VOTO ZERO significa não votar em fichas-sujas; omissos; corruptos; corruptores; farristas com dinheiro público; demagogos; dissimulados; ímprobos; gazeteiros; submissos às lideranças; vendedores de votos; corporativistas; nepotistas; benevolentes com as ilicitudes; condescendentes com a bandidagem; promotores da insegurança jurídica e coniventes com o descalabro da justiça criminal, que desvalorizam os policiais, aceitam a morosidade da justiça, criam leis permissivas; enfraquecem as leis e a justiça, traem seus eleitores; não representam o povo e se lixam para a população.

domingo, 8 de maio de 2011

CASO BANRISUL - PELA VOZ DOS SUSPEITOS

OPERAÇÃO MERCARI, DIA D. A ação da PF pela voz dos suspeitos - ADRIANA IRION, ZERO HORA 08/05/2011

Na manhã de 2 de setembro de 2010, a Polícia Federal deflagrou uma ação para colocar fim em uma suposta fraude que drenaria recursos do setor de marketing do Banrisul. Foram apreendidos R$ 3,4 milhões sem origem identificada e presos em flagrante dirigentes de agências de propaganda e um superintendente do banco.

A Operação Mercari resultou num inquérito de 51 volumes, resumido em um relatório de 270 páginas. No final de abril, a 6ª Vara Criminal do Fórum Central de Porto Alegre aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual contra 25 pessoas. Em 375 folhas, o MP sustenta que os réus tiveram participação no esquema que teria desviado, pelo menos, R$ 5 milhões do banco. Ouvidos por ZH à época, os suspeitos negaram envolvimento.

Para esta reportagem, ZH consultou documentos do processo judicial e teve acesso exclusivo a áudios de parte dos 11 mil telefonemas interceptados com autorização da Justiça. Com base neste material, o dia 2 de setembro é narrado a partir do ponto de vista dos suspeitos. São eles que, em troca de telefonemas, relatam a ação dos policiais federais em suas casas e empresas.


– Tudo que tiver meu imediatamente jogue fora. Imediatamente, entendeu?

A ordem é dada por telefone 44 minutos depois de 76 policiais federais terem desencadeado, às 6h do dia 2 de setembro do ano passado, a Operação Mercari, que rastreou suspeitas de fraude em ações de marketing do Banrisul.

Naquele dia, por volta das 4h30min, na sede da Polícia Federal (PF), agentes se reuniram para pegar envelopes lacrados com informações sobre seus alvos: eram 11 pontos entre residências, empresas, agências de publicidade e o prédio central do banco. A ação tinha como roteiro o quebra-cabeças montado a partir de 10 meses de investigações, que tiveram, segundo relatórios oficiais, importante contribuição dos próprios suspeitos, por meio de diálogos e trocas de e-mails.

É o que destaca trecho do relatório da PF: “...Essas informações, cabe enaltecer, provieram da interceptação telefônica, valioso meio de captação dotado de singular atributo: a espontaneidade. Logo, para que sejam absorvidos em todo seu potencial informativo, com as nuances e signos linguísticos que lhes são próprios, recomenda-se o acompanhamento deste relatório pela versão digital”, escreveu o delegado federal Thiago Machado Delabary.

A apuração teve início em 2009, quando uma testemunha que prestara serviços a agências de publicidade responsáveis pelo marketing do banco procurou o Ministério Público e Ministério Público de Contas. Em 2010, depois de ter delatado a suposta fraude, a testemunha teria voltado a procurar os supostos envolvidos a fim de ameaçá-los, segundo sugerem diálogos gravados pela polícia.

Seis dias antes

Davi Antunes de Oliveira (suspeito de ser o controlador de uma rede de empresas terceirizadas que atuariam na suposta fraude) – Noventa por cento das coisas é chute. Ele (a testemunha) teve lá falando que chamaram ele no Ministério Público e estão muito interessados no dossiê dele. (...) Falam de ti, que eu e tu temos uma quadrilha, que tem teu nome lá na Polícia Federal, no Ministério, como quadrilha.

Armando D’Elia Neto (era diretor administrativo-financeiro da agência de publicidade DCS) – Até agora, nada de problema.

Davi – Gilson (Storck, sócio-gerente da agência de publicidade SLM) acha que se tá rolando no MP isso, nada mais podemos fazer. O Gilson acha que a bicha (forma como os suspeitos se referem à testemunha) vai bater aí na DCS.

Armando – Te cantei a pedra que eles iam querer que tu (pagasse) 5, 10 pila (pagar pelo silêncio) para o cara.

Davi – Se tem coisa no Ministério (MP), aí nós temos que nos preparar, vai ser choque.

Armando – Agora, tu tem que avisar o amigo, né, que tu acha?

Davi – Temos que explicar todo o contexto. Acho melhor falar pessoalmente. Tu acha ruim ser na empresa, entrar de carro? Acho que não tem essa coisa de estarem (polícia) seguindo...

