. Quando atingir o objetivo, poderá ganhar cerca de dez vezes mais.


CARREIRA
Servidora pública desde os 19 anos, Andreluci Figueiredo,
hoje com 24, sonha em se tornar procuradora.
"Dedicação diária é imprescindível"

Com uma maior oferta de vagas e mais interessados a cada ano, a área dos concursos públicos forma um mercado bilionário, envolvendo publicações específicas, cursos preparatórios, livros com dicas e jornais direcionados. Calcula-se que o gasto anual dos candidatos em fase de preparação, incluindo material didático, inscrições e mensalidades de cursos, seja de R$ 8 mil a R$ 10 mil. Dependendo do cargo, esse investimento se torna imprescindível, em razão do número de candidatos preparados para enfrentar as provas. E eles estão por dentro não só do conteúdo, mas também dos macetes para se dar bem nos testes, em um esquema parecido com o das provas do vestibular. “Dou aulas há 20 anos e nunca vi um nível de preparação tão alto como o de hoje em dia”, afirma o professor Julio Cesar Hidalgo, da Central de Concursos. E a cada novo edital o número de interessados só cresce. “Brinco que quando abre um precisamos colocar carteira beliche, de tanta gente nova que aparece.”

Para os especialistas, as provas precisam ser mais
transparentes e os editais devem ser lançados
com antecedência mínima de 90 dias

Um dos problemas dos novos concurseiros, para Hidalgo, é não ter um objetivo específico. “Não dá para pular de prova em prova só porque abriu um edital. É preciso mirar em um cargo e estudar para ele”, diz. Para quem pensa em ser auditor fiscal da Receita Federal, por exemplo, um dos postos mais visados do serviço público, é necessário começar a se preparar o quanto antes, mesmo quando não há um novo edital. Essa é uma das regras de ouro dos concurseiros. Outra orientação dos especialistas na área é entender que o serviço público, pelo menos nas vagas com salários de dois dígitos, é um projeto de médio a longo prazo. Por isso, é essencial ter paciência até conseguir alcançar o posto e o holerite almejados. E de nada adianta seguir as duas orientações se não houver disciplina nos estudos. “Fazendo cursinho ou estudando sozinho, é preciso estabelecer uma rotina fixa de dedicação”, diz Hidalgo. Os milhões de pessoas que brigam pela tão sonhada carreira pública, e aquelas que já conseguiram entrar nela, garantem que seguir essas orientações vale a pena.

Para entrar num concurso muito
disputado, cujo salário ultrapassa os dois
dígitos, o tempo de preparação ultrapassa dois anos

CONFLITO COMPANHEIRO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2318 | 25.Abr.14

Compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras provoca bate-boca entre petistas ilustres e instalação de CPI pode ampliar a crise dentro do governo



O caso Petrobras-Pasadena provocou um efeito inesperado até mesmo pelos mais experientes analistas políticos: um incrível bate-boca público entre o petista Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras no momento da compra da refinaria, e a presidenta Dilma Rousseff, que à época comandava o Conselho Administrativo da petrolífera. Logo que o escândalo veio à tona, a presidenta, através de uma nota, afirmou que aprovou a transação com base em um parecer “técnica e juridicamente falho” e que, se conhecesse todas as cláusulas do processo, a compra “não seria aprovada pelo Conselho.” O posicionamento da presidenta deixou Gabrielli irado. Ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva e sentindo-se atingido diretamente, ele não deixou por menos: “Eu era presidente da empresa e não posso fugir de minha responsabilidade, do mesmo modo que a Dilma não pode fugir da responsabilidade dela”, disse Gabrielli. Diante do disparo, Dilma colocou em ação o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. “Este episódio está fartamente documentado pelas atas do Conselho”, disse o ministro, lembrando que os registros confirmam que as duas cláusulas que seriam utilizadas pelos antigos proprietários da refinaria para obter ganhos milionários na Justiça americana não foram exibidas no momento da compra. Mercadante também ressaltou que o Conselho deliberou pela compra de 50% da companhia, mas não da segunda metade, na qual se encontra o centro da controvérsia.


"A aquisição da Petrobras foi autorizada pelo conselho com base
em resumo executivo. Tal resumo era técnica e juridicamente falho.
Se todas as cláusulas fossem conhecidas, não seriam aprovadas."
Dilma Rousseff, presidenta da República e ex-presidenta do Conselho da Petrobras


“Gabrielli assinou todas as atas que sustentam integralmente as manifestações da presidenta,” concluiu Mercadante, tentando minimizar os estragos políticos que a troca de farpas entre a presidenta da República e o ex-presidente da Petrobras pode provocar. Foi um movimento vazio. Capaz de aumentar o teor explosivo de uma investigação que passara anos em silêncio, inclusive no Tribunal de Contas da União, a nota distribuída pela presidenta, que insinua ter sido enganada, foi um desses documentos tão ruinosos na história de um governo “que deveria ter sido guardada num cofre por 24 horas até que se pensasse melhor e avaliasse todas as consequências,” observou um ex-ministro ouvido por ISTOÉ na última semana.


"Eu era o presidente da empresa e não posso fugir da minha
responsabilidade, do mesmo jeito que a presidenta
Dilma não pode fugir da responsabilidade dela."
Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras

Para a oposição não poderia haver melhor cenário do que um conflito nas fileiras governamentais em torno de uma polêmica que envolve um prejuízo de US$ 530 milhões na maior empresa nacional. O bate-boca entre Dilma e Gabrielli se dá no exato momento em que o Planalto havia assumido a estratégia de minimizar os prejuízos quando resolveu ampliar a pauta da CPI da Petrobras para incluir denúncias que atingiriam o PSDB e o PSB e foi derrotado por uma decisão da ministra Rosa Weber, do STF, que garante a formação de uma CPI exclusiva para a Petrobras. Na prática, a briga interna no PT vai permitir que deputados e senadores da oposição mantenham as falcatruas cometidas na Petrobras em pauta, mesmo sem a implantação da CPI, esvaziando as manobras palacianas para ganhar tempo nas investigações. Na semana passada, a oposição conseguiu aprovar requerimento para que Gabrielli e a atual presidenta da petrolífera, Graça Foster, compareçam ao Congresso para dar explicações. “Enquanto não sai a CPI, vamos usar todos os recursos possíveis para tentar esclarecer os detalhes de um golpe que lesou de forma absurda os cofres da Petrobras”, disse na quinta-feira 24 um dos líderes tucanos no Congresso.


"Esse episódio está fartamente documentado pelas
atas do conselho. Gabrielli assinou todas as atas que
sustentam integralmente as manifestações da presidenta."
Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil

Ao governo, restou um encaminhar burocrático. O presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado de Dilma, prometeu entrar com recurso para pedir ao plenário do STF que rediscuta a decisão da ministra Rosa Weber. As chances de ocorrer uma reviravolta, porém, são pequenas. O dono da pauta do STF é seu presidente, diz o estatuto – e ninguém consegue imaginar que Joaquim Barbosa irá se mobilizar para socorrer o governo.

