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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

AMOSTRA DO DESCONTROLE

ZERO HORA 14 de fevereiro de 2014 | N° 17704


CARLOS ROLLSING


TRANSPORTE COLETIVO



Documentos arquivados na Junta Comercial e anexados a um processo judicial de inventário mostram que o consórcio de ônibus STS, que atende a bacia Sul da Capital, acertou livremente trocas na operação das concessões de transporte coletivo em Porto Alegre, contrariando a legislação federal e municipal e sem interferência da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Pelo menos em duas oportunidades, em 2002 e 2008, depois de a EPTC pedir melhorias no serviço, a Expresso Cambará Ltda transferiu suas cotas dentro do consórcio e repassou, junto, a linha Cruzeiro, de grande circulação.

Em crise devido aos valores das tarifas e a indicadores de qualidade, paralisado nas últimas semanas por uma greve histórica, o sistema de transporte coletivo em Porto Alegre é influenciado por decisões de gabinete dentro das empresas.

Nesta reportagem, Zero Hora expõe como falhas na gestão permitiram que um dos consórcios de ônibus transferisse linhas entre suas empresas sem autorização do poder público – o que, além de contrariar a legislação, não melhorou o serviço prestado.

Como se trata de um serviço público, as concessões são consideradas intransferíveis. Em caso de desinteresse da empresa, ou incapacidade de prestar o serviço, as linhas devem ser reassumidas pela prefeitura, conforme as previsões das leis federal 8.987 e municipal 8.133.

As operações envolvendo a Cambará ocorreram sem que a EPTC interferisse: em vez de requisitar novamente as linhas e realizar licitação para sua exploração, os gestores públicos, de acordo com a STS, lavaram as mãos.

– A Cambará reconhecia suas dificuldades operacionais e veio a pleitear que suas tarefas e atribuições fossem supridas pelas demais empresas integrantes do Consórcio STS, o que efetivamente foi praticado, com o conhecimento e anuência da EPTC – afirmou o consórcio, em nota oficial.

O que a STS interpretou como anuência da EPTC para fazer a “cedência e transferência” das cotas da Cambará são dois ofícios que apenas pediam melhorias na frota da permissionária, que estava em más condições e com altos índices de reprovação mecânica. Sem comunicar à prefeitura, o STS fez as transferências e repassou, ao longo dos anos, as placas (autorização que cada ônibus recebe para circular) da Cambará para as demais empresas do consórcio.

ZH pediu ao STS e à EPTC documentos que comprovem a anuência do poder público para a operação, mas ambos não os apresentaram. Sem a autorização, o repasse tem punição determinada no artigo 27 da Lei Federal 8.987: “A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão”.

Desde o início da década passada, a Cambará vinha com dificuldades financeiras e operacionais. A primeira mudança na composição acionária foi em 24 de maio de 2002, quando a empresa transferiu 60% de suas cotas à Viação Teresópolis Cavalhada e à Viação Belém Novo, ambas integrantes da STS. Em outubro de 2005, com a morte do dono Antônio Demarchi Chula, a Cambará começou a ser extinta e sua participação no consórcio foi redistribuída em janeiro de 2008 com a justificativa de que as dificuldades financeiras a impediam de operar.

Neste caso, mais uma vez, a previsão legal indicava que as cotas deveriam ser retomadas pela prefeitura, e não redistribuídas pelo STS, que repassou as operações a Transportes Coletivos Trevo, maior empresa do consórcio.

“Extingue-se a concessão por: falência ou extinção da empresa concessionária”, diz o artigo 42 da Lei Municipal 8.133.

Transferência não melhorou serviços

Quando foi excluída do STS, a Cambará operava uma das linhas de maior movimento em Porto Alegre: a Cruzeiro, com terminal na Rua Uruguai, no Centro. Um dos antigos fiscais da concessionária, que prefere não se identificar, lembra que os ônibus da Cambará/Cruzeiro “andavam sempre lotados, dia e noite”. No auge, antes de 2002, a empresa tinha cerca de 30 veículos aptos a circular. Entre 2002 e 2008, manteve-se com 11 veículos fazendo a linha Cruzeiro.

Documentos mostram que a transferência de cotas da Cambará, que, segundo a alegação do STS, foi feita para melhorar a qualidade do transporte, acabou se tornando ineficiente. O ofício emitido pela EPTC em dezembro de 2002 – sete meses depois de 60% das cotas terem sido transferidas – manifesta preocupação quanto às condições mecânicas da frota e pede regularização. Pouco mais de cinco anos depois, em janeiro de 2008, os problemas persistiam. O novo ofício da EPTC, interpretado pela STS como anuência para redistribuir suas linhas, diz que a empresa estava com índices de 60% de reprovação nas vistorias. Isso ocorreu três dias antes de a Junta Comercial registrar a extinção da Cambará no consórcio STS.

Legislação prevê autorização prévia

O documento de constituição do consórcio STS, assinado somente pelas empresas, prevê a possibilidade de saída e ingresso de permissionárias do grupo – o que não descarta a necessidade de anuência da prefeitura. O próprio documento refere que, em caso de retirada de uma participante do consórcio, a posterior licitação deverá abarcar somente as linhas da permissionária extinta, enquanto as demais empresas seguirão operando o restante do consórcio.

Questionado se o poder público autorizou a mudança nas linhas, o presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, diz que a questão não é da época em que estava à frente do órgão. ZH perguntou, então, se as empresas têm autonomia para transferir cotas:

– Em princípio, não pode. Mas tem de analisar juridicamente – diz Cappellari.

