VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

JAQUIRANA, 2012

ZERO HORA 02 de novembro de 2012 | N° 17241.ARTIGOS

Montserrat Martins*


A Polícia Civil de Jaquirana (RS) prendeu por compra de votos um filho do prefeito reeleito, o coordenador da campanha e um verea-dor da cidade, de 4 mil habitantes, no último dia de outubro. Houve resistência de populares, que amea- çavam entrar na delegacia para forçar a liberação dos presos. Não por falta de provas da compra de votos, mas, sim, ao que tudo indica, porque, para os moradores que protestavam, tais práticas fazem parte de sua cultura.

Mississipi em Chamas retratou um fenômeno semelhante, o do combate a um crime (no caso, o racismo) que já afrontava a consciência nacional, mas que ainda estava de tal modo enraizado em culturas locais que os agentes federais é que eram vistos como os inimigos naquelas regiões. O clássico filme recebeu sete indicações para o Oscar em 1989, por coincidência o mesmo ano da emancipação de Jaquirana (desmembrando-se de São Francisco de Paula), mas obviamente não há qualquer relação entre os dois fatos. O drama de Mississipi envolvia a violenta KKK, altamente organizada, enquanto os fatos de Jaquirana traduzem apenas uma triste “tradição cultural” política que só se distingue de muitos outros municípios pelo fato de a Polícia Civil ter feito seu trabalho.

Jaquirana merece entrar para a história não como sendo uma cidade corrupta, mas como aquela em que a Polícia Civil levou a sério a sua responsabilidade com a cidadania, evitando que a lei eleitoral seja “letra morta” diante de uma cultura clientelista espalhada pelo país. Em outros locais, em contraste, ouvimos lamentações de que as autoridades de vários níveis e esferas, desde as polícias até o Ministério Público, estão tão “absortas” na cultura local a ponto de não identificarem tais tipos de crimes, como quem não quer se incomodar com – ou ainda pior, como quem faz parte diretamente dos – poderes locais que se locupletam com o clientelismo.

Tão generalizado esse tipo de práticas, tão comum em pleitos municipais, que fica a dúvida sobre se representam a vontade da maioria da população, justificando o ditado segundo o qual “cada povo tem o governo que merece”. Mas os que “não merecem” governos corruptos ficam sem ter a quem recorrer: em muitos lugares, são pessoas sem voz, sem representantes, sem cidadania plena, entregues a seus sentimentos de impotência diante do mar de lama e da conivência de tantos.

Os federais retratados em Mississipi em Chamas (e aqui, a título de exemplo, não importa se o filme é meramente alegórico ou se foi fiel aos fatos) e a Polícia Civil de Jaquirana representam o braço da lei – aqui em sua expressão maior, de legítima força do processo civilizatório – que se impõe a culturas que queremos deixar para trás na História. A análise socioeconômica do mundo atual inclui questionar novas formas de “escravidão” disfarçadas, bem como o imperialismo comercial, mas nem isso permite concluirmos que não foi um avanço o fim da escravidão ou do colonialismo de séculos passados. Que Jaquirana, assim como Mississipi e tantos outros exemplos de conflitos de intenso teor moral, seja um marco de um processo evolutivo e não apenas um fato ocasional.

*MÉDICO PSIQUIATRA, BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

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