Na verdade, o conflito Gabrielli x Dilma antecede os episódios dos últimos dias. Durante os oito anos do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, ambos protagonizaram outras escaramuças. Ao depor à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Graça Foster fez colocações técnicas, sem discutir sua intervenção com Ricardo Berzoini, ministro de Relações Institucionais. Graça Foster sublinhou a avaliação de que a compra de Pasadena foi um mau negócio, numa visão oposta à de Gabrielli, para quem a compra era, em 2006, um bom negócio, mas que se complicou em função da nova conjuntura internacional iniciada pela recessão mundial de 2008-2009. Para Graça, os enormes prejuízos da operação não podem ser compensados. Ao lembrar que os lucros de Pasadena chegam atualmente a US$ 58 milhões por mês, Gabrielli sustenta que, nesse ritmo, o rombo pode ser fechado em dez meses. São pontos de vista opostos e igualmente defensáveis. Seu emprego depende da finalidade política que se quer atingir com eles. Caso a CPI seja instalada, o governo só poderá evitar novas tragédias nos meses que antecedem a eleição presidencial se exibir uma vontade de agir de forma unitária. Essa disposição, porém, não apareceu até aqui.


CRISE
Refinaria de Pasadena: governo está preocupado
com o desgaste da imagem de Dilma

Fotos: ED FERREIRA, SERGIO NEVES - AE

POR INTOLERÁVEL QUE PAREÇA


ZERO HORA 27 de abril de 2014 | N° 17776


ARTIGOS

 Percival Puggina*



Há bem poucos dias, o Ipea e o IBGE qualificaram-se para a linha de tiro da oposição. As duas instituições encarregadas de fornecer números aos analistas nacionais e às políticas dos setores público e privado foram acusadas de sujeição às conveniências eleitorais do governo e de seu partido. Quando isso ocorre em qualquer instituição permanente do Estado ou da administração pública, tem-se um verdadeiro sequestro, com severo dano ao interesse nacional. Aliás, reiteradamente, as redes sociais estampam imagens de policiais federais também manifestando contrariedade com a intrusão do partido do governo nas atividades da corporação. Embora as denúncias envolvendo a Petrobras sejam, agora, a face mais visível do fenômeno que descrevo, tais fatos se reproduzem e multiplicam na imensa estrutura dos poderes públicos. É para proporcionar isso que o Estado não para de crescer. E de encarecer. É por isso que os partidos se multiplicam como coelhos e o tamanho do Estado avança na mesma cadência. Cada peça dessa imensa máquina, pequena ou grande, responde a algum partido em primeiríssimo lugar. O bem nacional vem depois. Ou simplesmente não vem.

Recordo os meses que antecederam a eleição de 2010. Cumpriu-se um cronograma de notícias oficiais, boas para o governo, divulgadas nos momentos propícios, e propagadas pela mídia sem a devida análise crítica. Tudo para nos convencer de que o Brasil era uma ilha de prosperidade e que nosso PIB cresceria segundo aqueles números sempre superiores a 4%. Números que o ministro Mantega traz na cabeça, todo Ano-Novo, quando acorda do Réveillon. E passa o ano inteiro corrigindo para baixo.

Por incrível que pareça, não entra no campo das análises políticas o motivo pelo qual se estabelece no Brasil esse assalto partidário a tudo que é público. Atribui-se ao velho patrimonialismo algo que tem causa institucional. Para bem entendermos o que acontece é preciso distinguir o que é Estado, o que é governo e o que é administração pública. Estado é um ente político de existência permanente, geograficamente delimitado, com poder soberano em relação a um povo que ali habita, zelando pelo bem comum num sentido amplo. O governo desempenha apenas uma das várias funções do Estado; cabe-lhe cumprir as leis e definir políticas, programas e ações para atender o bem comum nas circunstâncias dadas e por um período de tempo limitado. A administração, por seu turno, é o aparelho funcional através do qual tais políticas, programas e ações são executadas, atendendo de modo continuado aos sucessivos governos.

Nas democracias, como se pode presumir, o Estado, por ser de todos, não deve ter partido. A administração, por servir a todos, tampouco. Assim sendo, o governo e só o governo pode ser provido pelos partidos com seus partidários. Por isso mesmo ele é escolhido numa eleição entre as legendas e tem prazo de validade limitado. Deveria saltar dos enunciados acima o absurdo em que incorre nosso modelo institucional quando, além do governo, atribui a uma única pessoa e a seu partido também Estado e o aparelho da administração pública.

É a raposa cuidando do galinheiro. É a festa do poder. É também por isso que quando a luz se acende sobre a festa de ontem, o salão está repleto de sinais da orgia. E como só ao povo, pagador da conta, interessa moralizar as instituições, nada muda para que tudo fique como está. Assim prossegue nossa democracia, por intolerável que pareça.

*ESCRITOR

sexta-feira, 25 de abril de 2014

CONGRESSO NÃO DECIDE E STF ACABA LEGISLANDO



JORNAL DO COMÉRCIO 25/04/2014


OPINIÃO 


O povo brasileiro precisa, deve e tem fé nas instituições. Se não é assim, algo está errado. Tudo indica que é o que acontece, não raras vezes, com o Congresso Nacional. Ora, levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) questões inerentes ao Legislativo da União não nos parece algo de acordo com a melhor prática deste poder. Assim, o povo perde parte de sua fé nas instituições. Sabe-se que a base da fé racional é a produtividade, algo mais do que questionado quando se trata do Congresso, às vezes, com muita razão. Os brasileiros querem ter a certeza que existe atividade produtiva na Câmara Federal e no Senado. Logo, a crença no Poder Legislativo, no sentido de cumprimento cívico de suas tarefas e no uso desse poder são fundamentais.

Porém, não temos uma fé racional no Poder Legislativo como deveríamos, mas, sim, uma sadia submissão a ele e, da parte dos que a têm, o desejo de conservá-la. Não compactuamos com a teoria de que, como todos os sistemas religiosos e políticos são, originariamente, erguidos sobre a fé racional, acabam por se corromper e perdem o vigor que deveriam mostrar. Ora, quando se endereça ao Supremo Tribunal Federal a decisão sobre se uma Comissão Parlamentar de Inquérito deve investigar apenas os problemas da Petrobras individualmente e não todas as acusações, certas ou não, que existem pairando sobre a administração pública nacional na maior estatal do País ou no sistema de trens urbanos de São Paulo e no porto de Suape, administrados pela oposição ao governo federal, algo não funcionou no Congresso. Não como deveria. O STF não tem poder legislativo, ou não deveria ter. Ou os deputados e senadores assumem as suas responsabilidades, direitos e deveres perante a Nação ou estarão fazendo com que o povo perca a fé na instituição.

Os parlamentares não podem ter uma atitude passiva quanto às suas atribuições, mas, sim, devem praticar uma fé racional baseada na sua própria produtividade, com uma atitude interior autêntica. E essa atitude está baseada na experiência da produtividade que se espera do Congresso, e este não pode ficar aguardando, passivamente, a realização de suas atribuições pelo STF.

Os brasileiros não podem viver sem ter fé no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. A questão fundamental para a nossa geração e as que virão é saber se essa fé será apenas irracional, baseada em líderes e ministros, leis, órgãos públicos, decretos, ou se será uma fé racional nos representantes constituídos pelo ordenamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário com a certeza de que ela é fundamentada na experiência da própria atividade produtiva dos poderes da República.

Vamos acreditar na ética humanista de que as autoridades são capazes de saber o que é bom para a sociedade brasileira e de agir em conformidade, apoiadas no vigor de suas normas e atitudes, com a razão e a fé dominando. Os opositores da ética humanista dizem que a natureza humana é de molde a fazer as pessoas propensas a hostilizar seus semelhantes, a serem invejosas e ciumentas, além de preguiçosas, a menos que tenham medo de punições. Não seja esse o caso do Congresso Nacional ao buscar soluções no STF para os seus desencontros. Ou, então, todos nós perderemos a fé no País, lastimavelmente.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

POR ELEIÇÕES MAIS DEMOCRÁTIVAS


ZERO HORA 23 de abril de 2014 | N° 17772


ARTIGOS


 por Claudio Lamachia*




Nos aproximamos de mais um pleito. Em pouco tempo, viveremos aquela que tende a ser a maior eleição da história de nosso país e, ao que tudo indica, a última que contará com o investimento de empresas como financiadoras de partidos e candidatos.

Isso porque a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal já se posicionou favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, proposta pela OAB nacional, que veda tal modalidade de doação financeira. Está claro que o sistema atual é discriminatório por privilegiar quem possui mais renda.

O dinheiro colocado nas campanhas pelas grandes empresas tira do pleito aquele que deve ser a sua espinha dorsal, o conceito de que cada homem e mulher devem valer um voto, independentemente da sua capacidade financeira. O poder econômico não pode ser protagonista das campanhas.

Os interesses das empresas não podem competir com a vontade do eleitor. A desigualdade social e econômica não pode ser reproduzida nas eleições. Isto fica ainda mais evidente se considerarmos que as campanhas eleitorais no Brasil consomem cerca de 1% do PIB.

Empresas não são cidadãos e não possuem legitimidade para participar do processo político-eleitoral. Aos seus proprietários, deve ser ofertado o mesmo poder de participação no pleito como a qualquer outro cidadão.

Rumamos agora, felizmente, para um grupo de nações, juntamente com França, Canadá, Portugal, Bélgica e EUA, onde a proibição já é uma realidade.

Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, em pouco mais de uma década, os gastos de candidatos e partidos em campanhas eleitorais tiveram um vertiginoso aumento, saindo da casa dos R$ 798 milhões nas eleições presidenciais de 2002 para R$ 4,6 bilhões em 2012, nas últimas eleições municipais.

Se o valor surpreende, é no percentual de crescimento que se nota o quanto as grandes empresas apostam no método como investimento. O crescimento entre 2002 e 2012 foi de 471%, enquanto a inflação, no mesmo período, foi de 78%.

A última eleição presidencial e legislativa francesa gastou US$ 30 milhões. Enquanto isso, no Brasil, apenas uma construtora doou para diversos candidatos, de correntes ideológicas distintas, o montante de R$ 50 milhões.

Ao longo dos anos, também diminuiu substancialmente a quantidade de doações feitas por cidadãos para campanhas eleitorais. Enquanto em 2004, 27% das doações eram feitas por eleitores, na última eleição majoritária apenas 4,9% do total de doações veio de pessoas físicas. Ou seja, as empresas, hoje, financiam 95% do custo das campanhas eleitorais. Se esse número impressiona, saiba que esse volume de doações é feito por apenas 0,5% das empresas brasileiras.

Está na hora de mudar o rumo do sistema eleitoral brasileiro, tornando nossas eleições mais democráticas. Desta forma, é bastante salutar ver atitudes do Legislativo que vêm ao encontro do que deseja a população, como a recente aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de acabar com o financiamento privado, na mesma linha do que defende a OAB.


*VICE-PRESIDENTE NACIONAL DA OAB

terça-feira, 22 de abril de 2014

FARRA DAS PASSAGENS: APÓS CINCO ANOS, NENHUM POLÍTICO PUNIDO

CONGRESSO EM FOCO | 19/04/2014 08:09


Congresso não informa quanto foi devolvido por parlamentares após o Congresso em Foco revelar que verba pública era usada para viagens privadas. Nenhuma denúncia foi apresentada pelo Ministério Público até hoje

POR EDUARDO MILITÃO





Marcelo Casal/ABr

Revelação da farra obrigou o Congresso a rever regras e limitar uso do benefício aos próprios parlamentaresCinco anos após o Congresso em Focorevelar que senadores e deputados utilizavam para fins particulares a cota de passagens aéreas bancada com dinheiro público, nenhum parlamentar foi punido, em qualquer esfera, pelo uso indevido do benefício. Poucos devolveram os recursos da cota pública gastos de maneira privada. A Câmara e o Senado sequer informam o total devolvido. Passada meia década, nenhuma denúncia foi oferecida à Justiça pelo Ministério Público Federal, onde se arrastam as investigações cíveis e criminais sobre o caso.

Revelada a partir de 14 de abril de 2009 por este site, a chamada farra das passagens mostrou que os políticos usavam a cota de bilhetes aéreos não apenas para trabalhar e se deslocar de Brasília para suas bases. Recorriam ao benefício público para fazer turismo e transportar parentes para o exterior. Eles ainda cediam passagens para terceiros, potenciais eleitores e parceiros comerciais. Agentes de viagens declararam às autoridades que os parlamentares vendiam as sobras de suas cotas – o fato foi confirmado, mas a autoria, até hoje, é atribuída apenas a servidores e intermediários, apesar de documentos obtidos pela reportagem revelarem bem mais que isso.

A série de reportagens começou com a revelação de que a Câmara bancou passagens para os atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo participarem do carnaval fora de época em Natal. Os bilhetes saíram da cota do deputado Fábio Faria (hoje no PSD-RN), dono do camarote Athlética, um dos mais concorridos do Carnatal por reunir o maior número de celebridades. Fábio, que hoje preside interinamente a Câmara, também utilizou a cota parlamentar para pagar sete viagens para a ex-namoradora, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e a mãe dela, Emma Galisteu, entre 2007 e 2008. Após a publicação da reportagem, ele devolveu o dinheiro das passagens. Os artistas alegaram que não sabiam de onde vinha o dinheiro das passagens.

Uma lista publicada pelo Congresso em Foco, com base apenas em registros da TAM, mostrou que 261 deputados, mais da metade da Câmara, usou sua cota para eles próprios ou terceirosviajarem ao exterior entre 2007 e 2008. Uma conta que somava mais de R$ 4 milhões. Registros das companhias Gol e Varig mostraram que eles também utilizavam recursos públicos para descansar nas férias ou presentear amigos e celebridades, numa prática disseminada por todos os partidos políticos, que envolvia deputados, senadores, ex-parlamentares, ministros de Estado e do Tribunal de Contas e até o hoje vice-presidente da República, Michel Temer(PMDB), que presidia a Câmara na época.

Na semana passada, o Congresso em Foco buscou novamente na Câmara resposta a um questionamento feito ao longo dos últimos cinco anos: quais deputados devolveram recursos públicos gastos de forma particular após a revelação do caso? Pelas contas do site, pelo menos R$ 272 mil foram ressarcidos por nove deputados. Veja a lista.

Em 2010, o Ministério Público fez o mesmo questionamento à Câmara, reiterado pelo menos uma vez, em 2012. Na semana passada, a administração da Casa informou que não respondeu aos procuradores. O caso ainda está “em análise”. Informalmente, servidores do Congresso disseram que uma reunião de comitê com representantes do Ministério Público e da Câmara deve acontecer nos próximos dias, quando o assunto poderá voltar a ser discutido. Apesar da demora do Parlamento em dar esclarecimentos e de comprovar a devolução do dinheiro, os procuradores da República não exigiram na Justiça o ressarcimento dos valores. Há cinco inquéritos civis públicos na Procuradoria da República do Distrito Federal. Nenhum virou denúncia, o que diminui as chances de o contribuinte ter o dinheiro de seus impostos de volta.

Quem pagou

Em reação à revelação da farra, na prática o Congresso perdoou as irregularidades do passado e mudou regras de uso das passagens para o futuro. Os voos ao exterior ficaram mais restritos e controlados por meio de portais de transparência. Se criminal e civilmente os políticos não foram responsabilizados por nada, sobrou para os servidores. Muitos foram demitidos do Congresso, parte deles sumariamente, por recomendação do então corregedor da Câmara ACM Neto (DEM-BA). Sofreram processo administrativo da Câmara, mas muitos já estavam fora de seus cargos.

Veja quem devolveu dinheiro das passagens aéreas

Pelo menos nove devolveram dinheiro das passagens aéreas. Lista mostra quem ressarciu os cofres públicos por ter usado passagens, taxas de embarque gratuitas ou guardado os valores em créditos nas companhias aéreas

A lista abaixo inclui deputados e ex-deputados.
ParlamentarValores devolvidos
Fernando Coruja (SC)*84.000,00
Chico Alencar (Psol-RJ)69.559,63
Robson Rodovalho (PP-DF)41.196,40
Fabio Faria (PMN-RN)23.748,60
João Alfredo (Psol-CE)19.580,14
Lincoln Portela (PR-MG)*18.500,00
Geraldo Magela (PT-DF)*14.000,00
Julião Amin (PDT-MA)1.143,10
Carlos Sampaio (PSDB-SP)304,58
TotalR$ 272.032,45
MédiaR$ 30.225,83
*Valores aproximados. Fonte: Reportagens do Congresso em Foco:

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A POLÍTICA COMO NEGÓCIO



ZERO HORA 21 de abril de 2014 | N° 17770


EDITORIAIS





Em meio à pressão pela renúncia do ex-vice-presidente da Câmara André Vargas acusado até por correligionários do PT de ter passado a ver a política como meio exclusivo de reforçar poder e obter vantagens , o Senado aprovou projeto de lei que veda as doações de empresas para financiamento de campanhas eleitorais. Apesar do natural ceticismo da sociedade em relação às intenções dos parlamentares de acabar com essa anomalia, o aspecto positivo é que a decisão segue na linha do Supremo Tribunal Federal (STF), onde a maioria de seus ministros já se pronunciou contra essa fonte de corrupção da política. Como alerta em artigo recente o empresário Oded Grajew, conhecido pela defesa da ética, a política está virando um grande negócio movido frequentemente por dinheiro ilegal, que pavimenta o caminho da eleição e cobra retorno lesivo à democracia e aos interesses sociais, econômicos e éticos do Brasil. É por isso que o financiamento privado não tem mais como ser tolerado.

Ainda que o Congresso ou o STF decidissem apressar as mudanças em discussão nessa área, dificilmente as novas regras seriam aprovadas a tempo de valer já para as eleições deste ano. A decisão tomada pelo Senado na última semana, em caráter terminativo, segue agora para a Câmara, onde precisará vencer as resistências de políticos eleitos pelas regras atuais. No Supremo, ainda faltam os votos de quatro ministros. E os que já se manifestaram ainda podem, em tese, rever sua posição favorável à ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pede o fim das doações privadas. Mas cabe ao eleitor, desde já, decidir se quer continuar elegendo parlamentares interessados mais em vantagens pessoais do que no bem comum.

Na prática, como adverte o empresário, conhecido pela atuação no terceiro setor, o que ocorre é que as campanhas estão cada vez mais caras. Só se elege, de maneira geral, quem conta com a simpatia de financiadores influentes. Quando isso ocorre, não é raro o parlamentar passar pelo menos dois anos retribuindo favores do patrocinador, como facilidades em licitações e acesso privilegiado a dinheiro público, e o restante tentando assegurar mais recursos para a reeleição. O problema, na avaliação do empresário, é que nenhuma empresa gosta de ver seu nome na lista oficial de doadores de políticos. Por isso, a tendência é o uso do caixa 2, que escancara as portas para a corrupção nas relações entre o setor público e o privado.

Certamente, haveria muitas outras formas de financiar campanhas políticas e de evitar a corrupção, o que sempre vai depender de transparência absoluta e rigor na punição de desvios. Mas, numa democracia como a brasileira, o veto a dinheiro de empresas precisa ser encarado como uma decisão fundamental em favor da moralidade.

sábado, 19 de abril de 2014

NOVAS PROVAS DE CORRUPÇÃO NA PETROBRÁS



REVISTA ÉPOCA 17/04/2014 23h06 -


ÉPOCA revela mais suspeitas de gestão temerária – e também de irregularidades – dentro da estatal


DIEGO ESCOSTEGUY, COM MARCELO ROCHA, MURILO RAMOS E FLÁVIA TAVARES








Na manhã da segunda-feira, dias após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter convocado os petistas a defender a Petrobras das mais graves acusações de corrupção na história, a presidente Dilma Rousseff trocou o discreto tailleur preto da Presidência pela clássica jaqueta laranja da estatal. Deixou a labuta no Planalto para fazer campanha no Porto de Suape, em Pernambuco. Numa cerimônia montada às pressas para lançar ao oceano o navio Dragão do Mar, Dilma defendeu incisivamente a Petrobras. “Não ouvirei calada a campanha negativa dos que, por proveito político, não hesitam em ferir a imagem desta empresa que nosso povo construiu com tanto suor e lágrimas”, disse, zangada. “Nada, nem ninguém, conseguirá destruir (a Petrobras). Com o apoio de todas as pessoas, a Petrobras resistiu bravamente às tentativas de desvirtuá-la, reduzi-la e privatizá-la.”

A jaqueta laranja que Dilma ostentava ao discursar já deu orgulho aos brasileiros. Quem não teria orgulho da maior empresa do Brasil, a 13ª produtora de petróleo do mundo e líder inconteste na exploração de óleo em alto-mar? Hoje, é a mesma jaqueta de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso pela Polícia Federal (PF), acusado de comandar um dos mais vastos esquemas de corrupção já descobertos na estatal, um sujeito mantido no cargo por um consórcio entre PT, PP e PMDB, com o aval de Lula, que o chamava de “Paulinho”. A mesma jaqueta de Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras que, indicado por PT e PMDB, é agora acusado de ser o artífice do desastre conhecido como “operação Pasadena”, em que a estatal desembolsou US$ 1,2 bilhão por uma refinaria nos Estados Unidos comprada um ano antes por US$ 42 milhões.


MACACÃO
A presidente Dilma Rousseff em Suape, Pernambuco, de uniforme da Petrobras. Ela batizou o petroleiro Dragão do Mar (Foto: João Carlos Mazella/Fotoarena)


CONEXÃO
O ex-ministro José Dirceu, ao levantar o punho depois
de ser condenado e preso no caso do mensalão.
Um advogado ligado a ele foi contratado para representar
a Astra (Foto: Sérgio Neves/Estadão Conteúdo)

A jaqueta laranja não é mais a mesma. Nem a autoridade política de Dilma, após ficar claro que ela avalizara a compra da refinaria Pasadena em 2006. Somente agora, tantos anos depois, ela se disse enganada pela diretoria da Petrobras, acusada de não ter explicado corretamente os termos do negócio. Como fica a imagem de gestora competente, marca de Dilma, assim como a jaqueta laranja é a marca da competência da Petrobras? A combinação das duas imagens pareceu fora do lugar. Tudo ali estava fora do lugar. O navio Dragão do Mar fora construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, uma sociedade entre as empreiteiras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, ambas suspeitas de pagar propina para conseguir contratos na Petrobras, segundo a PF investiga na Operação Lava Jato.

Nos últimos dias, Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, eNestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional, foram ao Congresso Nacional falar sobre o caso da refinaria Pasadena. Eles divergiram. Para Graça Foster, “o negócio originalmente concebido tornou-se um investimento de baixo retorno sobre o capital investido.” Para Cerveró, “foi um bom negócio, sem dúvida”. É útil relembrar a cronologia da transação. Em 2004, a empresa belga Astra comprou o controle acionário da refinaria Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões. A Astra pagou dívidas antigas, fez investimentos e vendeu 50% da refinaria à Petrobras por US$ 360 milhões. Havia no contrato uma cláusula segundo a qual, em caso de divergência entre os sócios, a empresa divergente deveria comprar a parte do outro. Tal divergência ocorreu em 2008, e a Astra fez uma proposta para vender a refinaria à Petrobras. A Petrobras decidiu não pagar e entrar na Justiça. Perdeu – e foi obrigada a pagar uma indenização de US$ 639 milhões.

O prejuízo, já grande, poderia ter parado por aí. Bastava à Petrobras ter feito um acordo com a Astra. De acordo com documentos inéditos obtidos por ÉPOCA, a Astra estava disposta a negociar. Em vez disso, a Petrobras preferiu entrar na Justiça outra vez. Perdeu de novo – e o prejuízo para o acionista subiu a US$ 1,2 bilhão.





COMO UM MAU NEGÓCIO SE TORNOU UM NEGÓCIO AINDA PIOR

Até julho de 2009, o negócio de Pasadena era apenas ruim para a Petrobras. Depois, se tornou desastroso – quando não suspeito, tamanha a sequência de más decisões tomadas no curso de muitos anos. Até ali, havia um prejuízo de US$ 639 milhões com uma refinaria que para nada servia, a não ser enriquecer advogados contratados para defender a Petrobras na Justiça americana. E enriquecer também ex-fun­cionários da Petrobras que foram trabalhar na Astra. Somente os advogados contratados pela Petrobras já haviam cobrado US$ 3,9 milhões em honorários. Mesmo perdendo.

A Astra, segundo executivos ouvidos por ÉPOCA, já estava satisfeita com a indenização. Havia outros processos na Justiça americana sobre o mesmo caso, mas a Astra, de acordo com executivos ligados a ela, estava disposta a fazer um acordo para encerrar o assunto. Não interessava extrair, nos tribunais, todo o dinheiro possível da Petrobras. Como uma trading, a Astra pretendia fazer mais dinheiro vendendo petróleo, nos anos seguintes, à própria Petrobras. E a manutenção de um longo e desgastante litígio contra a Petrobras, um dos gigantes do petróleo mundial, também afetava as outras relações comerciais da Astra, com empresas no mundo todo. Segundo esses executivos, a Astra não apenas poderia aceitar fazer um acordo. Ela queria fazer um acordo.

Se a Astra queria encerrar o assunto, quem poderia sair ganhando caso a Petrobras continuasse brigando nos tribunais? E, ainda por cima, brigando com poucas chances de se livrar do prejuízo de US$ 639 milhões – mas com chances razoáveis de aumentar substancialmente esse valor? Sem dúvida, os advogados contratados para prolongar essa briga. Quanto mais tempo e mais processos, mais honorários milionários para eles. Não parece fortuito, portanto, que a decisão de prolongar a disputa judicial tenha partido, na Petrobras, de um grupo de advogados. Ao menos oficialmente.

No dia 9 de julho de 2009, segundo documentos internos da Petrobras, o chefe do Jurídico Internacional, o advogado Carlos Borromeu, defendeu, perante a diretoria da empresa, que a Petrobras continuasse brigando com a Astra nos tribunais americanos. O departamento jurídico da Petrobras, como acontece na maioria das empresas, tem tal peso que raramente uma decisão é tomada em desacordo com a opinião dos advogados. Tem peso também, por óbvio, para escolher que advogados serão contratados para ajudar nos processos. Na Petrobras, os advogados reportam-se diretamente ao presidente – suas carreiras dependem dele. Naquele momento, o presidente era o petista José Sérgio Gabrielli, aquele que aprovara, anos antes, a compra da refinaria. E que, até hoje, defende o negócio.

Naquele dia de julho, Borromeu deveria estar em baixa. Fazia pouco tempo que uma corte arbitral dos Estados Unidos decidira que a Petrobras deveria pagar à Astra a indenização de US$ 639 milhões. Borromeu, sem se abalar pelo prejuízo que ele e seu departamento não haviam conseguido evitar na Justiça, disse aos diretores que a postura da Astra era “belicosa”. Disse também que a estratégia mais inteligente consistia em “prosseguir litigando” com os belgas. Por quê?

Segundo os cálculos apresentados por Borromeu à diretoria, a que ÉPOCA também teve acesso, eram mínimas as chances – 30%, para ser exato – de que a Astra aceitasse um acordo. Borromeu não explicou como chegara a esse percen­tual. Em contrapartida, argumentou, havia uma chance de 50% de que a Petrobras estancasse os prejuízos se continuasse nos tribunais. Logo, a decisão mais sensata era “prosseguir litigando”.

Para diretores que estavam na reunião, e altos executivos da Petrobras que entendiam do caso, os percentuais não faziam sentido. Estavam, na mais benigna das hipóteses, invertidos. O mais provável era que a Astra topasse um acordo. E, diante do tamanho do prejuízo que a derrota final da Petrobras nos tribunais americanos significaria, era preciso articular esse acordo. Gabrielli estava inflexível – não se sabe se por convicção pessoal, se por influência dos advogados ou se por ordens superiores. Como presidente, tinha poder para decidir que “sugestão de encaminhamento” seria feita ao Conselho de Administração, presidido por Dilma. Gabrielli comprou o argumento de Borromeu.

Procurado por ÉPOCA, Gabrielli afirma que “a disputa judicial buscava o melhor resultado para a Petrobras”. “As diferenças entre os sócios eram sobre procedimentos operacionais e o tamanho do investimento a realizar”, diz ele. “Buscamos explicitar as diferenças entre a disputa arbitral sobre essas questões e a judicial, que era o exercício do ‘put option’.” Pasadena foi um bom negócio? Gabrielli afirma que a resposta é “sim” para o momento da compra, mas não teria sido sob o cenário de 2008 a 2012. “Vale lembrar que a refinaria está em operação todos esses anos e, devido à disponibilidade de petróleo leve e barato no Texas, especificamente no campo de Eagle Ford, atualmente é lucrativa, ainda que a Petrobras não tenha realizado os investimentos para capacitá-la a processar petróleo pesado”, diz. Ele sustenta que as cláusulas omitidas do Conselho de Administração – a “put option” (sobre a opção de venda) e “marlim” (referente ao petróleo brasileiro) – não são as responsáveis por transformar um bom negócio no momento da compra, em 2006, em aparente mau negócio no cenário que vai de 2008 a 2012. “Nesse período, o mundo mudou, descobrimos o pré-sal e o planejamento estratégico da Petrobras acompanhou as mudanças”, diz. Quanto à cláusula “marlim”, que garantiria a rentabilidade de 6,9% à sócia da Petrobras no caso de duplicação da capacidade de refino, ela é inócua. “Como não houve o investimento previsto – e essa é a razão da disputa judicial com a Astra –, ela não é válida. Isso foi reconhecido pela Justiça americana.”

Na época da reunião da diretoria, Cerveró não era mais diretor internacional da Petrobras. Pelos bons serviços prestados ao PT e ao senador Renan Calheiros, que também o apadrinhava, fora realocado para a Diretoria Financeira da BR Distribuidora, uma das principais subsidiárias da estatal. Em depoimento ao Senado nos últimos dias, Graça Foster deu a entender que Cerveró fora rebaixado em virtude do mico Pasadena. Nem tanto. É como se Cerveró deixasse de dirigir uma Ferrari para pilotar um Jaguar – e com o mesmo combustível BR. A Ferrari agora estava nas mãos de Jorge Zelada, apadrinhado pela bancada do PMDB na Câmara. Era ele que, ao lado de Paulo Roberto Costa, pilotava o bólido mais veloz da Petrobras, tinha de dar explicações e resolver o problemaço que se tornara Pasadena. Ambos discordavam do cavalo de pau proposto pelo jurídico da Petrobras – e aprovado por Gabrielli.

Os técnicos abaixo deles, também. Nos relatórios internos obtidos por ÉPOCA, eles criticam o resultado da reunião e a posição de Gabrielli. Parte desse material já foi publicado por ÉPOCA – mas a íntegra dos documentos agora revelados detalha os bastidores que levaram a Petrobras a ter ainda mais prejuízo com Pasadena. “Após a explanação (do advogado), resolveu a Diretoria apresentar ao Conselho a sugestão de não negociar-se com a Astra e sim prosseguir com a ação na Corte”, escreveram os executivos da área de Abastecimento. “A razão que fez com que a Diretoria optasse pelo prosseguimento da ação ao invés do acordo deveu-se principalmente pela alegada ‘prepotência’ com que a Astra vem se colocando frente à Petrobras e, segundo colocado na Diretoria, nunca ter havido de parte da Astra uma manifestação de desejar o acordo.”

Eles preferiam o acordo. E tinham argumentos, não apenas legais, para isso. Um deles: “O fato de pessoa altamente credenciada da Astra e membro do seu Board ter procurado uma aproximação para início de entendimentos com a Petrobras”. Em seguida, deixando de lado a dita prepotência dos executivos da Astra, os técnicos afirmaram o óbvio: o acordo significava menos prejuízo num negócio que, use-se lá qual fórmula matemática, já era um mico. “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá para cima de US$ 1 bilhão, acrescidos de honorários de sucumbência. Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na arbitragem, e a possibilidade de perder na Corte é preocupante”, escreveram.

Diante desse cenário, o que propuseram os executivos? “A ministra Dilma deverá ser procurada para ser informada de que a Astra está procurando entendimentos, inicialmente por canais informais. (…) Com isto, a ministra Dilma deveria, na reunião do Conselho da próxima sexta-feira, comunicar que estão havendo (sic) movimentos de aproximação da Astra com relação a Petrobras e, com isto, o Conselho daria um prazo para que se consumasse o acordo – ou, aí sim, a partir deste prazo não restaria outra alternativa senão prosseguir na Corte.”

Os técnicos foram ignorados, os advogados prevaleceram, e o Conselho presidido por Dilma tomou, mais uma vez e no mesmo caso, uma decisão que, sob a luz do presente, revela-se profundamente danosa aos cofres – e à imagem – da Petrobras. Pode-se argumentar que Dilma e o Conselho de Administração foram, como no começo do caso Pasadena, mal assessorados. Que não tinham acesso às informações necessárias para tomar a melhor decisão possível em favor da Petrobras.

Outros executivos talvez tivessem prestado atenção aos apelos dos técnicos para levar a sério as abordagens informais da Astra. Mesmo depois que o Conselho presidido por Dilma resolveu levar a briga judicial até as últimas consequências, executivos da Astra prosseguiam buscando formas de encerrar o caso – o oposto do que asseguravam, meses antes, os advogados da Petrobras. Tamanho era o desejo dos belgas de pôr fim à disputa judicial que Mike Winget, presidente da Astra nos Estados Unidos, e Kari Burke, diretora da empresa, vieram ao Brasil diversas vezes, em busca de contatos políticos que resolvessem o caso definitivamente.

Segundo empresários e lobistas que mantiveram contato com eles, os diretores da Astra queriam duas coisas: que a Petrobras pagasse os US$ 639 milhões e que as duas empresas voltassem a fazer negócios. Para conseguir, a Astra, de acordo com esses relatos, estava disposta a pagar até US$ 70 milhões à pessoa certa – à pessoa que resolvesse o caso. Procuraram o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e um assessor informal dele, Carlos Mattos.

Como revelou ÉPOCA, Fernando Baiano é parceiro de negócios de Paulo Roberto. Baiano não conseguiu resolver. Procuraram outros lobistas, que também não resolveram. Nas conversas com esses lobistas e empresários, os dois executivos da Astra diziam que haviam contratado um advogado ligado ao ex-mi­nistro José Dirceu para resolver o assunto. Não declinavam o nome do advogado, o método empregado por ele para “resolver”, nem o andamento das tratativas. Para convencer a Petrobras a encerrar o caso, os executivos conseguiram até que o senador americano Ted Kennedy enviasse uma carta à presidência da Petrobras, apelando para a boa relação entre os dois países.

A intensa movimentação dos executivos demonstra que a Astra não estava interessada em faturar os US$ 1,2 bilhão pagos pela Petrobras. Queriam mais – mas em negócios. Ao fim, quem mais ganhou com tudo isso, além dos belgas, foram os advogados contratados pela Petrobras.

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O FETICHE DO JATINHO


 REVISTA ISTO É Edição: 2317 | 17.Abr.14


Leonardo Attuch



Eis uma questão intrigante: por que os políticos brasileiros não aceitam viajar como gente normal?


Só Freud explica o fascínio que as aeronaves exclusivas, os jatinhos, exercem sobre políticos brasileiros. É um encantamento de ordem sexual, que faz com que o passageiro se sinta acima e mais poderoso do que o comum dos mortais. Uma questão fálica, um fetiche. Só recorrendo à psicanálise é possível entender por que homens públicos de carreiras promissoras coloquem tudo a perder a troco de algumas horas de voo sem a companhia de desconhecidos.

O último a cair em tentação foi André Vargas. Depois de 14 anos como parlamentar, o político havia chegado quase ao topo da carreira política. Era vice-presidente da Câmara dos Deputados e tentaria concorrer ao Senado, em 2014. Seu sonho, declarado, era o de presidir o Senado. Virou pesadelo quando se descobriu que ele e a família foram de Londrina (PR) a João Pessoa (PB) num jatinho tomado de empréstimo junto ao doleiro Alberto Youssef. Uma viagem, diga-se de passagem, totalmente desnecessária, posto que suportável na aviação comercial – menos de seis horas de trajeto, com apenas uma escala.

Antes dele, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), levou amigos a um jogo da Seleção Brasileira num jato da FAB. Seu colega no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi a um casamento. Quando descobertos, decidiram devolver os recursos, desembolsando muito mais do que teriam gasto na aviação comercial.

A grande questão é: por quê? Que sensação é essa que um jato produz? Eu tenho, você não tem?
Não por acaso, o Brasil se transformou num dos maiores mercados para a aviação executiva no mundo. E não necessariamente porque os donos desses aviões precisem dos brinquedos – caros para comprar e também para manter – para suas viagens particulares. Na realidade, o que interessa a empreiteiros, doleiros, financistas e muitos outros donos de aeronaves é usá-las como instrumento de lobby e de favor. Uma espécie de pé-de-cabra para abrir portas no mundo político.

Quem se submete a isso, seja por status ou por fetiche, corre o risco de sair da política pela porta dos fundos.

IBGE SOB ATAQUE

REVISTA ISTO É N° Edição: 2317 | 17.Abr.14


Para evitar que informações negativas sobre o desempenho da economia causassem danos à candidatura de Dilma Rousseff, governo intervém politicamente no IBGE, um respeitado órgão público que deveria primar pela independência

Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) e Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br)


É comum que em regimes de exceção o governo manipule dados oficiais para tentar legitimar-se no poder e não perder apoio popular. Numa democracia, esse tipo de atitude é condenável. Mas foi exatamente isso que o governo federal decidiu fazer. Levando ao pé da letra aquela máxima do ex-ministro de FHC, Rubens Ricupero, de que “o que é bom a gente mostra, e o que é ruim a gente esconde”, o governo impediu que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgasse este ano o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Este é um estudo novo desenvolvido com amostragem e abrangência diferentes da tradicional Pesquisa Mensal de Emprego (PME) com a qual o IBGE avalia a situação do mercado de trabalho no País. Ao não divulgar o levantamento, o objetivo do governo foi o de evitar que se desse conhecimento à população que o desemprego em 2013, nessa nova pesquisa, chegou a 7,1% na média nacional, que o Nordeste registra índice de 9,5%, quase o dobro do do Sul, e que 20% dos jovens nordestinos aptos para o mercado não têm ocupação.


REAÇÕES
Técnicos do IBGE protestaram em frente à sede do instituto
no Rio, na quarta-feira 16, contra a ingerência do governo Dilma

A divulgação dos dados agora poderia ser usada para contrapor-se ao patamar de 5% de desemprego ostentado pelo governo Dilma com base no PME, seu estudo tradicional. O PNAD considerou uma amostra de 211 domicílios de 3,5 mil municípios. É, portanto, muito mais abrangente do que a pesquisa que vem sendo divulgada pelo governo, baseada em cálculos de seis regiões e não no Brasil inteiro. Apesar dessa inequívoca constatação, orientados pelo Planalto, parlamentares de base de apoio ao governo no Congresso passaram a questionar a nova metodologia.

Antes mesmo de conhecidos os números da pesquisa, a ex-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que hoje lidera a tropa de choque do governo no Senado, encaminhou requerimento à ministra do Planejamento, Miriam Belchior, propondo discutir a nova sistemática do IBGE “com os senadores e governos estaduais, inclusive com os próximos governos eleitos”. O requerimento ao Planejamento foi a senha para que a presidente do IBGE, Wasmália Socorro Barata Bivar, suspendesse a divulgação da PNAD e decidisse criar um grupo de trabalho para rever a metodologia. Bivar só não esperava a forte reação dos técnicos, que ficaram indignados com a ingerência política.



Em meio à polêmica, a diretora de Pesquisa, Márcia Quinstlr, e a coordenadora da Escola Nacional de Estatísticas, Denise Britz, pediram exoneração de seus cargos. Outros coordenadores ameaçam segui-las e 45 técnicos também se manifestaram por meio de um abaixo-assinado, prometendo cruzar os braços caso a pesquisa não seja divulgada. “Instalou-se no IBGE um clima geral de indignação e estranhamento”, acusou o sindicato nacional dos funcionários do instituto, ASSIBGE. Na quarta-feira 16, cerca de 200 servidores se reuniram para protestar em frente à sede da Diretoria de Pesquisas do órgão, no número 500 da Avenida Chile, no centro do Rio. “O IBGE não pode submeter a metodologia de uma pesquisa que já está em campo à vontade de políticos atuais ou de candidatos”, bradava ao microfone o técnico Antônio Ângelo. Ele reclamou que a decisão de suspender a divulgação da PNAD sequer foi levada a conhecimento prévio do corpo técnico.

Diretora da ASSIBGE, Ana Magni reclamou da tutela partidária num órgão reconhecido pelo rigor científico. “Nosso trabalho é rigorosamente construído a partir de conceitos científicos e padrões técnicos e não pode ser adaptado a qualquer mudança legislativa ou política, que muitas vezes envolve interesses particulares ou específicos”, afirmou. Suzana Lage Drumond, também da ASSIBGE, concorda. “Agora é a PNAD Contínua, amanhã é outro projeto. A autonomia do IBGE está em primeiro lugar e não vamos abrir mão disso”, disse. Para Suzana, há uma clara tentativa de subjugar o órgão aos interesses dos governantes de plantão, uma estratégia que passa pelo sucateamento do IBGE, com cortes orçamentários e a terceirização da mão de obra, em vez da realização de concursos públicos. O quadro de funcionários é antigo e 70% devem se aposentar até 2015. A ASSIBGE compara a situação atual com o que ocorreu na Argentina, em 2007, quando o então presidente Nestor Kirchner, insatisfeito com o alto índice de inflação, determinou intervenção no Instituto Nacional de Estatísticas e Preços (Indec), o IBGE de lá.


DEMISSÃO
Proibida de divulgar levantamento desfavorável ao governo,
a diretora de Pesquisa do IBGE, Márcia Quinstlr, pediu para sair


Na última semana, a presidente do órgão empreendeu uma ginástica verbal para rejeitar a tese de interferência política. Sem conseguir se explicar com clareza, ela acabou atribuindo a suspensão da divulgação dos resultados a um mero “equívoco” na interpretação sobre o prazo para a entrega dos dados de renda domiciliar. Em texto publicado na internet, a Executiva da ASSIBGE deu outra versão. “Foram 14 edições do Fórum SIPD (Sistema de Pesquisas Domiciliares) e dezenas de eventos nacionais e internacionais que contaram com representações governamentais, institutos de pesquisa, universidades e ampla participação da sociedade em geral nesta formulação”, acrescenta.

Alçada ao cargo por Dilma em 2011 como primeira mulher a comandar o IBGE, Wasmália Bivar provém dos quadros do próprio instituto, assim como seu antecessor, Eduardo Pereira Nunes. Como técnicos, deveriam primar pela manutenção da independência de um órgão que se tornou referência nacional e internacional desde sua fundação em 1938. Mas, ao longo de sua história, o IBGE já foi alvo de ataques semelhantes. Na década de 1970, o instituto mostrou que o chamado “Milagre Econômico” da ditadura não se refletiu em distribuição de renda. É conhecido o episódio em que o então ministro da Fazenda Delfim Neto tentou forçar a FGV a manter o índice de inflação em 15%, enquanto o IBGE cravava uma taxa de 26%. No início da década de 1990, o ex-presidente Fernando Collor, insatisfeito com os resultados desfavoráveis disseminados pelo IBGE, tentou esvaziar o instituto, ao deixar de contratar os 180 mil temporários para a realização do Censo. Em vão. Desde então, o IBGE se autoproclamou a “ilha de resistência” às tentações da “direita pelega” em manipular as estatísticas. Passou a atuar sob influência do chamado “núcleo de economistas” do PT, que aos poucos galgaram a postos de comando, sobretudo depois da chegada de Lula ao poder. Infelizmente, o que se vê agora é a negação desse passado.



Intromissões indevidas

Não é apenas o IBGE que tem sua credibilidade arranhada com uma inoportuna intromissão política em sua gestão e métodos de trabalho. Há poucas semanas, por vias distintas, mas não menos inadequadas, o IPEA havia revelado surpreendente fragilidade técnica ao errar feio numa pesquisa sobre o percentual de brasileiros que justificariam agressão às mulheres que usassem roupas provocativas. A queda de qualidade nos serviços prestados por uma das mais respeitadas instituições de pesquisas do Brasil, responsável histórica por embasar o planejamento econômico nacional, é fruto, segundo seus próprios técnicos, da “ideologização” de suas funções, agora dirigidas a marqueteiros interesses governamentais.

