VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

domingo, 1 de abril de 2012

OS CÍNICOS


FLÁVIO TAVARES, JORNALISTA E ESCRITOR - ZERO HORA 01/04/2012

A morte de Millôr Fernandes entrecruzou-se com as notícias sobre o “muito vivo” senador Demóstenes Torres, de Goiás, como se tudo no mundo fosse antagônico e paradoxal. Sem buscar notoriedade, observando a sociedade e a vida com ironia, Millôr não foi apenas jornalista, escritor, desenhista e tradutor de Shakespeare, Tchecov ou Sófocles, mas – de fato – o grande filósofo e pensador do Brasil moderno. Ninguém analisou tão bem o comportamento social quanto ele, no humor de frases que são aforismos profundos sobre o comportamento dos indivíduos ou da sociedade.

“Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem!” – escreveu ele sobre a vida. E sobre a morte: “O cadáver é que é o produto final: nós somos apenas a matéria-prima”. Filosofava fazendo humor, com humildade, sem os tons pernósticos daqueles que sabem apenas citar e jamais criar.

No dia em que, aos 88 anos, ele morreu no Rio, apareciam na imprensa novos detalhes da conexão da máfia da jogatina com um senador até então tido como impoluto e que se fez notório defendendo a ética.

“Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder” – tinha escrito Millôr. E o senador Demóstenes, do oposicionista DEM, cujos discursos ferinos no Senado apontavam atos de corrupção do governo, surge agora como prova do aforismo. O próprio senador tinha sentenciado meses atrás: “Corrupção é um negócio suprapartidário, os malandros estão em todos os governos e, às vezes, migram de um governo a outro”.

A política é a arte da representação, em que se mostra o que não se é. No fundo, os políticos são atores perfeitos, que representam o que não são num cenário real construído por todos nós, os eleitores.

Antes de ser careca e de chegar ao Senado, Demóstenes Torres foi delegado de Polícia, promotor público e secretário de Segurança em Goiás. Conhecia a engrenagem do crime e não era um noviço ingênuo quando se associou à milionária rede da jogatina ilegal.

O mais penoso em tudo, porém, é que – ao surgirem as denúncias iniciais da Polícia Federal sobre seu envolvimento com a máfia – todos no Senado saíram a defendê-lo. Nada menos do que 46 senadores discursaram em sua defesa, inocentando-o e elogiando sua “ilibada conduta”. Ninguém sequer sugeriu esperar por mais evidências para, então, tomar posição. Governistas e oposicionistas se uniram para defendê-lo, sem interessar-se por mais detalhes.

Nosso senador Pedro Simon, por exemplo, lançou-lhe lisonjas e, naquele palavreado solene e inócuo em que os políticos escamoteiam a verdade, disse textualmente: “Vossa Excelência, senador Demóstenes, é uma das pessoas mais competentes e que atuaram com bravura em toda a sua vida”.

O que é ser competente e ter bravura? Nada disseram os senadores sobre a atuação da Polícia Federal, esta sim, competente e brava, que lidou com gente do alto mundo corrompida com milhões. Em Goiás, bingos e caça-níqueis tiveram um lucro líquido de, pelo menos, R$ 170 milhões, dos quais um terço ficou com o senador.

Já dizia Millôr: “O Brasil está dividido entre os abertamente cínicos e os que conseguem se conter”.

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