VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O JOGO DUPLO DO SENADOR


ÉTICA FERIDA. FÁBIO PRIKLADNICKI, ZERO HORA, 02/04/2012

Sob o fogo cerrado das gravações que sugerem o uso de seu cargo para troca de favores com o empresário Carlinhos Cachoeira, Demóstenes Torres poderá ser afastado do DEM. A revelação sobre a conduta do senador, até então considerado uma referência no Congresso, surpreendeu parlamentares e analistas políticos.

Na mitologia romana, o deus Jano – uma figura com dois rostos virados para lados opostos – representa o contraditório. Não é uma referência tão distante de nós. Seu nome batizou o mês de janeiro, quando olhamos para trás para contemplar o ano que passou e, ao mesmo tempo, para frente, aguardando o inesperado.

Foi assim com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se posicionou no cenário político nacional como uma das vozes mais contundentes na defesa da ética e da moral. Diálogos telefônicos divulgados nos últimos dias, no entanto, mostram uma proximidade entre o parlamentar e o empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, preso no final de fevereiro em uma investigação sobre a exploração ilegal de jogos de azar. Trata-se de uma surpresa ou do tradicional feijão com arroz da política nacional?

O senador Pedro Simon (PMDB), 82 anos, considera a revelação sobre Demóstenes Torres, 51 anos, “um choque muito violento”:

– Antes de mais nada, é um caso de psiquiatria. Ele tem duas personalidades. Não pode estar conosco durante anos, mostrando ser uma pessoa, e de repente aparecer um outro lado que revela ser outra pessoa – afirma o parlamentar gaúcho, acrescentando: – Esse rapaz é uma das pessoas pelas quais eu tinha maior respeito e carinho. Torci por ele, mas os fatos que apareceram são tão brutais, as gravações, a voz. O que ele podia fazer é renunciar antes de ser desfiliado do Democratas.

Analistas, por outro lado, minimizam a surpresa em torno de mais uma notícia de irregularidade.

– O episódio não significa nada. Várias pessoas em Brasília foram eleitas com a mesma plataforma (da ética). Todos dizem que estão preocupadíssimos com o assunto, só que alguns defendem com mais vigor e outros com menos – observa o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB), para quem a notícia é “mais uma confirmação de que a política brasileira precisa de reforma”.

Episódio “trivial” da cena política

O que explica o tempo relativamente longo em que Demóstenes conseguiu mostrar publicamente apenas uma das faces de Jano?

– Ele talvez tenha concentrado suas fichas em um só patrocinador. Se você tem vários doadores ilegais, você se expõe muito. Se tem um só, talvez a exposição seja menor – analisa Caldas.

O cientista político salienta que os parlamentares devem se pautar, acima de tudo, pelo decoro:

– Cumprir a lei é necessário, mas não é suficiente. O decoro vai além da legalidade. Só o fato de estar tão associado a um empresário de um setor ilegal já é suficiente para descaracterizá-lo como representante.

Antropólogo e professor da PUC-Rio, Roberto DaMatta considera o episódio mais uma mostra do “trivial da política brasileira”.

– O que vai me surpreender é se aparecer um partido que tenha consistência, que seja a favor de pagar muito aos professores e pouco aos ministros, que seja absolutamente transparente em relação a obras públicas – exemplifica.

Que Demóstenes tenha mantido a imagem de paladino da ética por tanto tempo tampouco deveria causar surpresa, segundo DaMatta:

– Todos nós somos muitos. É o princípio básico da psicologia humana. A consistência é um ideal que tem de ser procurado todos os dias.


Os caminhos de Demóstenes

1. RENÚNCIA AO MANDATO

- Vantagens: se optar por renunciar ao mandato, Demóstenes sai da exposição pública, reduzindo o impacto do desgaste político.

- Desvantagens: a solução foi muito adotada no passado por políticos sob pressão das denúncias. Ao renunciar, o processo de cassação era interrompido e eles garantiam a participação nas eleições seguintes. A partir da aprovação da Lei da Ficha Limpa, a alternativa da renúncia perdeu força, já que o político que adotar esse mecanismo fica proibido de participar das eleições por determinado período. Se Demóstenes renunciar agora, por exemplo, ele ficará impedido de concorrer durante o período remanescente do mandato para o qual foi eleito e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura.

2. JULGAMENTO POLÍTICO

- Vantagens: se optar por permanecer no mandato, Demóstenes será submetido ao Conselho de Ética do Senado. Pela situação atual, é provável que o conselho peça a sua cassação, mas o pedido terá de ser aprovado em plenário, onde sempre há chance de reverter a situação.

- Desvantagens: ser submetido ao Conselho de Ética significa enfrentar um desgaste político diário. Como as suspeitas que recaem sobre o senador são fortes, é quase certo que o conselho pedirá sua cassação. A chance de o plenário fazer o mesmo neste momento também é grande, já que Demóstenes acumula inimigos entre parlamentares governistas, que hoje são maioria.

A TESE DE DEMÓSTENES - No auge das denúncias de irregularidades contra Orlando Silva, Demóstenes afirmou que a situação do então ministro do Esporte deveria ser embasada pela instância política, e não jurídica. Em 26 de outubro do ano passado, durante uma sessão na Comissão de Constituição e Justiça, o senador argumentou que o processo político era muito mais rápido e citava como exemplo o caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. De acordo com Demóstenes, o caso Collor exigia do Congresso um rápido desfecho – mesmo que depois, lembrou ele próprio, o processo contra o ex-presidente tenha sido arquivado pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas.

AS RELAÇÕES ENTRE O PROFESSOR E O DOUTOR - Procurador de Justiça licenciado e senador há nove anos, Demóstenes começou a cair em desgraça em fevereiro, pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que apura esquema de exploração ilegal de jogos de azar em Goiás. Quem comandaria a contravenção é o empresário e bicheiro Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso desde o dia 29 de fevereiro.

- As investigações apontam para uma estreita relação entre Demóstenes e Cachoeira. Conversas telefônicas interceptadas pela PF mostram os vários tipos de negócios e acordos entre ambos. Demóstenes chamava o empresário de “professor”. Cachoeira tratava o senador por “doutor”.

- O grau de intimidade entre ambos era tanto que Cachoeira chegou a dar ao político um fogão e uma geladeira importados, no valor de R$ 30 mil, de presente de casamento. O bicheiro teria dado também ao senador e a outras pessoas telefones celulares registrados em Miami, que supostamente não poderiam ser grampeados pela PF. Pelo aparelho, ele e Cachoeira conversaram mais de 300 vezes.

- A investigação da Polícia Federal indica que, a partir da relação com Cachoeira, Demóstenes teria arrecadado cerca de R$ 50 milhões para constituir um caixa 2 de campanha eleitoral. O dinheiro teria como origem a exploração ilegal de jogos. Mas são as ligações telefônicas entre ambos, interceptadas pela PF, que mostram os vários interesses de cada um.

- Nos diálogos gravados pela PF, Demóstenes e Carlinhos Cachoeira discutem, por exemplo, um projeto que tramita na Câmara dos Deputados e que criminaliza o jogo ilegal, mas também legaliza as loterias estaduais, de interesse do bicheiro. Também falam de negócios na Infraero e da demissão de dois servidores fantasmas, que depois serão recontratados.

- Outros seis parlamentares estariam envolvidos em negociações com o contraventor: o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e os deputados Carlos Alberto Lereia (PSDB), Jovair Arantes (PTB), Rubens Otoni (PT) e Sandes Júnior (PP), todos de Goiás, além de Stepan Nercessian (PPS-RJ).

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