Escândalos recentes também mostram que outro símbolo de excelência do Estado brasileiro – a Petrobras – vem sendo abalado por conta do aparelhamento político que, além de provocar o gigantismo da estatal, leva a decisões estapafúrdias. Em parte, é essa uma das razões que levaram a empresa a perder R$ 201 bilhões de patrimônio e vale hoje metade do que valia em 2010. A mistura de aparelhamento e política populista não costuma ter resultados positivos.

A combalida Eletrobrás, que nunca foi um modelo de gestão, já acumula uma conta de cerca de R$ 20 milhões que deve estourar no ano que vem, tudo para atender aos desejos do Palácio do Planalto.

Fotos: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO; Ueslei Marcelino/REUTERS

CRITÉRIOS TÉCNICOS



ZERO HORA 19 de abril de 2014 | N° 17768


EDITORIAL




O protesto dos servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contra a suspensão de uma pesquisa por interferência política reforça a necessidade de desaparelhamento dos institutos oficiais e de outros órgãos públicos. Assim como a Petrobras precisa ser preservada do descrédito causado pela má gestão, também institutos oficiais de pesquisa, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o IBGE, devem ser colocados acima de eventuais erros de seus colaboradores e, principalmente, das influências políticas indevidas.

O erro do Ipea na pesquisa sobre machismo foi grave mas circunstancial e não compromete a seriedade da instituição. Já a mudança de critérios no IBGE, que provocou a demissão de uma diretora e revolta de um grupo de técnicos, merece investigação e atenção maior dos brasileiros, pois o episódio revela uma perigosa tentativa de politização do instituto, para satisfazer interesses eleitorais.

Embora envolvam o risco de manipulação de números vitais para o país, decisivos para a formulação de políticas públicas, os dois casos têm características distintas. O IBGE, há oito décadas abastecendo o país de informações isentas, resistiu até agora às continuadas tentativas de interferência em sua atuação, em diferentes governos. O Ipea, que se vale de dados coletados pelo IBGE, sempre se mostrou mais sujeito a ingerências de ordem política. A consequência mais visível foi o fato de o seu maior abalo ter se originado numa pesquisa de opinião pública, que está longe de se constituir no foco de sua atividade.

Em qualquer caso, o Brasil precisa ter o máximo de cuidado para preservar suas instituições voltadas para a pesquisa e a estatística, até mesmo para evitar problemas de falta de credibilidade nesta área como os registrados hoje na Argentina. A única forma de garantir essa isenção é permitir que possam se pautar sempre por critérios essencialmente técnicos.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O Brasil ainda não conseguiu se livrar do totalitarismo da ditadura que patrocina os poderes, mantém o povo a cabresto, manipula as informações e gerencia a justiça e a segurança. O resultado é um povo alienado pagando altos tributos e recebendo serviços precários. 

DIAS PIORES VIRÃO


ZERO HORA 19 de abril de 2014 | N° 17768


PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA




Não é preciso ter bola de cristal para dizer que a última pesquisa do Ibope, na qual a presidente Dilma Rousseff perdeu três pontos mas continua com índices suficientes para vencer no primeiro turno, foi excelente perto do cenário que se avizinha. Os problemas de Dilma não são, ainda, os adversários que, mesmo com maior exposição, não capturam os pontos que ela perde. As sombras que devem assustar o Planalto são a economia e o desgaste provocado pelas denúncias de irregularidades na Petrobras.

Os petistas costumam desdenhar das previsões pessimistas chamando de urubólogos os que alertam para a deterioração dos indicadores econômicos, mas é impossível não associar a queda na popularidade de Dilma a fatores ligados ao bolso do cidadão.

O primeiro problema é a inflação, que ameaça uma das principais conquistas do país, a estabilidade econômica. Ela voltou a recrudescer e não dá sinais de que venha a ceder nos próximos meses. Fosse apenas a pressão do preço dos alimentos, poderíamos estar diante de um fenômeno sazonal. Mas não: o aumento absurdo da tarifa de energia elétrica, que chega a 30% em alguns casos, vai espalhar reflexos em outros preços.

O reajuste da energia não só anula a redução concedida com estardalhaço no ano passado, como produz um rombo nas contas do consumidor. As empresas repassam o aumento do custo da produção e a pessoa física acaba sendo duplamente penalizada. E não é só isso: o risco de falta de energia é tão real que o governo planeja fazer uma campanha para que o consumidor economize. O objetivo é evitar o racionamento.

Mesmo que a culpa seja de São Pedro, que não mandou chuva suficiente para encher os reservatórios, qualquer problema de falta de energia derruba um dos discursos mais caros ao PT, o de que o apagão da época do governo Fernando Henrique Cardoso foi imprevidência e falta de gestão.

As preocupações na área política se concentram na Petrobras, com a retomada do debate sobre a criação da CPI depois da Páscoa. Em menos de dois meses, vem a Copa, com ameaças de protestos e até de greves.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

OMISSÃO SUSPEITA


ZERO HORA 18 de abril de 2014 | N° 17767


EDITORIAIS



O depoimento do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró à Câmara dos Deputados acentua um absurdo cometido na compra da refinaria de Pasadena. Disse o ex-executivo que o resumo do contrato apresentado ao conselho de administração, em 2006, não continha as cláusulas put option e Marlim, que acabaram sendo decisivas no mau negócio. E acrescentou que não eram relevantes. Ora, isso é inadmissível. As duas cláusulas talvez fossem as mais relevantes do contrato. Mesmo que pareça uma formalidade incompreensível ao grande público, o mecanismo da put option pode ser facilmente traduzido. Essa ressalva, que está no contrato, permitia que a sócia belga Astra Oil abandonasse o negócio, obrigando a parceira no caso a Petrobras a assumir todo o empreendimento. E foi o que aconteceu.

Já a cláusula Marlim assegurava aos belgas uma rentabilidade mínima de 6,9% ao ano, como se apenas a empresa brasileira tivesse a obrigação de absorver perdas. É óbvio que as condições contratuais desfavoreciam a estatal. Tanto que a aquisição da refinaria logo se comprovou como péssimo negócio. A parceira estrangeira, amplamente privilegiada, desistiu da empreitada, que hoje pode ser definida, sem exageros, como uma aventura bilionária. É surpreendente que duas cláusulas decisivas para a compreensão do imbróglio tenham sido omitidas pelo citado diretor, quando da apresentação do relatório prévio ao conselho de administração da empresa, em 2006. Disse agora Nestor Cerveró aos parlamentares, com a maior naturalidade, que tais informações seriam detalhes sem importância.

Há uma evidente contradição entre a percepção do ex-diretor e a da própria presidente da República. A senhora Dilma Rousseff já se referiu à omissão das cláusulas, quando da apresentação do relatório ao conselho. Na época, a economista presidia o conselho e chefiava a Casa Civil. Esta semana, também a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, em depoimento no Senado, criticou a falta de referências às cláusulas quando da exposição de Cerveró e disse que o ex-diretor foi afastado da direção da área internacional, em 2008, exatamente por conta desta omissão.

Nada disso anula as responsabilidades de todos os envolvidos nas negociações. Ao contrário, o conflito de pontos de vista, dentro do próprio governo, indica que o Senado deve ater-se a este e outros detalhes nebulosos, quando das atividades da CPI que investigará a estatal. Ampliam-se, a cada manifestação dos protagonistas do negócio de Pasadena e das intervenções públicas do Planalto, as evidências de que a compra da refinaria teve dados camuflados e causou danos financeiros e à imagem já desgastada da Petrobras. Resta esclarecer se há fundamento nos indícios de que, além do erro, podem ter ocorrido delitos. Esta é a principal missão da CPI.