Armando – Tenta outro lugar, posto de gasolina. Se tem alguém em cima (vigiando) vai ser pior ainda.

O Dia D

Conversas como essa, gravada em 27 de agosto – seis dias antes de ser deflagrada a operação –, integram o inquérito da PF e a denúncia do Ministério Público que a Justiça acatou no último dia 28 contra 25 pessoas. Quando a Mercari ganhou as ruas, policiais acreditavam ter bons elementos para provar que uma quadrilha estava lesando o banco por meio de eventos superfaturados. Enquanto policiais federais vasculhavam endereços, o alvoroço dos suspeitos foi registrado em escutas que teriam flagrado tentativas de manipular e esconder provas e testemunhas.

Às 6h44min de 2 de setembro, Davi Antunes de Oliveira liga para uma amiga pedindo que ela elimine coisas suas.

Davi – Tudo que tiver meu imediatamente jogue fora. Imediatamente, entendeu? E depois vai trabalhar tranquila. Tchau.

Três minutos antes, Davi, que dormira na casa de outra amiga e, por isso, não estava em seu endereço quando a PF chegou, recebe instruções do advogado Cássio Rodrigues.

Cássio – Davi, tu acha que tu tem de ir para lá?

Davi – Não sei, Cássio.

Cássio – Acho que não velho, porque pode ter mandado de prisão para ti.

Davi – Lá em casa minha mulher disse que era só coisa de apreensão, de busca de documentos e CDs.

O empresário contata sua secretária Neiva Saratt às 6h58min. Os dois, segundo relatórios, conversam sobre como despistar da PF informações sobre empresas que pertenceriam a Davi, mas que constariam em nome de outras pessoas, os “laranjas”.

Davi – Avisa para os guris não vir trabalhar, todos eles.

Neiva – Ok. Ligaram (da PF) agora perguntando da Nova York, 105 (endereço de uma das empresas, a Selftur), eu disse: olha, eu desconheço.

Davi – Avisa o Germani então, liga para o Germani pra dizer que nem nos conhece lá. Diz que deu um problema com a polícia, tão nos xaropeando, para ficar avisado.

Novo contato de Davi, às 7h7min, é com Edineia de Ávila, à época funcionária da DCS. Edineia, apesar de trabalhar na DCS, também recebia valores de Davi, segundo a apuração.

Davi – Te veste, entendeu, se tu tiver alguma coisa em casa, tira, mas não vai direto para a agência, espera um pouco.

Enquanto isso, a secretária de Davi repassa orientações dadas pelo chefe. Às 7h10min, liga para Germani, que não figura como denunciado, mas que teria relação com Davi.

Secretária – Bom dia, Germani, é o seguinte, a Federal anda nos incomodando hoje.

Germani – Quem?

Secretária – A Federal. E aí eles me ligaram perguntando pelo endereço na Nova York. Eu disse que desconhecia Selftur (empresa que seria de Davi) e coisa assim. Qualquer coisa que forem lá, tu diz que desconhece, nunca ouviu falar, que alugou de imobiliária.

Germani – Tá bom.

Secretária – Desconhece, desconhece.

Davi, que evita ir a locais em que a Polícia Federal está, telefona diretamente para outros suspeitos ligados a suas empresas, como Roberto Correa Otero.

Davi – Não deixa nada em casa.

Otero – Sim, sim.

Davi – Já liguei para o Cássio, tu vai indo lá (para a empresa Renove, outra que seria de Davi), mas não entra sem me ligar.

Enquanto recebe agentes federais em sua casa, no bairro Petrópolis, na Capital, Armando D’Elia Neto, que era da DCS, também faz telefonemas. Às 7h43min, fala com um funcionário da agência.

Armando – Os caras da Polícia Federal vão lá (na sede da DCS) fazer busca e apreensão.

Funcionário – Tá brincando, busca e apreensão do quê?

Armando – Não sei, cara, entraram na minha casa também. Nem toma banho, te agiliza lá. Qualquer coisa, diz que minha sala é sala de reunião.

Funcionário – Sim, sim.

Armando – Tenta evitar ao máximo minha sala lá.

Davi procura mais um dos suspeitos de serem ligados a empresas de sua propriedade. Dá avisos a Alexandre Ferlauto Della Casa, às 7h44min.

Davi – Polícia Federal entrou nos lugares todos, no escritório, casa, tudo.

Alexandre – Tô sabendo.

Davi – Já tiveram aí?

Alexandre – Tu acha que vem?

Davi – Pode ser, foram na Renove, do Otero. Então, é melhor que tu saia de casa agora. O que tiver aí dentro, consome. Pega papéis, pede para tua mulher consumir tudo que tiver. Sai agora de casa, rápido, porque entraram já no amigo, entraram no Armando (D’Elia Neto).

Alexandre – Tá, mas e o computador, o que eu faço, levo tudo comigo?