O caso deve se tornar alvo de debate político em Porto Alegre, conforme indicação do vereador Pedro Ruas (PSOL).

– Do meu ponto de vista, isso tem de ser objeto de uma CPI imediatamente. Temos muitos fatos graves, como a hipótese de venda por dentro do sistema de uma concessão pública – afirmou.



Viúva de ex-dono suspeita de venda


O conflito familiar que trouxe à tona as transferências de placas entre as empresas do consórcio STS levanta a suspeita de que as autorizações para transportar passageiros em Porto Alegre podem ter sido vendidas, e não cedidas.

Adriana Vianna Chula, viúva do dono da Cambará, Antônio Demarchi Chula, afirma que as cotas no consórcio teriam sido vendidas para os outros transportadores da STS – que negam a hipótese. No inventário, um dos filhos de Chula, Antônio Demarchi Chula Junior, nega ter recebido dinheiro em troca do repasse das cotas da Cambará. No entanto, a então promotora de Justiça Ieda Husek Wolff, ao dar parecer sobre o caso, chama a atenção para a ausência de documentos que comprovem a lisura da negociação.

Na divisão de bens entre os herdeiros, um acordo foi selado: a viúva Adriana aceitou repassar os 35% a que tinha direito nas cotas da Cambará a Raul Antônio de Souza Chula– um dos oito filhos da primeira união do dono da empresa. Os outros sete irmãos ficariam com o prédio da administração do STS, enquanto Adriana herdaria outros imóveis do marido.

O acordo foi assinado por todos em 27 de dezembro de 2007 na Vara de Família do Foro Regional da Tristeza, mas sua validade dependeria da homologação da Justiça. Em 12 de janeiro de 2008, antes de isso ocorrer, a Expresso Cambará era extinta na Junta Comercial por Antônio Demarchi Chula Junior, filho do primeiro casamento do pai. Na alteração contratual número 6, a empresa retira-se do consórcio alegando “impossibilidade material de prosseguir na execução dos serviços de transporte”.

Com a transferência de cotas na STS fechada, e o acerto judicial ainda não homologado, Chula Junior e seus irmãos voltaram atrás e deixaram de aceitar os termos do acerto. Até hoje as propriedades remanescentes do patriarca seguem em discussão judicial no Foro da Tristeza. Advogada de Adriana, Solange Leandro da Silveira questiona a versão de que a transferência foi “em troca de nada”.

– No acordo judicial, eles quiseram ficar com 100% da empresa e a minha cliente ficaria com os imóveis. Depois disso, passaram a dizer que cederam a empresa porque não tinha mais valor, estava endividada. Então por qual motivo haviam ficado com a empresa? Devo concluir que são beneméritos? – protesta.

Para a advogada, os irmãos pediram a totalidade das cotas da Expresso Cambará para vendê-las à STS. E teriam feito o negócio antes da homologação do acordo, para então desistir dos termos e pleitear o restante da herança.


O QUE É O CONSÓRCIO STS - É um conjunto de empresas que operam as linhas de ônibus da bacia Sul de Porto Alegre. Sua fundação ocorreu em 1996, com a participação de cinco empresas: Viação Belém Novo, Restinga Transportes Coletivos, Viação Teresópolis Cavalhada, Transportes Coletivos Trevo e a Expresso Cambará, retirada do grupo em 2008. Segundo o STS, a frota total é de 462 veículos. Eles transportam cerca de sete milhões de passageiros ao mês na capital gaúcha. Além da Carris, empresa pública de transporte administrada pela prefeitura, outros dois consórcios privados atuam em Porto Alegre: Conorte e Unibus.

CONTRAPONTOS

Antônio Demarchi Chula Junior, responsável por assinar a extinção da Cambará na Junta Comercial - “Não vendemos a Cambará, apenas paramos de participar (do consórcio).”

Antônio Augusto Lovatto, gerente executivo do consórcio STS - “A Cambará deixou de operar por vários problemas operacionais. O STS atendeu a uma demanda existente em função das dificuldades da empresa.”

Raul Antônio de Souza Chula - Não foi encontrado para comentar o caso.

EPTC - “A relação que a EPTC e o município têm para operação do transporte é com os consórcios de ônibus, segundo a lei 8.133/98. Como a obrigação de atender a região da Cambará é do STS, o atendimento das linhas é prestado pelo consórcio e, consequentemente, as empresas que o compõem. Informamos que as gestões da EPTC, nas épocas correspondentes, em ofícios, solicitaram que o STS tomasse as medidas necessárias para minimizar os problemas de atendimento aos usuários da Cambará.”

Consórcio STS - “Não houve negociação alguma e sim, apenas, o suprimento, pelo Consórcio, da incapacidade operacional da Expresso Cambará. A EPTC determinou ao Consórcio que este assegurasse a continuidade das operações pertinentes à Bacia Sul do sistema de transporte, tal como prevê a Lei nº 8.133/98. Não havia, então, condições técnicas para efetuar licitação imediata, porque os parâmetros reguladores desse novo modelo de gestão ainda não estavam concluídos. Não houve cessão de cotas da empresa Cambará em momento algum. Houve, apenas, o seguinte: em vista da progressiva redução de atividades da Cambará, o seu coeficiente de participação no Consórcio STS foi sendo reduzido, até culminar na sua saída do consórcio. A Cambará reconhecia suas dificuldades operacionais e veio a pleitear que suas tarefas e atribuições fossem supridas pelas demais empresas integrantes do Consórcio STS, o que efetivamente foi praticado, com o conhecimento e anuência da EPTC.”



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