Davi – Tudo. Mas se some agora. Bota uma calça, uma camisa, pega o computador, tudo que tu puder e te some. Vamos tomar um café. Avisa para tua mulher não esquentar a cabeça porque agora é a hora do rock and roll. Por enquanto, eles (os federais) estão atrás de documentos e tudo, mas nada de grave. Mas entraram na DCS também, tá. Isso significa que é uma ampla operação.

Mais um contato de Davi com outro susposto colaborador seu ocorre às 8h1min, quando avisa Jairo Xavier Amaral sobre a Operação Mercari. Na denúncia enviada à Justiça, o MP colocou fotos de uma viagem à Europa que indicariam o grau de amizade entre Davi, Jairo e Armando.

Davi – Notícia um pouco ruim, tá, a Polícia Federal entrou dentro da minha casa, das empresas, agência, tudo! Só tô te avisando para ficar preparado né.

Jairo Xavier Amaral (prestador de serviços para agências de publicidade) – E o que estão pedindo?

Davi – Todos os documentos, papéis tudo.

Jairo – Hummm.

Davi – Vai ter escândalo. A diferença é que nós sempre entregamos tudo e é pautado nisto que nós vamos nos defender agora até a morte. (...) Entraram até no amigo que viajou com nós.

Às 8h31min, Davi fala com a secretária Neiva novamente. Quer que o advogado repasse instruções a Otero, que seria ligado a empresa sua.

Davi – Pede pro Cássio falar com o Otero, dar instruções. Porque não tem documento nenhum lá no Otero, naquela empresa (a Renove), ele tem de dizer que trabalha em casa e tal, aquela coisa toda, tem que instruir bem ele.

Depois de a Polícia Federal encontrar dinheiro em sua casa, no bairro Santana, na Capital, o então superintendente de marketing do Banrisul, Walney Fehlberg, também passa a fazer ligações. Diz aos interlocutores que está com problemas e pede ajuda para contratar advogado. O primeiro contato teria sido, segundo o MP, com o então presidente do Banrisul, Mateus Bandeira (que não foi alvo de investigação), às 8h16min.

Walney – Eu tinha um dinheiro, tão fazendo o auto de apreensão e eu vou ir preso. Eu tô encrencado, eu tô encrencado.

Cinco minutos depois, telefona para Armando D’Elia Neto e, segundo a polícia, demonstra preocupação em saber se a PF também havia ido na “empresa” do amigo.

Walney – Entraram aqui na minha casa buscando os documentos do banco. Pegaram um dinheiro que eu tinha, tão indo lá no marketing (do banco).

Armando – Entraram também aqui na minha.

Walney – Bá, e a empresa?

Armando – Também entraram na empresa, entraram em tudo.

Em seguida, às 8h29min, Armando fala novamente com funcionário da DCS, deixando claro o desejo de que sua sala na agência seja poupada das buscas.

Armando – Evita minha sala ao máximo possível.

Funcionário – Vou ficar frio, vou dizer que não tenho chave, não sei quem é.

Armando – Diz que é sala de reunião e que o material do Banrisul fica tudo no salão. Eu não queria que eles abrissem aquele meu armarinho de baixo ali...

Funcionário – Tava pensando também nas coisas que a gente tem no computador. Queria colocar num pendrive. Mas não vai dar, né. (...) Qual armarinho que tu não quer que eles mexam, o preto?

Armando – O preto.

Funcionário – Menos mal, só tu tá com a chave.

Armando – No preto e no pretinho baixinho também, no gaveteiro também.

No armário citado por Armando, a PF encontrou R$ 2,5 milhões, US$ 122,3 mil, 20,8 mil euros e 4,5 mil libras. No gaveteiro, havia seis armas. Enquanto distribui instruções a pessoas ligadas a ele, Davi também liga para Walney, às 8h39min.

Walney – Eu vou ser preso.

Davi – Já tô sabendo, já foram em todos os lugares, as agências todas.

Walney – E aí?

Davi – E aí que é uma grande operação. Tamos com problemas, vai ser grave o troço, entraram nas agências, pediram todos os documentos das agências. Acharam muita coisa aí?

Walney – Tinha uns dólares.

Davi – Muita coisa?

Walney – Uns duzentos mil, trezentos, em dólares.

Davi – Vamos ter um problema grande realmente.

Walney – E o senhor tá bem?

Davi – Os advogados estão em ação e frieza total né. A questão é ficar frio, é crucial, porque o desfecho disto vai ser ruim.

O desfecho, naquele dia, foi a prisão em flagrante de Walney Fehlberg, Armando D’Elia Neto e Gilson Storck por terem, em seu poder, dinheiro sem origem declarada.

No dia seguinte, foi a vez de Davi ser preso por causa da suspeita de que poderia fugir, já que estava com viagem marcada. Foi pego com cerca de R$ 80 mil. Além dos quatro, mais 21 pessoas estão sendo processadas pela Justiça por suspeita de envolvimento na suposta fraude que teria lesado o Banrisul em, pelo menos, R$ 5 milhões.

Nenhum comentário: